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o Deus que pediu misericórdia



Primeiro
desce-lhes a borracha
e arranca-lhes o teto
e o sonho

Depois
assopra e beija
os filhos
dos retirantes

E os bebês sem-teto
crescem odiando
tudo
e todos.
(João Cruzué. Li no Confeitaria Cristã)

A expulsão brutal dos moradores do Pinheirinho, SP, completa mais de 40 dias e 40 noites e não me lembro de ter lido uma linha sequer sobre o assunto nos blogs e sites cristãos mais famosos e lidos.

A horda de desabrigados vítima da truculência policial não foi socorrida por um mutirão emergencial de cristãos. Tenho a impressão de que o cristão só sabe fazer mutirão em duas situações: após desastres naturais e no Natal. A expulsão à bala dos moradores do Pinheirinho também foi um desastre, uma tragédia social. 

Mas a nossa mente cristã-evangélica-romana entende que os desabamentos de terra e as enchentes são a vingança da Natureza, são sinais dos tempos, enquanto a humilhação do sem-teto é culpa do próprio sem-teto. Aliás, diria o crente tentando apaziguar o espírito, os policiais estavam cumprindo a Lei, eram homens que apenas estavam cumprindo ordens! 

E que lei diabólica é essa que tira o pouco de quem nada tem e dá para quem tudo quer e nada lhe falta? Que (in)Justiça é essa que derruba a casa de milhares para “devolver” o terreno a uma porção de especuladores que não enche um elevador? Como um governante que se confessa católico autoriza a chicotada no mais fraco para ficar bem com os mais fortes?

A quem nós queremos enganar? A Deus não se engana e nosso próximo sabe muito bem quem somos. Então, só estamos enganando a nós mesmos! Quando ocorre um desastre em Santa Catarina é um corre-corre, é um help-help de emocionar! Quando o desastre é em toda aquela região acima de Minas e Brasília que chamam de Norte, aí dá uma preguiça, já ajudei esse ano, tenho dois filhos pra criar, é pra “baiano” tomar jeito! Se for no Haiti ou na Ásia, é culpa do povo pagão!

“Misericórdia quero, e não sacrifícios”, já cansava de dizer Jeová ao povo ingrato e egocêntrico.  No Natal, nossa caridade tem hora marcada. E cumprimos os prazos e arrecadamos as toneladas em forma de uma lúdica gincana. Levem minha roupa usada, tá aqui meu quilo de arroz, tomem o meu sapato velho, Jesus está tão feliz... Passou a digestão do glúten e do peru, voltamos ao nosso clube da boa vontade natalícia e assistência social agendada.

Não estou dizendo que é para abdicar desses gestos de solidariedade, ainda que possam se revelar pouco espontâneos. Mas isso me lembra a canção cristã "Mutirões" (Ismar do Amaral/Valdomiro Pires de Oliveira), gravada em 1985:

Quando os nossos mutirões forem movidos pela fé                                                                           
No Evangelho que é vida, cartilha para ser seguida                                                                                 Vai ter pão em toda mesa, vai ter semente no chão      

Se a canção te parece utópica, então os Provérbios te alertam: “Abre a tua boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados” (31:8). 

Foi o que também disseram João Dias de Araújo e Décio Lauretti, no começo dos anos 1970, ao apresentarem a canção "Que Estou Fazendo?":

Que estou fazendo se sou cristão, / se Cristo deu-me o Seu perdão?
Há muitos pobres sem lar, sem pão / há muitas vidas sem salvação
Aos poderosos eu vou pregar, / aos homens ricos vou proclamar
Que a injustiça é contra Deus /  e a vil miséria insulta os céus

É muito bom saber que Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho. Mas o cristianismo da Bíblia e da simplicidade do ‘aceitar Jesus no coração’ representa muito mais: “E não é isso que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes humildemente com teu Deus?” (Miquéias 6:8).

Comentários

Marcelo Meireles disse…
Eu postei isso aqui no Facebook, dias depois. É histórico rsrs. Apenas 1 cristão curtiu rsrs

Ai vai

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Vejam esse lindo pronunciamento do nosso nobre Washington Luis, em 1914.

Ele era prefeito de São Paulo, e como sabemos; viria a se tornar Governador do Estado e finalmente, Presidente da República em 1926

Dedico esse singelo libelo de cinismo alvar (eitaaa peguei pesado hein. Mas é pra entrar no “clima” do vocabulário do Washington Luis kkkk ) ... Voltando
-
Esse singelo libelo de cinismo alvar em prol da misantropia, é minha homenagem a Naji Nahas, Geraldo Alckmin, Justiça de SP ...

... e aos que acharam justa e digna de louvação honrosa, a inacreditável atuação desse Trio na expulsão de 6 mil pessoas do já famoso Pinheirinho

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Vai Washington Luis !!! Corre pro abraço !!! Seus correligionários do Séc 21 te esperam ansiosamente !!!

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"O novo parque não pode ser adiado porque o que hoje ainda se vê, na adiantada capital do Estado, a separar brutalmente do centro comercial da cidade os seus populosos bairros industriais, é uma vasta superfície chagosa, mal cicatrizada em alguns pontos e ainda escalavrada, feia e suja, repugnante e perigosa, em quase toda a sua extensão.

É aí que, protegida pela ausência de iluminação se reúne e dorme, à noite, a vasa da cidade, numa promiscuidade nojosa, composta de negros vagabundos, de negras emaciadas pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as idades, todos perigosos.

Tudo isso pode desaparecer sendo substituído por um parque seguro, saudável e belo. Denunciando o mal e indicado o remédio, não há lugar para hesitações, por que a isso se opõem a beleza, a higiene, a moral, a segurança, enfim, a civilização e o espírito de iniciativa de São Paulo.”

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Sim. Washington Luis é um pioneiro nesse tipo de “ação social”.
Seu “pinheirinho” era um lugar chamado Várzea do Carmo. Nesse lugar, anos antes foi disputada a 1ª partida de futebol no Brasil. Hj esse lugar é o Parque Dom Pedro
Como sabemos, esse senhor de nobre estirpe não terminou seu mandato presidencial pq foi deposto por Getúlio Vargas. E acho que agora deu pra entender pq, ne ?
Xenofobia pouca é bobagem !

Faxina étnica e social que faria Hitler e Stálin aplaudirem de pé.

Grande Washington Luis ...
joêzer disse…
comentário arrasador, Marcelo!
Jayme Alves disse…
Bravo! Uma voz ousa se erguer em meio à mudez rasteira de tantos evangélicos perante as questões sociais.

Como "profetiza" o João Alexandre na canção "Em Nome da Justiça":

"Enquanto se canta e se dança de olhos fechados
Tem gente morrendo de fome por todos os lados
O Deus que se canta nem sempre é o Deus que se vive,
não
Pois Deus se revela, se envolve, resolve e revive"

É triste notar como os adventistas, que se orgulham tanto de sua ligação com o dom de profecia, restringem o ofício profético à iluminação do futuro e o deixam desconectado das sombras do presente, esquecendo que, nos profetas, pulsava forte a veia da contestação social e suas gargantas estavam repletas de brados contra a injustiça.

Voltando aos versos do "profeta" João Alexandre:

"Nós os filhos Seus temos que unir as nossas mãos
Em nome da justiça, por obras de justiça
Quem conhece a Deus não pode ouvir e se calar
Tem que ser profeta e sua bandeira levantar
Transformar o mundo é uma questão de compromisso
É muito mais e tudo isso"

http://letras.terra.com.br/joao-alexandre/930802/
joêzer disse…
esse é o João Alexandre!
valeu, Jayme.

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