Já li textos sobre música sacra que me dão a impressão de que o autor
tem a fórmula da música que agrada a Deus. Uns garantem que só os hinos antigos
sem acompanhamento de guitarras ou percussão podem agradar a Deus. Outros, que
qualquer sonoridade contemporânea é capaz de agradar a Deus.
O que nenhum desses lados refletiu é que a postura de agradar a Deus
com esse ou aquele tipo de música não possui nenhuma base bíblica.
Segundo um texto de recorte bem tradicional, o cristão deve louvar a
Deus mesmo com uma música da qual não gosta e considera ultrapassada, tediosa e
formal. Então o louvor é um sacrifício, talvez com duplo sentido:
uma tortura para quem canta, ou para quem ouve uma música da qual não gosta; e
um sacrifício de louvor capaz de agradar a divindade. Esse último sentido (sacrifício
para agradar a divindade) me parece muito próximo da magia, a qual, de acordo
com alguns pensadores (Durkheim e Weber incluídos), difere na religião.
Na magia, o sacrifício é usado para constranger a divindade a realizar
os desejos humanos. Na Bíblia, nos tempos em que havia sacrifício de cordeiros,
esse ato não tinha o objetivo de aplacar a ira divina, mas de estabelecer um
sinal de que um sacrifício futuro sepultaria todos os sacrifícios: a morte de
Cristo, como um tipo de “Cordeiro que tira o pecado do mundo”.
O louvor, portanto, não seria um sacrifício (a não ser quando a
congregação é torturada com hinos que considera tediosos ou com as tediosas
repetições ad infinitum de um refrão gospel).
O louvor musical é uma resposta humana aos atos de Deus, e não um
sacrifício para agradar ou constranger a Deus.
Ao analisar o conteúdo bíblico a respeito de louvor e adoração, não encontrei
nenhuma referência ao gênero especial de música que agradaria a Deus. Contudo,
há bastante menção à atitude de quem louva a Deus. Certas passagens bíblicas
recomendam que o louvor seja feito com
- “júbilo e com arte” (Salmo 33:3),
- com “espírito e entendimento” (I Coríntios 14:15),
- sem hipocrisia (Amós 5:23 – “afastai o estrépito de vosso cântico,
porque não ouvirei a melodia de tuas violas”, a não ser que “corra a justiça
como as águas”).
Nenhuma menção sequer a estilo musical.
O que alguém pode inferir, então, é que toda forma de louvor é válida.
De fato, nada parece contrariar esse pensamento, a não ser o bom senso de que a
ausência de regulamentação bíblica para o estilo musical não significa ausência
de critérios para o louvor.
E onde estariam então esses critérios? Alguns deles estão na carta do
apóstolo Paulo aos coríntios. Ele escreveu que “todas as coisas são lícitas,
mas nem todas convêm; todas as coisas são lícitas, mas nem todas edificam” (I
Coríntios 10:23). Me parece que não há desaprovação bíblica para nenhum estilo
musical, mas há uma advertência em relação à adequação ou conveniência do
estilo. A preocupação do cantor, então, deveria ser a mesma que a do pregador:
edificar a igreja.
Num culto coletivo, nem sempre há um subgrupo social em destaque, mas
sim a presença mista de várias gerações e faixas etárias. Há também nas
congregações gostos e comportamentos musicais que têm menos a ver com conversão
pessoal e mais com distinção de tipos de instrução e cultura.
A conclusão lógica é de que não é possível agradar a todos de uma vez. De
fato, mas usar essa conclusão para assegurar o predomínio ou de músicas antigas
ou de cânticos recentes não é bíblico. Como assim não é bíblico?
Volto a Paulo: “Ninguém busque seu próprio interesse, e sim o do outro”
(I Coríntios 10:24). Descontando o fato de que ainda assim não vai haver unanimidade,
a busca por agradar o gosto musical e cultural da congregação de forma geral, e
não particularizada, é um bom princípio.
No entanto, Paulo amplia esse pensamento em carta aos
crentes de Éfeso: “Enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos,
entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando
sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus, sujeitando-vos
uns aos outros no temor de Cristo” (Efésios 5: 18-21).
Os cristãos não discordarão de que a sujeição de “uns aos
outros no temor do Senhor” é um princípio incontestável. Nesse sentido, pode existir
um louvor que agrada a Deus. Ora, se Deus estiver rodeado de anjos que O louvam
continuamente, me parece que Ele tem a Sua disposição um louvor bem superior
aos dos humanos. Talvez essa seja uma das razões pelas quais Ele olha a atitude
de quem O louva e não para o estilo do louvor.
O louvor não é um sacrifício. O que se sacrifica é o “eu”, o gosto
pessoal, no púlpito que serve para glorificar a Deus e edificar a congregação. É
no altar da sujeição de uns aos outros que os mais velhos aceitam os novos sons
e os mais novos não desprezam a tradição.
Comentários
você fez uma boa analogia com o "sermão".
Thiago,
que bom que captou a mensagem.
Musikeiros,
refletir sobre os critérios é sempre válido.
Amanda,
vamos continuar usando esse espaço para pensar a prática musical cristã.
A todos, obrigado pela leitura e pelos comentários.
shabbat shalom
edson
shabbat shalom
edson
A música para entretenimento também auxilia na pregação do evangelho, uma vez que muitos não vão às igrejas, seja por preconceito, ou por falta de oportunidade. Este enorme grupo de pessoas que não se preocupam com religião poderiam ser alcançadas. Algumas músicas estilo mpb, por exemplo, são inadequadas à maioria dos estilos de culto, mas muitas pessoas que gostam do estilo poderiam ser alcançadas.
No entanto, talvez, em vez de se chamar música de entretenimento, poderia ser apenas canção cristã, cujo fim seria atrair a atenção de não cristãos que não têm interesse nenhum em ouvir música religiosa.
Seria uma música evangelística. Penso que ainda assim é preciso ter critérios claros para não incorrer em "vale tudo" e criar mais vexame do que atratividade séria.
algo a se refletir.
Mas até que ponto eu sacrifico o meu gosto pessoal? Se canto algo que eu não gosto, seria um sacrifício, e isso não seria sacrificar o meu gosto pessoal? Sacrificar o eu?
Bom senso, acho que esse bom senso pode ser achado quando estudamos os efeitos da música em nosso corpo e mente (ritmo + melodia)E disso há muita informação na internet e nas faculdades de Música.