Joe Gilles: Você é Norma Desmond, atriz do cinema mudo. Você
era grande.
Norma: Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos.
A Rede Cinemark reprisou alguns clássicos do
cinema: Bonequinha de Luxo, Lawrence da Arábia, O Poderoso Chefão I e II,
Chinatown, A Felicidade Não se Compra, Taxi Driver. Só pelos
títulos já dá pra concordar com a personagem Norma Desmond (personagem de outro clássico,
Crepúsculo dos Deuses): o cinema encolheu.
O cinema ficou “big”, mas raramente é “great” como costumava
ser. Cinema “big” sempre existiu, mas nos últimos 20 anos o cinema é grande no
sentido de bilheteria, número de explosões, de efeitos visuais, de marketing gigantesco e merchandising
incomensurável.
Raramente é grande no sentido de grandioso, de tematicamente
ambicioso, que visa o impacto emocional e intelectual, e não somente o sensorial, que não tem medo da
transcendência.
Bonequinha de Luxo é do tempo em que havia comédias
românticas baseadas em roteiros inteligentes e bons atores e não apenas em situações inverossímeis e rostinhos jovens. Lawrence da Arábia é sinônimo
de magnificência, A Felicidade não se Compra (assim como Ben-Hur) parece feito por
gente que entendeu o cristianismo. Taxi Driver
é violento, mas não faz apologia da violência nem se diverte com ela. Aqui, a violência e a
violação dos indivíduos repercute a violência legalizada do Estado e a violação
cotidiana dos cidadãos.
Na famosa saga da famiglia Corleone, o que se vê não é a
glamourização da violência ou da máfia, como alguns enxergaram. Em O Poderoso
Chefão II, percebe-se que a tragédia moral do chefão Michael Corleone é a tragédia
moral da América, cada vez mais envolvida em corrupção e ganância. Nas primeiras
cenas, os congressistas americanos estendem a mão aos mafiosos em negócios
escusos. As famiglias e a América se acasalam para construir um império cuja
fundação é poder, dinheiro e mentira. Nessa trajetória, morrem pessoas, famílias e a paz de consciência.
De um jovem herói da nação na II Guerra que não queria nada
com a famiglia, Michael vai se tornando o espelho decadente de seu próprio pai, Vito
Corleone. Um defensor intransigente dos negócios da famiglia e não da sua
família, ele vai ficando cada vez mais taciturno e sombrio. Suas cenas são
emolduradas pelas trevas, numa fotografia que escurece tudo em volta do personagem (foto acima). Do mesmo modo
que seu pai foi filmado na primeira parte da saga, rodeado pela escuridão (foto abaixo).
Ao filmar a máfia como uma organização familiar, achou-se
que o cineasta Francis Ford Coppola estava glamourizando a criminalidade. Nada mais
falso. Na saga dos Chefões, a violência não se apresenta divertida, não há
piadinhas depois de explosões. Há apenas o mal que provem da violência.
Na verdade, a trilogia do Poderoso Chefão é um relato de como o crime se institucionalizou nos Estados Unidos (e em qualquer outro país) em forma de organização lícita, operando como os governos, que mostram uma fachada limpa em contraste com a obscuridade de suas tramoias e conluios. Esses filmes são um retrato da decadência
moral da América, de um país que recebia os imigrantes com as mãos da Estátua da
Liberdade, mas que lhes fechava os punhos na vida real, mostrando a face escura do mal, como diz a letra da canção “Alagados”.
Isso é cinema realizado com ambição, feito por cineastas que gostam mais de cinema
do que de dinheiro. Não por acaso, a equipe técnica é composta de colaboradores
geniais: o diretor de fotografia Gordon Willis, que filmou a máfia como um quadro do pintor holandês Rembrandt; o engenheiro de som Walter Murch; o
músico erudito Nino Rota, cujos temas musicais amplificam a grandiosidade e a solenidade do
filme.
Destaque-se a fotografia ao estilo Rembrandt (acima, o quadro "Festa de Belsazar"): a luz só mostra os elementos essenciais. Na abertura do primeiro Chefão, m homem chora na escuridão pedindo vingança para sua filha violada. A única luz está sobre sua cabeça. A câmera mostra a mão de outro homem que lhe estende um lenço e, em seguida, vê-se o rosto de Vito Corleone/Marlon Brando que vai atender o pedido. São tramas que só poderiam ser tratadas na escuridão, enquanto lá fora, tudo é sol e luz no casamento da filha do padrinho Corleone.
No segundo Chefão, o filme abre com outra festa ensolarada na propriedade dos Corleone. Depois, vemos Michael Corleone/Al Pacino receber um senador na escuridão do seu gabinete. São tramas que só poderiam ser negociadas nas trevas. O fotógrafo Gordon Willis iluminou (e escureceu) dois mundos contrastantes: a aparência familiar e institucional que a máfia quer transmitir; as negociatas e a decadência moral que afundam nas trevas.
Destaque-se a fotografia ao estilo Rembrandt (acima, o quadro "Festa de Belsazar"): a luz só mostra os elementos essenciais. Na abertura do primeiro Chefão, m homem chora na escuridão pedindo vingança para sua filha violada. A única luz está sobre sua cabeça. A câmera mostra a mão de outro homem que lhe estende um lenço e, em seguida, vê-se o rosto de Vito Corleone/Marlon Brando que vai atender o pedido. São tramas que só poderiam ser tratadas na escuridão, enquanto lá fora, tudo é sol e luz no casamento da filha do padrinho Corleone.
No segundo Chefão, o filme abre com outra festa ensolarada na propriedade dos Corleone. Depois, vemos Michael Corleone/Al Pacino receber um senador na escuridão do seu gabinete. São tramas que só poderiam ser negociadas nas trevas. O fotógrafo Gordon Willis iluminou (e escureceu) dois mundos contrastantes: a aparência familiar e institucional que a máfia quer transmitir; as negociatas e a decadência moral que afundam nas trevas.
E os atores? Quem são os Robert de Niro, os Al Pacino, as
Diane Keaton de hoje? Os melhores atores já passaram dos 70 anos de idade e há
raros substitutos para eles num cinema preferencialmente de franquia feito para ser
degustado com pipoca e refrigerante.
Em Hollywood, embora ainda haja artistas genuinamente
grandes, o cinema se apequenou.
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