Não é sempre que a cultura pop gera histórias com tanta ressonância moral dentro de seus produtos fabricados para o entretenimento rápido e indolor. A saga Star Wars é um desses produtos de alto valor de mercado, mas também com relevantes proposições éticas. O conflito entre o Bem e o Mal perpassa toda cinematografia americana, sendo a saga criada por George Lucas uma dessas obras que reúne o entretenimento familiar, o escapismo simples e um fundo moral absoluto. Por isso, vale explorar um pouco os temas do enredo e também os temas musicais da saga Star Wars. Nesta postagem, os episódios 4, 5 e 6.
Star Wars - Episódio IV: uma nova esperança
Star Wars - Episódio IV: uma nova esperança
O primeiro filme da saga ainda exala novidade, mesmo em
confronto com a qualidade dos efeitos visuais do século 21. Mas o salto
tecnológico dado com este filme, lançado em 1977, não é o que impulsiona a
adesão de novos fãs. É a caracterização dos personagens, todos bastante
carismáticos: o jovem e impulsivo Luke Skywalker, a valente princesa Léia, o
sarcástico e arrogante Han Solo, o involuntariamente cômico C-3PO, o sábio e
melancólico Obi-Wan Kenobi, o vilão Darth Vader carregado de traumas pessoais.
São estes ótimos personagens (e os atores que os incorporaram tão bem) que ajudam a desviar o foco dos diálogos canhestros.
Nenhuma teoria explica porque gostamos tanto destes
personagens. Talvez a interação entre eles, talvez porque eles equilibrem uma inocência
com alguma arrogância juvenil. Mas ainda fico com a ideia do crítico Roger
Ebert: gostamos deles não pelas suas aventuras, mas porque no
fundo somos nós olhando o mundo pelos olhos deles. São personagens demasiadamente humanos, com aspirações da criança que libertamos quando vemos
filmes como esse.
A música: enquanto a saga espacial de George Lucas foi buscar inspiração
nas ingênuas aventuras espaciais de Flash Gordon dos anos 1930 e 40, a fantástica música de John
Williams possui duas fontes: a ideia de leitmotiv oriunda de Richard Wagner,
compositor alemão do século 19, e os temas musicais épicos de Erich von
Korngold, músico que escreveu vários temas para filmes nos anos 1930/40.
O leitmotiv (ou motivo condutor) é um tema melódico ou uma progressão
harmônica que representa um personagem,
um objeto ou uma ideia/conceito. Quando um personagem/objeto/ideia surge em cena ou é mencionado, toca-se o motivo musical relacionado. Isso será repetido
nas aparições subsequentes e os temas podem ser modificados e entrelaçados conforme os conflitos de personagens e conceitos em cena.
Neste episódio da saga, John Williams estabelece o tema
de abertura do filme, que será sempre tocado nas batalhas, e o tema da Força, cuja sonoridade é modificada várias vezes pelo compositor ao longo da saga. Por exemplo, note o modo reflexivo sugerido pelo tema da Força enquanto
Luke olha pensativo e esperançoso no por do sol de Tatooine - nessa parte, o tema é tocado pela trompa e depois pelo naipe de cordas, sem concluir a cadência da harmonia. Veja em seguida o modo triunfal do tema na
homenagem feita pela princesa Léia a Luke, Han e Chewbacca - agora tocado pelo naipe de metais, mais rápido e harmonicamente conclusivo.
Nota-se também um empréstimo das fanfarras orquestrais que caracterizam o movimento "Marte", da obra sinfônica "Os Planetas", composta por Gustav Holst e estreada em 1916. Compare no vídeo a seguir:
Star Wars – episódio V: o império contra-ataca
Enquanto o filme anterior lançara a pedra fundamental da
saga, com todo o saldo de humor, ação e tecnologia, este episódio aprofunda o
tema da escolha, com todo o débito moral que pode resultar de uma má decisão.
Luke Skywalker amadurece ao confrontar seus medos e sua
impulsividade. Surge ainda outro personagem extremamente carismático, o mestre Yoda,
e a famosa revelação paterna que assombrou meio mundo.
A música: entram dois novos temas, o da Marcha Imperial,
relacionado a Darth Vader, e o tema romântico de Han e Léia. O excepcional
trabalho musical de John Williams não está tanto na composição dos temas (já
explico), mas na costura que ele faz entre os personagens, a ação na tela e os
temas musicais. Por exemplo, na cena em que Han Solo é executado, ouvimos o tema
principal da saga, mas não em tons triunfantes, em seguida a Marcha Imperial,
pois Darth Vader comanda a execução, e por fim o tema romântico.
Há uma questão sobre a
semelhança de alguns dos temas de Star Wars com peças da música clássica. O início do tema
romântico é semelhante a trechos do Concerto para Violino, de Tchaikovsky; o
tema de abertura é muito semelhante ao tema de abertura do filme “King's Row” (1942), composta por Erich von Korngold.
Do mesmo modo, no episódio IV já havia temas de John
Williams com sequências similares às de outras peças clássicas. A música tocada
durante a caminhada dos robôs pelo deserto de Tatooine é idêntica à introdução
de “Sacrifício”, uma seção da obra A Sagração da Primavera, de Stravinski.
Star Wars – Episódio VI: o retorno do jedi
É consenso dizer que este é o episódio mais fraco da
primeira trilogia. Embora bastante divertido – é quase uma comédia –, não há o frescor do primeiro filme
nem a profundidade dramática do segundo. A trama se perde entre as batalhas na lua de
Endor, as batalhas espaciais contra a Estrela do Morte (de novo) e a decisão
mais difícil de Luke Skywalker. Dá pra dizer que são as cenas entre Luke e seu
pai, com sua combinação de batalha existencial e física, que dão grandeza à
saga. Ao final, Luke não é mais um garoto impulsivo, e o seu rosto transmite o preço da missão de ser um jedi e o pesar pela perda familiar.
No mais, o ponto fraco da Estrela da Morte é um alvo fácil
demais, os soldados do Império são incompetentes demais e os bonecos são ridículos
demais (como disse meu filho mais novo, parecem saídos do Castelo Rá-tim-bum). E sim, a sabedoria zen-panteísta da Força é pueril e simplista. Mas ela serve ao propósito moral na luta do Bem (os Jedi) contra o Mal (o Império). Além disso, a ética Jedi está na boca dos personagens que gostamos e é ao lado deles que meninos e meninas de várias gerações têm fincado sua bandeira.
A música: os temas musicais são os mesmos e foram costurados
com a técnica do leitmotiv. Mas talvez o filme padeça de um dos males de John Williams
que seus fãs mais ardorosos nunca admitirão: há excesso de música.
A repetição dos temas
começa a ficar óbvia e o tratamento orquestral já não é tão interessante quando
nos dois primeiros filmes. Para piorar, a celebração da vitória tem como fundo
musical um arremedo de samba, com um som artificial saído de tecla “demo”
daqueles teclados Casio dos anos 80 (no vídeo abaixo, a partir do minuto 1:30). Não foi o melhor final dramático nem musical da trilogia, mas a essa altura a música e a saga
Star Wars já nos ganharam por sua força.
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