
Eles (e elas), movidos pelo zelo escandalizado típico dos jovens universitários tupiniquins, seres pouco afeitos a baladas, raves e que tais, não somente atiram a primeira e a segunda pedra na Madalena suburbana metida em trajes tão sumários, como também expulsam-na do prédio acadêmico. Só faltaram levá-la até a direção e gritar “Eis aqui essa mulher, magnífico reitor. Foi apanhada nos provocando, essa mulher deve morrer!” Teria Geisy Arruda, a dama-estudante de vermelho em questão, transtornado a turba com seu vestidinho vermelho indefectível?
Vejamos. Não, ela não passou pelos tubos de ventilação e deixou as intimidades à mostra como Marilyn Monroe. Não, ela não dançava sobre a mesa e as carteiras como as meninas teúdas e manteúdas dos filmes adolescentes. Não, ela não deixou a calcinha em casa como Britney Spears. Não, ela não descia na boquinha da garrafa como as chacretes modernas do axé. O que fez a moça, então, para disparar os instintos mais primitivos da malta?
Geisy teria faltado com o decoro ao usar um vestidinho vermelhinho tão pequeninho que mal cabia na palma da mão. Mas seria essa roupa mais inapropriada para o ambiente acadêmico do que o chinelão e a bermuda dos mancebos ou do que os tops mínimos das donzelas tropicais? Mais inadequado do que tudo isso é a intolerância e a violência dirigidas à qualquer pessoa, caloura ou veterana.
Para os moralistas espiando da janela, Geisy foi culpada pela agressão que sofreu. É o típico pensamento de quem acha que a vítima estuprada é que atrai a violência sobre si. Esses enxergam a mulher como uma lobinha sexy perturbando as mentes sadias dos homens cujos instintos de macho predador e pegador vêm à tona de forma incontrolável. Não basta à vítima a humilhação física; descarreguem-se nela as mais abjetas acusações: “Ela deu mole”, “vacilou”, “com essa roupa, ela tava pedindo por isso”...
Podem as moças passar a tarde escolhendo e cantando “Com que roupa eu vou?” e ainda que elas não saiam vestidas para arrasar, haverão machos famintos que salivarão olhudos ao menor sinal de exposição de carne feminina.
Tome-se a divulgação de algumas festas universitárias. O convite anuncia que até à meia-noite mulher não paga. Outros bares alardeiam que até à meia-noite mulher não paga bebida, e assim por diante. Apesar das celebradas emancipações femininas, ainda há mulheres que se servem de isca para a diversão masculina. Não que elas não queiram se divertir, afinal nesta terra de estudante de muitas baladas e poucos engenhos o prazer é um mandamento irresistível. E após a meia-noite, cinderelas e abóboras encontram príncipes e sapos ao som de qualquer música sem palavra difícil.
Mesmo que todas as festas de faculdade fossem de uma austeridade puritana, ainda assim os jovens intolerantes não tinham a mais ínfima justificativa para constranger, xingar e malhar aquela estudante como se ela fosse uma judas de minissaia. Até porque ninguém sabe de nenhum movimento universitário contra as peripécias amorosas e BBBices transmitidas ao vivo, não se sabe de manifestação de graduandos em prol da erudição das letras do funk.
De repente, os alunos da UNIBAN, faculdade onde ocorreu a inquisição da semana, foram acometidos de um pudor que arrepiaria até as tradições das ligas de senhoras em defesa da moral e dos bons costumes. Qual a providência tomada pela reitoria? Investigar o caso, punir os culpados pela cena de intolerância e sugerir um enxoval mais circunspecto à moça ousada e descolada, que usou aquele vestidinho porque iria emendar a aula com uma saída noturna, certo?
Qual o quê! A direção da faculdade houve por bem expulsar a moça do quadro de seus respeitáveis e honoráveis alunos. Assim, a vítima foi transformada em vilã e os agressores em juízes e protetores da ordem social. Ai daquele jovem universitário que acende os archotes da intolerância e desmoraliza a própria moral.
Qual o quê! A direção da faculdade houve por bem expulsar a moça do quadro de seus respeitáveis e honoráveis alunos. Assim, a vítima foi transformada em vilã e os agressores em juízes e protetores da ordem social. Ai daquele jovem universitário que acende os archotes da intolerância e desmoraliza a própria moral.
Leia também: Errar é humano, jogar a culpa é masculino.
Comentários
Apavorou, como sempre!
Abs.
valeu!
a Uniban acaba de dizer que vai anular a expulsão da aluna. mas a garota vai ter clima pra estudar lá ainda?
Abrasss
thanks!
Prossiga com textos tão recheados de metáforas e ironias. Como nunca te li antes bixo?
Parabéns Joêzer
se você ainda não conhecia meu blog é porque não tem o que me desgrude do monumento ao blogueiro desconhecido.
vou aceitar a hipérbole do seu elogio só por causa da bonita aliteração das palavras com "g".
gracias