Não é de hoje que a juventude tenta eternizar-se morrendo em plena flor da idade. Lord Byron já preconizava: morra jovem, viva para sempre. Nos anos 60, o hit da banda The Who proclamava “I hope I die before I get old [espero morrer antes de envelhecer]”. Essa canção tem o emblemático título My Generation.
O poeta morto aos 37 anos, Arthur Rimbaud, é também símbolo do artista que "extrai a rica seiva da existência vivendo intensamente toda a loucura da vida", ou então, só vivendo la vida loca. Acho que foi outro poeta, Paulo Leminski, que disse que se Rimbaud vivesse hoje ele seria um roqueiro. Difícil discordar em face de tanto roqueiro amargurado que anda nas cabeças e anda nas bocas das velhas e novas gerações.
O mundo tem visto algumas dezenas de artistas rimbaudianos (e também algumas centenas de suicidas medíocres) levados inexoravelmente pela morte mitificadora, seja no front de batalha, como o poeta romântico inglês Byron; seja em tragédias na estrada, como o ator James Dean e o cantor Francisco Alves, ou no ar, como Richie Valens; seja por meio da preferência dos ídolos jovens, a overdose, e aí a lista é grande.
Quando Goethe publicou Os sofrimentos do jovem Werther, em 1774, os jornais passaram a registrar um aumento no número de casos de suicídio de gente na flor da idade. Tirar a própria vida lhes servia de último bilhete amargo de não-conformismo em relação à sociedade do fim do século 18. Era o mal de fim de século.
É claro que o charme wertheriano tem se tornado algo mórbido, daí que autoassassinar-se num rompante desesperado, como Kurt Cobain e Sarah Kane, pode ser menos socrático que tomar uma taça de cicuta, porém seria mais dionisíaco, diria Nietzche.
O mal de fim de século 20 foi a AIDS. Logo apareceria quem dissesse que isso era castigo para os impenitentes roqueiros, que queriam abraçar Deus e o mundo, ou só o mundo. Renato Russo e Cazuza, consideradas as maiores forças da poesia do rock made in Brazil nos anos 80, não abriam mão da liberdade individual movida a hedonismo, contestação e autodestruição.
O suicídio de um popstar no auge na fama é tão difícil de entender quanto a celebridade que brigou pelo reconhecimento público e depois de alcançar a fama põe óculos escuros e peruca para não ser reconhecida.
Talvez ao ver certas estrelas cadentes encurtando a carreira (não raro, por causa de outro tipo de carreira), como Whitney Houston, os astros que atingem o sucesso, com medo da morte em vida, partem logo deste mundo cruel. Para eles, o problema não é lidar com o fracasso. O problema é lidar com o sucesso depois que se alcança sucesso.
A busca de prazer, o fascínio das drogas, o isolamento social: máscaras para esconder o verdadeiro eu que não consegue lidar com o sucesso ou com o fracasso pós-sucesso. Às vezes, só o artista sabe quem ele mesmo é de fato, e vê o circo de fãs, produtores e shows como um engodo. Ele não é capaz de se enganar por tanto tempo. Às vezes, seus amigos sabem quem ele é de fato, e o veem como uma ilusão insustentável. Outras vezes, o público descobre quem o artista é de fato – um ser humano feito da mesma matéria comum que o próprio público – e vai embora em busca de outro engano.
Os filmes sobre esses artistas seguem o que o Ministério dos Roteiros de Roliúdi adverte: são “baseados numa história real”, geralmente mais baseados que história real. As cinebios de Ray Charles, Johnny Cash e Cazuza são contadas invariavelmente assim: artista-incompreendido-que-se-autodestrói-mas-encontra-paz-interior. Se assim foi, que bom para eles, não? Triste é morrer sem acertar as notas promissórias assinadas nas folhas da própria consciência.
Comentários
gostei deste seu texto...
o que o motivou?
abraço
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