O compositor Heitor Villa-Lobos regeu um grupo de
instrumentistas durante a famosa Semana de Arte Moderna, em 1922. Naqueles
dias, um punhado de poetas, artistas plásticos e intelectuais se reuniu para
manifestar sua desaprovação à tradição artística clássica que restringia sua
liberdade de expressão. E mais ainda: demonstrar seu total repúdio a quem
buscava imitar e macaquear a cultura estrangeira, em vez de deglutir antropofagicamente
o estrangeiro e criar uma versão tupiniquim, com as caras do Brasil. Eles
ansiavam por uma arte de características tipicamente nacionais. Tupi or not
tupi?, bradava Oswald de Andrade.
Villa-Lobos se
apresentou descalço durante um dos concertos. Foi o sinal para ninguém prestar
atenção na obra, na regência, na música. Talvez só se falasse do maestro
regendo descalço. Os tradicionais acharam um desrespeito. Os modernistas
vibraram com o ato. Posso até imitar a prosa exaltada e hiperbólica dos
modernistas e supor que eles reagissem assim: “Villa-Lobos desafia as convenções
reacionárias e afigura-se qual nativo brasiliensis apropriando-se do código
europeizado e regendo à moda tupiniquim, desancando a burguesia hipócrita que escamoteia a Terra Brasilis ao copiar trejeitos forasteiros”.
Mas que nada. Villa-Lobos estava mesmo era sofrendo com uma
inflamação no pé e tirou os sapatos na hora de reger. Como de hábito, teve intelectual que deu
um jeito de fazer que um problema físico se tornasse um ato de irreverência
cultural.
Quando o lugar em questão é uma igreja, se um pianista/violonista/flautista não está de “sapato
social fino preto”, talvez ele tenha esquecido, ou está com um calo ou só não
tenha um bom sapato como você. Não olhe para os pés dele, caso o calçado não
lhe deixe ouvir sua música. Trata-se de um instrumentista: olhe para
as mãos dele!
No entanto, se esse mesmo instrumentista nunca se apresenta
vestido de acordo com os códigos culturais socialmente construídos para determinado local, das duas, uma: ou ele ainda não passou da fase adole-modernista
de desafiar códigos culturais ou é um joselito sem-noção que acha que seu
“estilo” serve para qualquer ambiente. Oremos.
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