O compositor de música religiosa mais respeitado
de todos os tempos é Johann Sebastian Bach. No entanto, em sua época, o próprio
Bach era menos apreciado do que hoje. Sua maravilhosa A Paixão Segundo S.
Mateus, considerada um Everest no Himalaia da música clássica, foi executada
somente quatro vezes durante sua vida. Em nossa época secularizada, a obra de
Bach é muito mais apreciada, encenada e gravada.
A Paixão também se encerra com um grande coro, mas o volume da música vai diminuindo, como num fade-out, com as palavras finais: “Felizes são teus olhos que se fecham por fim”. (Se preferir, assista a partir do minuto 8:00). O historiador Tim Blanning afirma que aí pode estar a diferença entre compor para uma congregação e compor para uma plateia.
A recepção pública: as reações dos religiosos da época não foram tão diversas das do público religioso moderno. A combinação de atributos associados à música popular e à ópera teria levado uma senhora a exclamar durante a audição da Paixão: “Deus nos proteja, meus filhos! É como se estivéssemos numa ópera cômica” (1), enquanto a obra de Haendel foi contra-indicada porque não passaria de melodias de ópera com letra de oratório. Mas O Messias recebeu grande aclamação desde sua estreia: "O sublime, o grandioso e o delicado, adaptados às mais elevadas, majestosas e comoventes palavras, conspiraram para extasiar e encantar coração e ouvido arrebatados” (2).
A música sacra de Bach foi composta para ser executada na
igreja. Os fiéis que ouviram A Paixão na sexta-feira de Páscoa em 1727 (ou
1729) se dirigiram à Thomaskirche (Igreja de S. Tomé) para assistir a um culto
com ótima música, e não para ver a estreia de uma obra musical de um grande
compositor.
Situação bem diferente passou George Frederic Haendel.
Quando seu oratório O Messias estreou em 13 de abril de 1742, certamente havia vários religiosos presentes, mas a estreia aconteceu num teatro em Dublin. Os teatros
não tinham o hábito de apresentar peças sacras, mas após a oposição inicial, O
Messias foi encenado 56 vezes, incluindo igrejas e teatros, e continuou sendo
constantemente apresentado após a morte de Haendel.
Olhando com mais atenção, podemos entender as diferenças de
recepção à obra de Bach e Haendel, dois compositores que compartilhavam da fé
cristã.
A cidade: na época em que compôs A Paixão, Bach morava em
Leipzig, uma cidade provinciana comparada à população 20 vezes maior de
Londres. Tanto Dublin quanto Londres atraíam a nobreza europeia e a elite de
pensadores do continente. A menor relevância da cidade pode ser a causa do
anonimato do oratório de Bach. A Paixão só seria executada fora de Leipzig em
1829, por obra do compositor Felix Mendelssohn.
O público: o público de Bach ia à igreja por tradição,
costume ou fé. O Messias teve um público pagante desde a estreia.
A montagem das peças: A Paixão exigia uma grande estrutura (aumentada conforme as revisões de Bach): dois corais, cada qual com sua orquestra, um terceiro coro
de sopranos com apoio do órgão, nove solistas vocais e cinco instrumentais. O
Messias requer somente um coral, quatro cantores solistas e três solistas
instrumentais. Mesmo hoje, as igrejas têm mais facilidade para encenar O
Messias.
Os finais das obras: O Messias se divide em três partes,
cada qual concluindo com um coro. A segunda parte termina com o logo
famosíssimo “Aleluia”, e Haendel optou por compor uma parte final ainda mais
triunfal e estrondoso. O coro final, “Digno é o Cordeiro”, é mais longo, mais
tonitruante (com instrumentos de metal e tímpanos), e conclui com a repetição
exaustiva de um "Amém". Subitamente, um compasso de silêncio. Em seguida, o
retorno em fortíssimo por mais três compassos, para um final grandioso. Os
aplausos são inevitáveis. (Se preferir, assista a partir do minuto 2:00)
A Paixão também se encerra com um grande coro, mas o volume da música vai diminuindo, como num fade-out, com as palavras finais: “Felizes são teus olhos que se fecham por fim”. (Se preferir, assista a partir do minuto 8:00). O historiador Tim Blanning afirma que aí pode estar a diferença entre compor para uma congregação e compor para uma plateia.
A recepção pública: as reações dos religiosos da época não foram tão diversas das do público religioso moderno. A combinação de atributos associados à música popular e à ópera teria levado uma senhora a exclamar durante a audição da Paixão: “Deus nos proteja, meus filhos! É como se estivéssemos numa ópera cômica” (1), enquanto a obra de Haendel foi contra-indicada porque não passaria de melodias de ópera com letra de oratório. Mas O Messias recebeu grande aclamação desde sua estreia: "O sublime, o grandioso e o delicado, adaptados às mais elevadas, majestosas e comoventes palavras, conspiraram para extasiar e encantar coração e ouvido arrebatados” (2).
Ambas as peças usam passagens bíblicas – A Paixão emprega os capítulos 26 e 27 do evangelho de Mateus e O Messias compila trechos de Isaías, dos Salmos e outros livros. Os dois oratórios extraíram versos da Bíblia, mas a música resultou bem diferente. Um final induz à reflexão e à contrição; o outro inspira a esperança e o triunfo.
Como conclusão a esse diálogo histórico e musical, podemos dizer que a música sacra assume formas
diferentes quando o público e o local de performance se diversificam. E isso
não é de hoje.
Notas: (1) The New Bach Reader, p. 327.
(2) The Dublin Journal, abril/1742, citado em O Triunfo da Música, p. 97.
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