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Adventistas na América: republicanos ou democratas?


Em 1874, após o Congresso norte-americano rejeitar um projeto que outorgava ao estado o poder de impor valores morais do cristianismo, a Associação de Reforma Nacional, formada por uma frente evangélica conservadora e próxima ao Partido Republicano, passou a propor a imposição de leis dominicais.

Quando alguns estados começaram a apoiar estas leis e as perseguições aos violadores do domingo como dia de descanso terminaram em multas e prisões de grupos sabatistas, como os batistas e adventistas do sétimo dia, estes reivindicaram a liberdade religiosa e de consciência.

“O Partido Republicano endossava a imposição da lei dominical, e os adventistas que tendiam a apoiar os republicanos desde 1856, mudaram sua lealdade em favor dos democratas” (R. Schwarz e F. Greenleaf, Portadores de Luz, p. 242). Na década de 1880, na Califórnia, quando os democratas venceram as eleições estaduais, eles revogaram a legislação dominical.

Na época, o que interessava aos políticos era a questão trabalhista, e não religiosa. Era comum o indivíduo ser obrigado a uma jornada de sete dias de trabalho. Todavia, em alguns estados, como os do sul wasp (branco, anglo-saxão, protestante), a questão dominical era abertamente religiosa.

Houve tentativas ainda de aprovar a lei dominical em âmbito nacional. No entanto, as discussões, em parte promovidas pelos adventistas por meio de comissões e conferências de liberdade religiosa, ajudaram a bloquear a legislação que não permitia que os sabatistas, que já descansavam no sábado, pudessem trabalhar no domingo.

Nas décadas de 1980 e 1990, os adventistas também apoiaram a organização Americanos Unidos (AU), embora de forma não oficial. A publicação mensal Church and State (Igreja e Estado) da AU defendia a liberdade religiosa e a separação entre estado e igreja, o que faz parte das convicções históricas do adventismo.

Esse periódico fazia oposição às atividades da chamada Nova Direita Cristã, ala republicana que reunia evangélicos conservadores. Na época em que o presidente Ronald Reagan restabeleceu os vínculos diplomáticos com o Vaticano, houve vários protestos por parte da AU, que temia a união entre religião e estado que poderia resultar desse vínculo político. A esse temor, o adventismo adicionava sua crença profética de que a união entre os Estados Unidos e o papado é um sinal escatológico.

Os adventistas tem a tendência de apoiar os democratas ou os republicanos?

Na eleição de 1964, estudantes adventistas apoiaram o candidato republicano Barry Goldwater na disputa contra o presidente Johnson (vice que tomou posse após o assassinato de Kennedy). Em 1968, eles mostravam mais preferência por Richard Nixon do que pelo possível candidato democrata Robert Kennedy (irmão de John que também viria a ser assassinado antes de concorrer à presidência). Nixon, para quem não lembra, foi o presidente que sofreu o processo de impeachment nos anos 1970 na esteira do escândalo Watergate.

Em pesquisa mais recente, 44% dos adventistas americanos se identificavam com o Partido Republicano contra 24% que se identificavam com o Partido Democrata. Na eleição presidencial de 1984, o candidato republicano Reagan tinha preferência de dois terços dos adventistas pesquisados.

A agenda política republicana tradicional não aprova o sindicalismo e a ingerência do estado em questões do mercado. Outras bandeiras são consideradas de ordem moral, como a rejeição da legalização do aborto e da união civil homoafetiva. É também conhecido o lobby republicano em favor da propriedade particular de armas de fogo e da maior participação da religião na esfera pública.

O Partido Republicano é, via de regra, visto como um partido conservador. Embora haja diversidade de pensamento em seus quadros, muitas vezes ele é considerado francamente reacionário, como a facção do Tea Party, que a liderança republicana em Washington não vê com bons olhos, mas teve de submeter-se a alguns itens ultraconservadores de sua agenda durante a campanha presidencial de Mitt Romney. O próprio Romney, que tinha um discurso mais liberal, fez concessões ao conservadorismo.

Por outro lado, o adventismo norte-americano também tem uma faceta identificada com as propostas políticas do Partido Democrata (em alguns casos, até mesmo com a esquerda moderada). A bandeira da liberdade de consciência e o não envolvimento da igreja em questões do estado e sua própria estrutura institucional e seu gerenciamento de finanças tem mais a ver com uma central única do que com uma estrutura de livre mercado ou livre concorrência.

Possivelmente considerando a odiosa segregação racial promovida longamente por estados administrados pelos republicanos, 40% dos negros adventistas intencionavam votar no candidato democrata John Kerry e 23% em George W. Bush na corrida presidencial de 2004. De outro lado, a mesma pesquisa apontava que 47% dos eleitores brancos apoiariam Bush e somente 13% votariam em Kerry.

Em outra pesquisa, 47% dos adventistas brancos tinham afiliação com o Partido Republicano e 37% com o Democrata. Entre os negros, a diferença era maior: 70% eram afiliados do Partido Democrata e somente 9% afiliavam-se aos republicanos. A adventista eleita para o Congresso americano pelo estado do Texas, Sheila Jackson-Lee, é democrata.

Os números apontam que a opinião política dentro do adventismo norte-americano, embora de inclinação republicana, também se dirige aos democratas quando o assunto de liberdade de consciência está em questão. Como os democratas têm demonstrado mais esforços para a inclusão de latinos e afro-americanos na sociedade, é possível que essa questão venha motivando novos grupos de eleitores a considerar outros rumos dentro da consciência política adventista.

Fontes: Douglas Morgan, Adventism and the American Republic; R. Schawrz e F. Greenleaf, Portadores de Luz; R. Dudley e E. Hernández, Citizens of two worlds: religion and politics among American Seventh-day Adventists.

Comentários

Robson Braga disse…
Mestre Joeser, como sempre, seus posts são extremamente interessantes e esclarecedores. Grande abraço!

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