O jornalista André Barcinski escreve sobre os novos e infelizes rumos que nossa sociedade tem tomado em relação à cultura e à arte (a íntegra do texto está aqui):
"Lembro
bem quando começaram a pipocar os primeiros artigos sobre a tal “democracia
digital”. O futuro, diziam, seria um novo Renascimento, uma época de cultura e
informação gratuitas e acessíveis a todos.
Um cineasta de Xapuri poderia ligar o laptop e enviar seu
longa-metragem para um festival em Berlim. Músicos estariam livres da
“escravidão” das gravadoras e poderiam vender suas músicas diretamente aos fãs.
Todo mundo teria infinito acesso a livros e conhecimento.
Vários estudos foram publicados sobre o tema. Em 2008, o editor da
revista de tecnologia “Wired”, Chris Anderson, lançou um livro muito influente,
“A Cauda Longa”, em que dizia que a imensa oferta de produtos na Internet
acarretaria uma democratização de vendas e de informação.
Segundo Anderson, artistas mais famosos continuariam vendendo
muitos discos, mas os menos conhecidos se beneficiariam com a “cauda longa”, em
que a cultura e economia “se afastariam de um foco em um número relativamente
pequeno de ‘hits’ (‘sucessos’) e rumariam para um número imenso de nichos de
mercado”. Resumindo: no mundo da democracia digital, os “pequenos”
sobreviveriam muito bem.
Não precisou nem de sete anos para a cauda longa de Chris Anderson
virar cotoco.
Um livro recém-lançado nos EUA, “Culture Crash – The Killing of
the Creative Class" (“O Assassinato da Classe Criativa”), de Scott
Timberg, mostra que não só as previsões otimistas dos arautos da democracia
digital estavam erradas, como aconteceu justamente o contrário: o mundo
experimenta, hoje, uma ditadura cultural e um monopólio da informação como
nunca se viu. E a ignorância só aumenta.
Alguns
dados de “Culture Crash”:
- Em 1982, os músicos que formavam o 1% dos mais ricos da
profissão nos EUA ganharam 26% das receitas com shows. Em 2003, o 1% levou 56%
da grana de shows.
- Em 2005, 13,3% dos CDs lançados no mundo venderam mais de mil
cópias. Em 2010, esse percentual caiu para 6,26%. Dos 75 mil discos lançados no
mundo inteiro em 2010, apenas mil venderam mais de 10 mil cópias, o menor
numero já registrado.
- Em 1986, 31 canções chegaram ao topo das paradas dos EUA. Elas
eram de 29 artistas diferentes. Entre 2008 e 2012, só 66 canções chegaram a
número um. E quase a metade era de seis artistas: Katy Perry, Rihanna, Flo
Rida, Black Eyed Peas, Adele e Lady Gaga.
- Das 100 revistas mais vendidas nos Estados Unidos, apenas duas
cobrem arte.
- Nos últimos 15 anos, cerca de 80% dos críticos e repórteres de
arte de jornais norte-americanos perderam os empregos.
- Em 2001, dez sites respondiam por 31% do tráfego na Internet.
Hoje, representam mais de 75%. Mesmo assim, a imensa maioria das matérias
jornalísticas publicadas na web vem de jornais da “velha mídia” (em algumas
pesquisas, 95%).
- Nos últimos oito anos, empregos para arquitetos, fotógrafos e
designers caíram, em média, 25%.
- O interesse por literatura e artes nas universidades nunca foi
tão baixo.
- O ganho médio de músicos é 30% mais baixo do que há dez anos.
Os dados são relativos aos Estados Unidos, mas certamente refletem
a realidade geral.
A verdade é que as pessoas nunca leram tão pouco e tão mal, nunca
se informaram tão mediocremente, e têm cada vez menos interesse por música,
livros e cinema que não estejam no “mainstream”.
Existem artistas independentes que conseguem usar a Internet para
divulgar seus trabalhos e têm carreiras de sucesso? Claro que sim. Mas Timberg
mostra que, proporcionalmente, são poucos, e cada vez menos. Quem realmente se
deu bem com a "democracia digital" foram as empresas de tecnologia,
que usam complexos algoritmos para "guiar" e "personalizar"
as buscas de cada usuário na web. Toda a utopia do "futuro digital
livre" só serviu para enriquecer ainda mais Zuckerberg e amigos".
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