O ambientalismo está seguramente entre os atuais projetos mobilizadores
do mundo. Por
meio do seu discurso de defesa da Terra, o ambientalismo é capaz de congregar religiosos e ateístas. Até porque este planeta é a nossa casa e, como convém aos tempos de partilhamento de tarefas domésticas, todos são responsáveis por levar o lixo pra fora.
É assim que, ao
contrário do comunismo, do capitalismo de livre mercado e do fundamentalismo islâmico, que
desagregam o mundo social, geográfica e economicamente, o ambientalismo
reúne indivíduos de todas as faixas de renda e escolaridade.
Muitas vezes, o ambientalista é alguém que não reciclava lixo ("era cego") e então passou a lutar contra qualquer torneira aberta ("agora vê"). Alguns deles são capazes de cruzar cercas elétricas para resgatar poodles em cativeiro nos laboratórios ou arriscar a vida nos mares defendendo baleias. Se o ambientalista pode ser um mártir, por outro lado, por ser tão decidido a converter outras pessoas a sua nobre causa, ele é visto às vezes como um ecochato, como se fosse um representante da Herbalife ou, então, um crente.
Não por acaso, o ambientalismo carrega caracteres de transcendência, pois é tomado
como resolução última para a manutenção da vida, um bem sagrado, ocupando,
assim, a cátedra que um dia já teria sido do cristianismo, visto que sua pregação enuncia componentes missiológicos (conversão e proselitismo) e
soteriológicos (trata-se de um discurso salvacionista) e até escatológicos, com direito a profecia condicional (prenuncia o fim do mundo se não mudarmos nossas condutas).
Em alguns arraiais, viceja a noção de ECOmenismo, espécie de mutirão ambientalista global que desembocaria em assinatura de acordo pelo descanso semanal da Terra aos domingos, com consequente punição aos indivíduos que obstinadamente não aceitarem o tratado ecorreligioso planetário.
O que alguns analistas deixam escapar, porém, é o fato de que há
vozes dissonantes no cenário. Embora o pontífice romano, por meio de seu
discurso humanista, venha reforçando a defesa do sistema ecológico e tenha
condenado publicamente as ações industriais antiecológicas das grandes
potestades, os maiores empreendedores do
mundo se comportam como filisteus poluidores e desafiam a ONU e o
Vaticano.
O papa e o secretário-geral da
ONU acabam sendo mais reconhecidos pela boa vontade do que propriamente pelo poder político. É como se fossem um tipo de rainha da Inglaterra. No caso dos papas, às vezes sem a discrição política
e midiática da rainha da Inglaterra. Os líderes mundiais respeitam o papa e a ONU, mas sua participação na arena das decisões globais
reduz-se ao plano discursivo.
As encíclicas papais são
recebidas no Ocidente com o mesmo peso que as propostas da ONU para a paz no
Oriente Médio. Os EUA, a Rússia, o Reino Unido e a região do Euro, assim como
China, Irã e Israel, deixam de cumprir várias propostas e acordos. Alguns
países nem assinam acordos supervisionados pela ONU: Estados Unidos, assim como Rússia, Japão e Canadá, não participaram de acordos
favoráveis à diminuição de emissão de poluentes.
E mais: a reação de industriais e
políticos contra os projetos ecológicos, incluindo o mais forte concorrente a candidato republicano à
presidência dos EUA, Jeb Bush, ele mesmo um católico fervoroso, mostra que um discurso de paz pode atrair os homens de boa
vontade, mas o problema é que os homens de má vontade ainda estão no poder.
Num mundo de crises econômicas globais, onde a receita para sair da
estagnação é o aumento de produção e consumo, parece não haver espaço para a criação de
um dia de repouso da Terra, visto que o risco dessa operação ecorreligiosa poderia levar países
emergentes e mais desenvolvidos à perda de outro bem sagrado: a estabilidade econômica.
Comentários