No entanto, uma matéria no jornal O Globo (30 nov. 2008) apontou que os votos a 'Som de Chuva' nesta última categoria da premiação não teriam sido motivados apenas pelo critério musical. Segundo apurou a reportagem, o resultado surpreendente seria explicado pela baixa adesão dos artistas seculares e pelo corporativismo dos artistas evangélicos que votaram em massa em 'Som da Chuva', emplacando não só a indicação como também o prêmio máximo à canção.
A vitória do segmento evangélico em categoria que não fosse exclusivamente de produções cristãs não era exatamente uma novidade no Grammy Latino. Em 2004, o disco cristão mexicano Niños Adorando vol. 2 havia vencido na categoria Álbum Infantil na qual concorria também o álbum secular Só para Baixinhos vol. 4, da apresentadora Xuxa. Mas a categoria de Melhor Canção é um dos prêmios principais do Grammy e praticamente impenetrável para artistas cristãos que, apesar da adesão crescente ao prêmio, ainda se encontram num setor minoritário entre os membros com direito a voto.
Se os artistas e produtores da música popular nacional não demonstravam muito interesse nem apostavam na credibilidade do prêmio, outra reportagem de 2008 indicou que o segmento musical evangélico tinha bastante interesse. A revista Backstage (ed. 164) entrevistou Yakima Damasceno, representante brasileira da ACIMAD (Associação Internacional de Músicos e Adoradores de Deus), que disse que gravadoras e selos evangélicos patrocinavam viagens de artistas e produtores ao evento e acompanhavam todos os estágios da premiação.
Além disso, os artistas gospel enxergavam o prêmio como demonstração da fidelidade de Deus: "Quando colocamos nosso coração, nosso empenho e obediência a Deus, de alguma forma ele vai nos honrar", disse a cantora Aline Barros à reportagem.
Os prêmios de música gospel adotaram as estratégias da
premiação secular de música e adicionaram um valor religioso. Samuel Modesto, organizador da edição de 2008 do Troféu Talento disse à Backstage (ed. 163) que este prêmio era um reconhecimento
ministerial e profissional ao talento dado por Deus a adoradores e cantores.
Obviamente, artistas cristãos desenvolvem um trabalho religioso que tem justas demandas comerciais. Quando um single ou um álbum é ouvido, muito dinheiro foi investido na produção, desde a aquisição da música, aluguel de estúdio, contratação de músicos e engenheiros de som, registro do fonograma, material promocional etc. Então é justo que cantores e compositores possam auferir receitas de seu trabalho assim como qualquer outro profissional.
Mas é inegável que entre alguns artistas e executivos da indústria musical gospel essa convergência ministerial-profissional às vezes alimente uma visão religiosa-comercial passível de questionamento. Um exemplo: o regulamento do Troféu Talento assim descrevia a categoria Melhor Cantor/a: "Prêmio concedido ao cantor que alcançou grande destaque na mídia com execução de sucessos no ano".
No âmbito religioso, música e músicos cristãos passam a ser julgados pelos critérios da meritocracia da indústria fonográfica, isto é, pela medida de seu próprio sucesso e não pelos seus valores artístico. E, a notar pelos discursos de agradecimento de alguns artistas e produtores evangélicos, o sucesso comercial é visto como resultado da comunhão espiritual.
Todo este novo cenário de atitudes e comportamentos mostra que o universo evangélico tem assimilado não só as estratégias da cultura de consumo e da celebridade como também a meritocracia de negócios da mídia secular.
Não se trata de crítica ingênua ao mercado evangélico. Afinal, não é crime nem pecado comercializar produtos e serviços de forma lícita, como fazem os artistas gospel. Mas se questionamos ideologias, teologias e a lógica do capital, penso que vale refletir também sobre a música gospel para além de suas nobres intenções espirituais.
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