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tempos modernos: modo de usar



Quantos espectadores que veem o título Tempos Modernos, em vez de lembrar-se da telenovela global homônima, saberão que se trata também de uma obra-prima de Charles Chaplin?
E quantos (menos ainda, certamente) que assistem a Viver a Vida sabem que esse é também o título de um admirável filme de 1962 do francês Jean-Luc Godard?
Ninguém é menos feliz por não saber de uma coisa ou de outra. Conheço gente mais feliz e mais saudável que não lembra nem do título de todos os filmes que assistiu quanto mais dos nomes dos diretores.
A questão é outra. É notar como uma mensagem dotada de significado próprio pode ser tomada apenas em sua configuração superficial quando adaptada para outro meio ou para outro formato, revelando-se uma mensagem de segunda potência. “Mensagem de segunda potência” é como Umberto Eco denomina o resultado das produções da mídia que tomam uma referência particular e moldam-na de acordo com uma nova significação, geralmente com uma função consolatória e distante do original.
O filme de Chaplin, por exemplo, faz uma sátira da ideia de progresso tecnológico como progresso humanístico. As desventuras silenciosas de Carlitos são um grito contra a opressão patronal e a mecanização do trabalho. Suas peripécias são entremeadas com um humor terno e popular que são a marca do gênio de Chaplin.
A telenovela, por sua vez, não extrai apenas o título e a vontade de fazer rir com o uso da tecnologia (há um supercomputador falante) e ainda dilui o pensamento da obra original. Há trama; mas há concisão? Talvez haja risos, mas há reflexão? Talvez haja drama, mas há delicadeza?
Novelas, dizem, foram feitas apenas para o entretenimento do trabalhador fadigado após mais um dia extenuante de labor. O corpo cansado, insistem, não tem neurônios para maiores elucubrações. Ah, é? Então porque é que nas férias o mesmo trabalhador não está mais disposto a exercícios intelectuais do que antes?

Comentários

Um colega meu no Cartório me perguntou o que eu achava do programa Big "Trash" Brother Brasil. Bom, eu lhe disse que o negócio é e sempre será um lixo, no que de mais amplo há na palavra. Então ele ficou numa combinação de choque e curiosidade, e me perguntou o que eu fazia então ao chegar em casa à noite. Respondi que gostava deveras de ler, ler, ler e ler, e que preferia passar horas lendo a assistir a qualquer programa do tipo do B"T"BB. De fato, estou gastando muito tempo lendo algumas crônicas da Rosamunde Pilcher, minha escritora predileta.

Meu coleguinha, que tem lá seus 18 anos, e anda incorporando aos seus costumes drogas como o cigarro, o "Mein Kampf" de Hitler, as caixas de cerveja e os filmes sem noção, me disse: "Ah, mas tem gente que leva 15 dias lendo um livro, e daí o livro sai em filme e eu passo 2 horas assistindo o que você passou 15 dias lendo".

Eu abri a boca, e só pude dizer que em quinze dias (nem levo isso pra ler um livro) aprendi a ler, escrever e melhor, interpretar milhares de palavras que um filme não me ensinaria em 2 horas. Ele parou, olhou pensativamente para o lado e me disse: "E não é que é verdade?"

Cara, eu tô chocada!
joêzer disse…
e dá-lhe vivi!

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