Que impressão você tem das
igrejas cristãs? Sua impressão procede de estudos de casos, envolvimento
pessoal ou se baseia em ideias preconcebidas e/ou inflexíveis sobre determinadas
igrejas?
Em 1980, Michael e Lindy Chamberlain acampavam com a família
numa região turística na Austrália. Numa noite, a mãe viu seu bebê de nove
semanas ser levado por um dingo para fora da barraca. Muitas pessoas saíram
para procurar o bebê, mas ninguém o encontrou.
Após um primeiro período de compaixão da comunidade pelo
sofrimento do casal Chamberlain, vários boatos maliciosos começaram a circular
nas ruas e na mídia. A mãe, então, foi acusada de matar a própria filha – ou numa
explosão de depressão pós-parto ou num suposto ritual religioso adventista. A cobertura jornalística
sensacionalista e o preconceito religioso se misturaram a motivações políticas
locais e, num julgamento sem provas conclusivas que tomou proporções inéditas
no país, Lindy Chamberlain foi condenada à prisão perpétua.
Preconceito religioso
O casal Chamberlain era adventista do sétimo dia e,
seguramente, a ignorância em torno das práticas de culto e do estilo de vida
dos adventistas na Austrália (ou pelo menos na pequena cidade onde moravam)
incitou a população local a espalhar a falsa suposição de que o nome do
bebê, Azaria, significava “sacrifício selvagem”, mesmo que sacrifício humano sempre
tenha sido uma prática impensável no Adventismo do Sétimo Dia.
Quando não se conhece o fato, instala-se o boato. A grande mídia
australiana não fez uma pergunta simples: qual a motivação de Lindy
Chamberlain para matar o bebê? Lindy não era mentalmente desequilibrada, não
era uma mãe violenta, nem mostrava sinais de depressão. Faltou à mídia, ainda,
o senso jornalístico mais elementar de examinar as práticas e rituais dos
adventistas.
Atualmente, as mídias brasileiras cobrem eventos evangélicos
de massa, cujas marchas ruidosas e finanças assombrosas se consolidam no pensamento
nacional como o único tipo de evangélico existente. A uniformização da
amostragem midiática sobre os evangélicos contribui para corroborar as ideias
preconcebidas sobre os cristãos.
Preconceito emocional
Durante todo o processo, Lindy não demonstrou ser a vítima
materna que muitos esperavam. Ela não era dada a rompantes de choro em público
e falava com calma e firmeza durante as entrevistas. Ela não era uma personagem
de “novela”, digamos assim. Ela foi taxada de mulher fria e sem emoções, capaz
de matar um bebê.
O filme Um Grito no Escuro (1988) faz um ótimo retrato do
clima de insinuações maldosas surgido entre a população e fomentado pelo mau
jornalismo (ou jornalismo do mal?). A postura firme e sem maniqueísmos
emocionais de Lindy Chamberlain está presente na magistral atuação de Meryl
Streep, que tem a difícil tarefa de fazer com tenhamos compaixão por uma mulher
que não se esforça para fingir simpatia em público.
O diálogo travado entre ela e seus advogados dá indícios de
que se ela se comportasse “corretamente” no tribunal e nas entrevistas à mídia,
ela teria sido absolvida. No entanto, Lindy não se comportava como uma mãe
vitimizada, mas como alguém irritada com o absurdo das falsas acusações e cujo
rosto expressava profunda amargura.
O filme não é uma produção evangélica, mas credita a serenidade do casal a sua confiança em Deus e à crença adventista na esperança de rever sua filha na ressurreição (por ocasião da segunda vinda de Cristo)
Preconceito social
O filme também ajuda a iluminar alguns traços sobre a fé e a
personalidade de Michael Chamberlain. Ele demonstra muita convicção ao falar de
vida saudável (cenas o mostram falando contra o fumo e a bebida alcoólica e
exercendo seu vegetarianismo), mas no tribunal ele se mostra confuso.
Ao contrário
da maioria dos filmes que representam evangélicos como espertalhões ou imbecis,
este filme mostra a momentânea confusão do pastor que não entende as razões de estar
passando tamanho sofrimento e linchamento psicológico. Ele se pergunta o que Deus
quer dele. É um retrato de um ser humano arrasado pela dor da perda de uma
filha e pelo sentimento de abandono divino.
Isso, é claro, não ajuda a melhorar a impressão do público e
do júri sobre o casal. Assim, temos um casal de tranquilos adventistas ser
tragado pelo turbilhão de boatos maldosos e inépcia policial.
Por não comerem o alimento que “todos” comem, por não
beberem o que “todos” bebem e por serem religiosos numa sociedade que despreza
a religião, eles são tratados como párias sociais.
Por não se portarem segundo as expectativas sentimentais da
população, por não se expressarem com o emocionalismo que garante audiência,
eles são tratados como párias emocionais.
Por serem uma minoria adventista que contrasta com o ecumenismo evangélico, eles são tratados como marginais religiosos, quando sua religião é marginalizada.
Seu estilo de vida é antissocial, suas personalidades são
antimidiáticas e sua religião é considerada anticristã. Os párias
fundamentalistas estão prontos para o linchamento público.
Detalhes das investigações e conclusões sobre o caso do desaparecimento do bebê Azaria na Wikipédia (em inglês).
O filme Um Grito no Escuro (A Cry in the Dark) recebeu
prêmios do cinema, entre eles, o de melhor atriz para Meryl Streep no Festival
de Cannes e da Associação dos Críticos de Cinema de Nova York. Ver IMDB.
Fotos do casal Chamberlain copiadas do Google imagens.
Comentários
car o bb, coitadinha da nenem, uma morte horrível... As mães tem q ter uma responsabilidade e um cuidada EXTREMO com as crianças....