No decorrer de um (im)produtivo dia de trabalho, há pessoas que sempre têm cinco minutos para passar três horas no MSN. Mas há um outro grupo: aqueles que abrem quantas páginas da internet puderem e dedicam-se à leitura rápida e indolor de sites à granel, de blogs à roldão. A linguagem da internet é rápida e já agregou os maus modos de se escrever em outra gramática: não existe pecado ao sul do Equador nem erros de português na cyberdemocracia.
Mas não pense que vou declarar guerra às máquinas. Que nada; amo muito tudo isso. Não faço o tipo que preferiria viver no milênio passado, sem fax, sem elevador, sem chuveiro, sem liquidificador, sem vasos e descargas, sem freezer, sem lâmpadas, enfim, nas trevas de uma Sibéria total.
Contudo, a cada site visitado estamos mais semelhantes às criaturas que inventamos. Estamos cada vez mais optando por livros menores e telas maiores, frases ligeiras e resumos velozes, e assim vamos celebrando a era de muita informação, pouco conhecimento e nenhuma sabedoria. A geração fast-food também prefere fast-leitura.
Leia o "testemunho" abaixo, examine cada um a sua consciência e depois vejamos se não estamos perdendo os benefícios da reflexão e do pensamento profundo para a ditadura da velocidade e da leitura falsamente dinâmica.
"A avalanche de informações da internet impede leitura e pensamento em profundidade. Nos últimos anos tenho tido um sentimento desagradável de que alguém, ou algo, tem brincado com meu cérebro, remapeando meu circuito neural, reprogramando minha memória. Não estou perdendo a cabeça, mas ela está mudando. Mergulhar em um livro ou longo artigo costumava ser fácil. Agora minha concentração começa a se dissipar depois de duas ou três páginas.
Acho que sei o que está acontecendo. Tenho passado longas horas online. Como escritor, a internet é um presente dos deuses. [...] Mas essa bênção tem um preço. Os meios de comunicação não são apenas canais passivos de informação, disse Marshall McLuhan na década de 1960. Eles fornecem o material para o pensamento, mas também modelam o processo de pensamento. E ao que parece a internet está estilhaçando minha capacidade de concentração e contemplação.
Para Maryanne Wolf, psicóloga do desenvolvimento da Universidade Tufts, "não somos somente o que lemos. Somos como lemos." A leitura profunda não se distingue do pensar em profundidade. O estilo promovido pela internet, de eficácia e imediatismo acima de tudo, pode estar enfraquecendo nossa capacidade de leitura profunda.
No mundo Google há pouco espaço para contemplação. [...] Quanto mais rápido surfarmos – quanto mais links e páginas acessarmos –, mais oportunidades o Google e as outras empresas têm para coletar informação e nos alimentar com publicidade. A última coisa que elas querem é encorajar a leitura prazerosa ou o pensamento lento e concentrado. Está em seu interesse econômico nos levar à distração.
O surgimento de novas tecnologias sempre tende a levantar suspeitas. Platão criticou a palavra escrita. Havia quem acreditasse que a disponibilidade de livros, depois de Gutenberg, levasse à preguiça intelectual. Portanto, deve-se ser cético quanto a meu ceticismo em relação à internet. Talvez brote das mentes abarrotadas de dados uma era de ouro de descobertas e sabedoria universal. Mas sou assombrado pela negra profecia de Stanley Kubrick no filme 2001- Uma Odisséia no Espaço: quando passamos a depender dos computadores para mediar nossa compreensão do mundo, é nossa própria inteligência que se achata ao nível da inteligência artificial".
Aqui, o artigo original em inglês (ilustrado acima) de Nicholas Carr publicado na revista Atlantic (tradução: Revista da Semana).
Nota: Estou republicando esse texto de 2 anos atrás porque não há nada de novo debaixo do sol (e nem uma ideia para um novo post na minha mente).
Comentários
Muito bom...rsrs