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ghost não se discute


O cinema é uma arte do espírito. De qual espírito, eu não sei. Tirando por Transformers barulhentos, deve ser de um espírito caído. Se for por filmes de vampiros melodramáticos, então deve ser de um espírito caidaço.

Na historietas de Roliúdi, é fácil topar com fantasmas benevolentes, ectoplasmas apaixonados, visagens carismáticas. E haja espíritos maus e assustadores, doidos para levar tua alma à meia-noite. Mas o personagem espiritualista, se não for uma adivinhadora folclórica, é retratado com açúcar e com afeto e seu médium predileto merecerá uma hagiografia, o que, no cinema, nada mais é do que um photoshop na biografia do indivíduo. Nem isso os adeptos de outras religiões merecem: judeu? a reputação não muda; cristãos? quase sempre figuras fanáticas; islâmicos? gentalha terrorista.

Não importa a crença. Melhor a falta de crença até. A novela espírita global Escrito nas Estrelas é de autoria de uma católica; o filme Chico Xavier é dirigido pelo ateu Daniel Filho. Isso prova que a fé (e a falta de fé) movem bilheterias.

A questão não é dizer se o filme é bom ou ruim ou acreditar na existência de seres sobrenaturais. Religião, e até o gosto, se discutem, sim, e se aprimoram no estudo e no diálogo. Já o conteúdo, as mensagens, de filmes com temáticas espiritualistas e/ou mágicas, isso não se discute. Como escreve o crítico Luiz Fernando Gallego sobre o público desses filmes: "[uma] enorme parcela interessada em milagres, mais do que em narrativas cinematográficas; ou em busca de saídas mágicas, mais do que em reflexões sobre a realidade sócio-psicológica-existencial".

Como a filosofia new age é tratada pelo cinema na base de duendes inofensivos e bruxinhos adolescentes, então a crítica parece menos preocupada com o conteúdo e mais com a estética e o sucesso desses filmes. Como as donzelas vivem amores sobrenaturais e crianças puras enxergam o além, então não se questiona a inocência das peripécias espíritas. Afinal, ghost não se discute.

Experimente alguém chegar com a ideia de um filme com mensagem cristã. Aí não. Isso logo será taxado de moralismo e, valei-nos Alan Kardec, de proselitismo evangélico. No máximo apresentam repetidas histórias de personagens bíblicos. O restante do cristianismo, com as exceções de praxe, é mostrado como representações mitológicas da Antiguidade. Anjos segundo a Bíblia no cinema? Nunca. Já o diabo é quase sempre um fanfarrão e não o personagem importante no conflito cósmico descrito na Bíblia.

O cinema e as novelas da TV vêm reciclando as doutrinas new age, o nome de batismo do neopaganismo, e encenando os princípios do espiritualismo. De O Fantasma apaixonado (1948) à Amor além da vida (1998) e Mensagem do Além, de Reencarnação (2004) à 1408 (2007) e Um Olhar do Paraíso (2009) passando pelo inevitável Ghost (1990) e chegando aos avatarianos Na’vi praticantes da religião de Gaia. Das novelas A Viagem e Alma Gêmea aos filmes Bezerra de Menezes e Chico Xavier. Mais os seriados Ghost Whisperer e Medium.

Os jornais tão laicos e seculares ainda mantêm uma seção dedicada às previsões do horóscopo. Duvido publicarem uma seção de aconselhamento cristão e reflexões bíblicas coerentes.

Marina Silva foi questionada quando afirmou que o criacionismo merece credibilidade de estudo. Por outro lado, a revista Veja publicou em seu site o mapa astral de José Serra, que acha a astrologia incrível. Claro, mapa com prognósticos auspiciosos em ano de eleição. Em sua notória linha serrista, só faltou dizer que o candidato traz seu amor de volta em três dias.

Comentários

Mayara Crispim disse…
Per-fei-to!!!!
Meus parabéns pelo Blog!!
Mayara Crispim disse…
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
joêzer disse…
gracias, Mara!
Depois de séculos sem ter tempo pra escrever nesse bem-amado blog, volto pra dizer que a lucidez e sagacidade espiritual do J.M. continuam a me surpreender e agradar e enobrecer. Tomara que você fique famoso pra dedéu, Joêzer; porque assim vou dizer "olha a coluna do J.M! Sou fã dele, e ele já tocou piano pra eu cantar" kkkkkkkkkkkkkkkk... Brincadeira. É alegria santa, por perceber a sabedoria que Deus lhe concede para escrever sobre assuntos que abrem nossos olhos espirituais para as realidades presentes! Essa postagem só confirma isso. Deus seja louvado porque seus dons e talentos estão firmemente dedicados a Ele, e só a Ele.

Obrigaduuuuuuu!
joêzer disse…
famoso, eu? nem quando inventarem um Big BLOGGER Brasil! valeu, vivi.
Daniel Costa disse…
gostei, opinião relevante a respeito de como as pessoas (céticas ou não) usam dois pesos e duas medidas quando se referem a escolhas artísticas, e como, como o preconceito permeia fortemente as opiniões.
Anônimo disse…
Grande Joezer. Esse Pianista do Curitiba Coral Escreve Muito hein?! hehe... Otimo texto Joezer.Parabens.
Nunca li nada tao explicativo e coerente sobre esse assunto.
Muito bom mesmo.
Abrass!
joêzer disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
joêzer disse…
correção, thiaguinho. depois do que vc disse estou à disposição para lhe acompanhar ao piano num solo. rsrs

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