O cristianismo evangélico é um fenômeno que cresce a largos passos. Números do IBGE e da FGV dão conta de que os evangélicos já compõem 18% da população brasileira. Isso quer dizer, então, que a cultura do país está sendo impactada, certo? Errado.
Por que a cultura evangélica não tem abalado as estruturas da cultura da mídia, do pensamento universitário, da cosmovisão secular humanista, do modo de fazer política?
Em No place for truth, David Wells lamenta o fato de que “todo esse inchaço de crescimento evangélico não fez qualquer impacto cultural. [...] A presença de evangélicos na cultura norte-americana apenas causou uma marolinha”.
No Brasil, o cristianismo evangélico avança. Há uma bancada evangélica no Congresso, músicos cristãos em programas de TV, milhares de pessoas marchando por avenidas. Tudo isso é importante e dá visibilidade ao cristianismo. Mas isso tudo nos dá credibilidade? Quanto disso tudo tem feito com que os descrentes nos vejam como uma alternativa séria ao secularismo e não como uma classe de ignorantes intelectuais e salteadores da fé?
Duas questões chamam a atenção na expansão evangélica: o anti-intelectualismo e o desejo de reconhecimento social. Debater e ensinar a doutrina, dialogar com as vozes da tradição cristã, ler e fazer pensar são atitudes que estão sendo esquecidas por pastores. Aliás, muitos deles têm sido transformados mais em gestores de recursos do que em proclamadores da doutrina. Para o filósofo e teólogo William Lane Craig, parte da culpa é dos centros de formação de pastores.
Na boa intenção de formar evangelistas, as faculdades de teologia acabam desestimulando a erudição. Já li artigos conclamando os mestres e doutores a abandonar o pensamento teórico e partir para a prática. Entendo essa preocupação urgente de levar a mensagem ao mundo, mas não compreendo porque alguns líderes veem a discussão teórica como um fator que impede a prática. Ora, a pesquisa e a formulação de ideias e conceitos é justamente a sala de ginástica que prepara os líderes no exercício da argumentação e na defesa da fé.
A cosmovisão relativista do nosso século não foi elaborada nas praças ou nos salões, mas em saletas universitárias onde brilhantes pensadores propunham ideias que se tornaram paradigmas sociais de comportamento e pensamento que, infelizmente, excluem a filosofia cristã.
Estudantes e intelectuais ainda costumam ser vistos como obstáculos à vivência da fé. Dizem que a fé tem de ser simples e pura. Como se o desenvolvimento intelectual fosse o contrário de pureza e fervor. Na verdade, a leitura e o conhecimento de assuntos da fé aprofundam a apreciação das verdades divinas. Como dizia Anselmo, teólogo do século XII, a fé busca a inteligência, o entendimento (fides quarens intelectum).
Mas é espantosa a quantidade de crentes que só fica no templo durante o sermão. As classes de lições e estudos bíblicos estão esvaziadas ao passo que pregadores tentam comover as pessoas com uma historinha lacrimosa ao som de um fundo musical. As dezenas de músicas de um artista gospel são decoradas enquanto os versos bíblicos só são desengavetados em cultos informais vespertinos.
Não é de se admirar que os hinos de Isaac Watts, John Wesley e Lowell Mason levem de 3 a 4 estrofes para enunciar os fundamentos e a alegria de sua esperança enquanto hoje somos convidados ao louvor e adoração “seven-eleven”: sete versos, onze vezes repetidos. Parte desse repertório pode ser agradável e funcional, mas não esconde sua influência anti-intelectual.
Além do desestímulo à erudição, o evangélico contemporâneo tem um forte desejo de ser reconhecido socialmente. Isso não é um problema. O cristianismo precisa ser apresentado à sociedade como uma escolha espiritual e intelectual respeitável. No entanto, as formas de divulgação evangélica muitas vezes têm trazido mais opróbrio que respeitabilidade.
No anseio por converter as pessoas, a igreja não pode perder suas singularidades que a distinguem. E não estou a falar de doutrinas distintivas, mas de modos de conduta. O cristianismo evangélico precisa reconsiderar as ações baseadas na ideia de que estamos cristianizando a cultura do consumo, do espetáculo, da publicidade, da moda, do marketing dos grandes números.
Como é que o cristianismo evangélico quer ser uma alternativa política se seus bispos e pastores são flagrados em corrupção financeira? Como ser uma alternativa cultural se shows, baladas e raves gospel são divulgadas como a opção para baladas seculares? Como “cristianizar” a publicidade se a cantora gospel virou garota-propaganda de marcas de roupas e acessórios? Como ser alternativa espiritual se estão a medir a unção divina com base em troféus de “melhor isso” e “melhor aquilo”?
Enquanto a ideia de que cristianizar for somente remover o fumo e o álcool das festas e inserir uma letra religiosa na dance music, não seremos uma alternativa de conduta, mas apenas uma opção “careta”. Ah, mas os crentes não queremos ser confundidos com gente careta, certo?
Enquanto a erudição for considerada algo de menor importância para a missão e a edificação espiritual dos cristãos, ainda perdurará a noção de que a teologia é irrelevante e de que a vida cristã é feita de estímulos sensoriais.
É preciso espanar o pó da superficialidade teológica. Quando não, a lama da distorção doutrinária. Por isso, precisamos trabalhar e orar por uma igreja cujo pensamento filosófico e teológico não se acomode na periferia do conhecimento humano.
Comentários
Abraço!
Já divulgamos no Música Sacra e Adoração, tendo em vista as implicações óbvias para o tema. Veja em: http://www.musicaeadoracao.com.br/crescimento/expansao.htm