Marshall MacLuhan escreveu que o surgimento de novas tecnologias é capaz de gerar novas sociedades. E o fato é que estamos presenciando o acelerado aparecimento de aparelhos e acessórios, gadgets musicais que proporcionam mudanças no comportamento individual e social. Não por acaso, a Revista Auditório publicou uma recente palestra feita pelo professor e escritor Jacques Attali, especialista em economia da cultura, em que falava sobre o futuro da música. Elaborei subtítulos para o resumo de suas previsões, que você lê a seguir:
A democratização da atividade artística: "Em pouco tempo, todo mundo sonhará em ser artista, e cada um poderá sentir prazer em tornar-se um. Os lucros serão obtidos sobre os objetos que possibilitam esse consumo. Dos iPods que permitem escutar seleções musicais personalizadas, passar-se-á a objetos capazes de compor misturas criativas, para depois compor a própria música. A venda de meios para tornar-se um artista irá constituir a maior parte do comércio de arte. O artista reconhecido terá então a função de ajudar os outros a virarem artistas. É sobre esse aspecto que se concentraram, por exemplo, os criadores de Soundtracking, um novo aplicativo de celular: esse aplicativo permite compartilhar e comentar com os amigos a música que estamos escutando".
Os novos instrumentos musicais: "Longe de desaparecer, os instrumentos musicais serão acessados bem mais facilmente com o digital, serão mais completos e integrarão uma dimensão participativa. A touch guitar substitui as cordas por uma tela táctil sobre a qual figuram teclas virtuais. Um clique permitirá passar de 6 para 12 cordas. A eigenharp, ou harpa eletrônica, é uma nova interface instrumental que tem a forma de um braço de guitarra com 120 sensores elétricos terminados em uma embocadura. Esse instrumento do futuro permite reproduzir ao mesmo tempo os sons da guitarra, do baixo, do teclado e do saxofone.
Criada em Barcelona, a Reactable é um instrumento um instrumento de música eletroacústica que permite a criação coletiva da música ao vivo. Esse instrumento totalmente intuitivo está disponível como aplicativo para telefone celular. Ele está ao alcance das crianças assim como do público não especializado. No momento em que sua prática é compartilhada, a Reactable é também altamente colaborativa e comporta uma dimensão quase religiosa. Essa inovação anuncia o desenvolvimento de uma música mais democrática, participativa e, em alguma medida, espiritual".
Tecle Ctrl+C para compor: "Novos formatos de áudio ou sistemas como o MXP4 e Musicmyne conduziram até mesmo à democratização das tecnologias do estúdio de mixagem. Graças a softwares que permitirão compor, o telefone celular será o principal instrumento de amanhã. A composição está ao alcance de todos. Há já alguns anos é possível conduzir uma orquestra sozinho em um quarto com um teclado midi e um sequenciador. Graças a essas evoluções, em breve poderemos personalizar qualquer faixa e mixar, assim como fazer mash-ups – que consistem na associação de vários títulos existentes".
Música audiovisual: "Para além da audição e do tato, os novos instrumentos também serão visuais. No Japão, numerosos instrumentos exprimem essa ideia de completude fazendo com que surjam ao mesmo tempo sons e imagens, como o tenori-on. Trata-se de uma espécie de matriz que possui 256 botões com uma tela que difunde imagens luminosas. A duração da pressão sobre os diferente botões e a combinação de teclas permitem modular som e luz, combinando arte sonora e visual. O prazer do instrumento poderá também ser ainda mais participativo. Dois tocadores podem conectar entre eles seus tenori-on e tocar com uma matriz dupla, produzindo um único som e uma única imagem. Esse instrumento mistura duas características portadoras de futuro: a interação dos sentidos e a das pessoas".
A era do efêmero: "No mundo da música no século 21, os artistas mais conhecidos não permanecem mais no centro das atenções durante dez, 20, 30 anos, como foi o caso dos Rolling Stones ou dos Beatles. Num dia estouram, no outro são esquecidos – cada nova estrela apagando a anterior. Esse fenômeno anuncia um mundo da velocidade, uma sociedade que faz a apologia do instante, e da amnésia também, pois não há desejo do novo sem amnésia. Enfim, uma sociedade da precariedade, onde o efêmero se estende a todas as formas da vida: às relações entre as pessoas, à casa, ao trabalho, até mesmo às ideias, às convicções, às religiões".
A música do amanhã: "Hoje, a biblioteca musical do mundo está ao alcance de um clique. Desmaterializada. Reconstituída em nuvens. Se os canais pelos quais a criação musical chega aos nossos ouvidos foram profundamente modificados, a música não muda, nem aquilo que ela transmite: a emoção. [...] Nessa nova era anunciada pela música, cada indivíduo não será mais espectador, mas sim, progressivamente, um ator exigente da própria vida, buscando ser dono de seu tempo. Amanhã, a música também desempenhará plenamente o seu papel, oferecendo-nos, mais do que nunca, a partilha e a comunhão".
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Nota na Pauta: Em alguns pontos, a visão de Jacques Attali é otimista quanto às relações do ser humano com as novas mídias digitais e com o futuro da música. Nesse caso, é ouvir pra crer.
NNP2: Seja lá qual for a música do futuro, tomara que venha acompanhada de itens de uso obrigatório, como fones de ouvido ou um controle remoto com uma única opção: "off".
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