Vejo pessoas de bom coração conclamando a nação para que torça contra a seleção brasileira na Copa do Mundo. O nobre objetivo dessa convocação é dar um recado aos políticos de que essa Copa não nos interessa, a menos que hospitais, escolas e policiamento fossem de padrão FIFA.
Mas por essa lógica, se eu já existisse em 1970, eu deveria ter torcido contra Rivelino, Jairzinho, Tostão e Pelé para que o povo brasileiro abrisse os olhos e visse a sanguinolência da ditadura militar.
Peço desculpas, mas não vou engrossar o coro dos contrários. Não me levem a mal. Não sou torcedor de soltar fogos, não choro nem quando meu time perde nem quando ganha. Também não comprei ingressos para a Copa, nem mesmo pra assistir o clássico das mil e uma noites insones Irã x Nigéria, que será aqui no quintal de casa. Quase não sou um torcedor, sou um espectador que gosta de ver um bom espetáculo (seja um filme, um concerto ou uma partida esportiva).
Mas não vou deixar que a arrogância da FIFA, que a petulância dos corruptos, que a má gerência do governo tirem de mim o gosto pelo futebol bem jogado, o raro prazer de assistir um bom espetáculo de futebol, seja do Brasil, da Espanha, da Alemanha, da Holanda, da Argentina (não, da Argentina, não).
Mais ainda: a seleção nacional não é uma propriedade da CBF, embora essa entidade malfazeja pense que é. A seleção brasileira, com o passar dos tempos e dos títulos, se tornou um símbolo nacional tão inalienável quanto a bandeira e o Hino.
Onde já se viu torcer contra a seleção como se isso fosse uma punição à corja que subtrai nossos mil-réis diuturnamente? Vão querer que eu também rasgue a partitura do hino, que eu queime a bandeira em praça pública como um talibã antiCopa enlouquecido?
Menos, amigos, menos. Não estou satisfeito com os rumos do PT, não vou com a cara do PSDB, e quero distância de assembleias do Psol, mas não quero que o Brasil perca só pra satisfazer o antipetismo do mesmo modo que eu não tomaria um banho demorado como se isso fosse prejudicar o governador Geraldo Alckmin.
Então, não me chamem pra desligar a TV e ler um livro na hora do jogo do Brasil. Quero estar lúcido e ligado, nem que seja para ver o Brasil perder a Copa. Se os governos fazem uso dos triunfos esportivos para fazer um lifting na sua imagem popular, o que querem que eu faça?
Querem que eu torça contra o Felipão, contra o Bernardinho, contra a Sheila, contra o César Cielo? Posso não curtir um esporte ou outro, mas vou torcer pela derrota dos meus conterrâneos porque isso supostamente desencantará o povo que, então, movido pelos ideais iluministas, vai torcer e lutar por educação, saúde e emprego com o mesmo empenho com que torcia pela seleção? Me poupem desse antitriunfalismo tão ridículo e romântico quanto o ufanismo.
Eu era um guri de 10 anos quando a geração de Zico, Junior, Falcão e Sócrates frustrou minhas mais doces ilusões de vitória na Copa de 1982. Eu deveria ter torcido contra a seleção porque o país vivia o final dos anos de chumbo da ditadura militar? Eu devia ter pulado e cantado a Marselhesa após a humilhação imposta por Zidane e cia. à seleção canarinho em 1998 só para manchar a reputação do governo FHC? Parei por aqui.
Torcer contra a Copa não vai redirecionar a dinheirama desperdiçada nos estádios e obras eternamente inacabadas. Vou assistir a Copa, vou deixar meu filho torcer e quem sabe se desencantar, vou deixar meus moleques serem felizes ou desiludidos com o futebol por conta deles.
Nem por isso vou deixar de denunciar a impunidade, de ficar alerta quanto à desonestidade, à má gestão e ao pecado da nossa hipocrisia, que fala mal da FIFA e do futebol mas não se nega a andar de carro pelas obras do (mini)legado da Copa. Fica combinado: não me chamem pra torcer contra o Brasil na Copa.
Comentários
Andas na trilha de Paulo meu amigo, e dizes palavras "de verdade de bom senso" (Atos 26:25)
sucesso!
Eu conheco o país que nasci, mais de 80% sao ignorantes que acreditam que futebol influi em suas vidas. A unica chance de o PT perder popularidade é o povo cair na real e isso se conseguiria perdendo a Copa. Copas tem muitas outras pela frente, Brasil já tem 5 é mais que suficiente, país mesmo nao tem nenhum! Prefiro que o Brasil PERCA.