Pular para o conteúdo principal

torcer e distorcer: essa é a questão

Luis Fernando Veríssimo, torcedor do Internacional, escreveu na semana anterior à última rodada do campeonato brasileiro que ele ainda acreditaria na paz na terra entre os homens de boa vontade, desde que os jogadores do Grêmio, rival do Inter, ganhassem do Flamengo, permitindo assim que o seu Internacional fosse campeão.

Vê-se que a paixão futebolística não tem nada de lógica. Enquanto essa paixão está dentro dos limites de rivalidade sadia, que não declara guerra campal contra o adversário nem dentro nem fora do estádio ou de casa, torcer não é problema algum.

Problemas começam quando torcer vira sinônimo de distorcer, quando se pretende a vitória a qualquer custo, inclusive com o uso de expedientes ilícitos como gol de mão, gol impedido, ou qualquer armação de bastidores. Os problemas se tornam ainda mais sérios quando a paixão clubística age como uma força embrutecida, que prefere ofender em vez de incentivar, que depreda, destrói e, não raro, mata.

O torcedor típico é capaz de trocar de cônjuge, de profissão e até de sexo, mas nunca trocará de time. Substitua o nome do time nos versos iniciais da música de Lamartine Babo, “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo, Flamengo sempre eu hei de ser”, pelo clube de sua preferência e você verá uma prova de fidelidade eterna.

Após essa experiência, alguns mais afoitos decerto farão gargarejo de uma hora com o Listerine mais ardido a fim de descontaminar a boca que fui induzida a cantarolar o hino do rival.

Ateus menos convictos chegam a rezar agora e na hora do pênalti. Religiosos mais sectários não resistem a uma espiadinha no jogo do Brasil na Copa do Mundo. Ricos prometem generosas doações a orfanatos e abrigos quando seu time precisa sair da zona do rebaixamento. Pobres (e os ricos menos liberais) prometem supliciantes procissões quando seu time precisa vencer na última rodada.

Até aí, trata-se de um caso, de fé e desprendimento das coisas materiais, ainda que, muitas vezes, por vias deturpadas e interesseiras. O fator complicador está na ambição, na vitória a qualquer custo, mesmo que a custo da honra. Farsas são montadas pra torcedor inglês e brasileiro verem. Negócios escusos são tratados antes de partidas decisivas, o futebol quase se torna um jogo de cartadas marcadas, em que não vale a pena torcer.

De outro lado, o torcedor pode se tornar semelhante ao fã: espera horas por um autógrafo, fica depressivo quando seu time perde, chora por não conseguir ingresso, não permite críticas ao time (a não ser aquelas que ele mesmo faz). O fanatismo é cego pela própria natureza e incapacita o indivíduo de perceber que a mesma mão que acaricia o clube na vitória acaba sendo a mão que apedreja na derrota.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Bob Dylan e a religião

O cantor e compositor Bob Dylan completou 80 anos de idade e está recebendo as devidas lembranças. O cantor não é admirado pela sua voz ou pelos seus solos de guitarra. Suas músicas não falam dos temas românticos rotineiros, seu show não tem coreografias esfuziantes e é capaz de este que vos escreve ter um ataque de sonolência ao ouvi-lo por mais de 20 minutos. Mas Bob Dylan é um dos compositores mais celebrados por pessoas que valorizam poesia - o que motivou a Academia Sueca a lhe outorgar um prêmio Nobel de Literatura. De fato, sem entrar na velha discussão "letra de música é poesia?", as letras das canções de Dylan possuem lirismo e força, fugindo do tratamento comum/vulgar dos temas políticos, sociais e existenciais. No início de sua carreira musical, Dylan era visto pelos fãs e pela crítica como o substituto do cantor Woody Guthrie, célebre pelo seu ativismo social e pela simplicidade de sua música. Assim como Guthrie, o jovem Bob Dylan empunhava apenas seu violão e ent