Por que o futebol movimenta as massas
Nos anos 1930, o programa nacionalista de Getúlio Vargas legitimava oficialmente práticas populares como vértices da identidade brasileira, como o samba e o futebol. A facilidade de praticar e a identificação nacionalista somaram-se à maciça cobertura das mídias. Tem mais: a rivalidade clubística dos primeiros anos do futebol vinha das origens sociais de cada clube, instalados em bairros social e economicamente distintos.
A prática do futebol exige pré-requisitos mínimos: o tamanho do campo depende do número de jogadores (onde houver 2 ou 22 reunidos ali rolará uma partida), um par de chinelos é suficiente para se fazer uma trave e basta uma esfera não satisfatoriamente esférica, mas plenamente chutável. Como era um esporte pronto para ser praticado por quem não podia frequentar os locais onde a turma burguesa de Charles Muller jogava sua bolinha, o futebol logo se tornou o favorito das multidões.
Futebol e política
Alguém sugeriu durante o debate que um dos problemas do futebol é que ele distrai as pessoas dos problemas sociais do país. Sim, o futebol entretém mesmo. Durante a Copa de 1970, a festa pelo triunfo do Brasil camuflou as ações violentas da ditadura. Mas as pessoas não se afastam dos problemas vitais. Aliás, são os políticos e muitos professos educadores que afastam as pessoas das discussões, não lhes oportunizando meios intelectuais de debater os problemas.
É certo que os anos de João Havelange na presidência da FIFA e de seu cunhado Ricardo Teixeira na CBF enredaram o futebol numa escalada de corrupção sem precedentes. Denúncias são feitas, mas tamanha é a troca de favores entre os tubarões do futebol e da política que todas as denúncias não dão em nada. A Copa de 2014 servirá para o entretenimento de muitos e enriquecimento de poucos.
Futebol é vício?
O futebol seria a versão esportiva do “ópio do povo”? Sim, quando se vende os bens por um ingresso. Não, pois não somos um bando de autômatos passivos e não-reagentes. Nossa população, em sua maioria, encontra difícil acesso aos tratamentos de saúde, à moradia, está exposta à insegurança no emprego e à violência, conta com poucas escolas realmente boas, enfim, trata-se de uma nação economicamente retalhada entre muito ricos e muito pobres, com uma classe média fazendo malabarismos para fazer o salário chegar até o fim do mês. E ainda chamamos sua diversão preferida de vício.
Futebol como religião
Em vez de vício, muitos torcedores vivem o futebol como se fosse uma religião. Todavia, o futebol funciona como um culto, um “culto pagão”: tem seus ídolos, seus hinos, sua comunidade, seus torcedores prometem autossuplícios, clamam por intercessão agora e na hora do nosso pênalti, apelam para sortilégios e dão suas ofertas em troca de acessórios e badulaques do seu time.
Quem assiste futebol financia a corrupção
Essa é uma ideia que serve a qualquer opinião contra determinada prática. Por exemplo, quem assiste filmes financia o cinema e a degeneração dos atores; quem vai ao shopping financia o consumismo; quem compra carros financia a indústria do petróleo, e assim por diante até chegar ao niilismo total de uma volta às cavernas. A maioria dos torcedores tem consciência das maracutaias dos dirigentes. Mas eles dizem que os cartolas não representam a grandeza do clube. Eles também veem jogadores defendendo seu clube só pelo dinheiro, mas ele mesmo, o torcedor, também troca de emprego quando a proposta é melhor. O jogador passa, mas o clube fica.
Se levarmos a ferro e fogo a consideração de que quem assiste futebol financia a corrupção, logo alguém dirá que quem frequenta igrejas financia o enriquecimento dos seus líderes. Corrupção, em graus diferenciados, há em qualquer instituição, assim como também são diferentes os graus de punição dos envolvidos. Mas o sentido da religião e da igreja está acima dos fiéis (e dos infiéis).
A paixão no futebol
Há torcedor que chora pelo time eliminado como se tivesse perdido a mãe e há aquele que só assiste ao jogo e vai dormir sem transtorno algum. No estádio, o torcedor, garantindo-se na segurança de um grande grupo, dá vazão a expressões e sentimentos reprimidos. Faz coisas que sozinho não teria a insensatez de fazer. Mas um torcedor fanático é capaz de transformar sua casa num estádio, seu sofá numa arquibancada: ele se deixa torturar quando seu time está jogando mal, grita com os jogadores, com o técnico, manda o locutor calar a boca, vai da disforia à euforia (e vice-versa) em poucos minutos. Jogado aos pés da TV, o torcedor é mesmo um exagerado.
O cristão e o futebol
Há quem diga que um jogo de futebol entre cristãos pode ser uma porta de entrada para para pessoas que não conhecem a igreja. Desculpe, não recomendo esse ambiente. No calor da disputa, já vi mau testemunho de todo tipo: diáconos aos berros, pastores tosqueando a perna das suas ovelhas. Alguns logo se perdoam, outros viram inimigos. Como ser um mensageiro da esperança se vendo minha fé em troca de um prato destemperado de 90 minutos de contendas?
O cristianismo deve perpassar as atividades esportivas também, senão seremos engolfados pela maneira de torcer de filisteus e pelo modo de jogar de amalequitas. Os cristãos precisam aprender a ganhar sem soberba e perder com mansidão.
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