A propaganda vive de seduzir o espectador. As táticas são variadas: gritos e frases aceleradas para vender guarda-roupas e televisores, vozes sussurrantes em slow motion para vender carros de luxo. Os publicitários parecem entender que o cliente das Casas Bahia, além de ser um sujeito que paga um sofá em 24 parcelas, também é surdo.
A propaganda trabalha à luz dos estereótipos. Cerveja virou rima de praia, sol, sensualidade, descontração. As companhias publicitárias julgam que a advertência “beba com moderação”, aliás, “APRECIE com moderação”, cumpre sua responsabilidade social. Os casos de cirrose hepática, assassinatos e acidentes no trânsito não podem ser postos na sua conta. Afinal, elas foram gente boa e avisaram, né?
Ok, carro também mata, mas nada disso aparece nos reclames. É porque carro e cerveja têm efeito semelhante no consumidor. Senão, vejamos:
- Comercial de carro tem mulher de cabelo esvoaçante y otras cositas más. O comercial de cerveja tem mulher com otras cositas à mostra;
- O carro altera a personalidade do sujeito. A cerveja também;
- A imprudência ao dirigir pode matar. Se o caso é cerveja, nem se fala.
Em fevereiro, a propaganda da bem intitulada cerveja Devassa foi censurada devido ao alto teor de sensualidade da “atuação” da celebridade-mor Paris Hilton. Noves fora a ideia elementar de juntar uma bebida de nome Devassa com a doidivanas Paris Hilton, se era para barrar o sensualismo cervejeiro então tinha que banir todas as propagandas de bebida.
E francamente, o que seria mais imoral? O comercial com uma loira importada fazendo tipo ou a propaganda de Ronaldo Brameiro Fenômeno ao meio-dia?
No entanto, há algo ainda mais sério. No programa Globo Esporte exibido em 09 de março/2010, abordou-se o problema do jogador Adriano com a bebida. Um especialista em saúde foi convidado a mostrar a gravidade da ingestão de álcool a curto e a longo prazo. Jogadores e ex-jogadores deram seu testemunho. Sim, o caso é grave.
Mas vindo da Globo, seria trágico, se não fosse cínico. Quem é mesmo uma das financiadoras da transmissão do Campeonato Brasileiro? Acertou, aquela indústria cervejeira mesmo. Quem anda se gabando de ser a primeira cervejaria a patrocinar uma Copa do Mundo? Assinale a mesma alternativa.
A TV passa horas associando esporte com bebida e depois vem dizer Olha, gente, o álcool é danoso à saúde. Exigir um mea culpa da TV é utopia, mas bem que podiam dizer logo Viu, meninos? Façam o que eu digo – álcool não tem nada a ver com esporte – mas não façam o que eu mostro!
Na lógica dos comentaristas esportivos, "o futebol é uma caixinha de surpresas". Na lógica do capital, não há grandes preocupações com o que é melhor para as crianças assistirem ou comerem. Importa que as vendas cresçam e a ética diminua. Por isso, no comercial da televisão, o futebol é uma caixinha de cerveja.
Pode ser que num futuro próximo não haja publicidade de cerveja na TV como não há mais publicidade de cigarros. Num mundo ideal, Ronaldo Fenômeno, com tantas crianças e adolescentes entre seus fãs, não faria comercial de cerveja. Mas no mundo real e na hora de todos os drinques não aparece um juiz para ordenar que se retire do ar a propaganda.
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Comentários
e não nos conformemos com este século conformado com propagandas do tipo.