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o adventismo no mundo: analisando as taxas de expansão e retração

Encerrados os trabalhos da Conferência Geral da Igreja Adventista, é hora de avaliar alguns números das declarações estatísticas anunciadas no evento. Os números por si não podem falar tudo. Seria necessário olharmos para os fatores que constituem o contexto social e histórico de cada campo onde o adventismo está presente, a fim de compreender os números de expansão ou de estagnação do adventismo em diferentes regiões. 

Pretendo abordar somente a taxa de crescimento mundial dos adventistas, dedicando algumas linhas também à análise dos dados estatísticos da igreja. Em outra postagem, quero postar breves análises mais específicas do contexto adventista no Brasil.

Os números da Conferência Geral dão conta de 18.550,589 membros registrados até 31 de março de 2015. Logicamente, é um crescimento fenomenal considerando-se que o adventismo foi formalmente organizado em 21 de maio de 1863 com a inclusão de 125 igrejas e 3.500 adeptos.

Se a taxa de crescimento é exponencial, outro dado mostra que os níveis de perda de adeptos também cresceram bastante. Um relatório de reunião realizada na igreja adventista de Battle Creek, em maio de 1863, mostrava que aquela igreja havia sido inicialmente organizada com 72 indivíduos:

 “This church was organized at Oct. 24, 1861, with seventy-two members. Admitted since, thirty-­six. Removed nine. Deceased two. Membership at present, ninety-seven.”

Esse curto relatório mostra que 36 novos membros foram integrados à igreja de Battle Creek, enquanto 9 foram excluídos (ou “removidos”, conforme o jargão religiosamente correto). Isto significa que ¼ dos membros deixara aquela comunidade adventista.

Os dados dos últimos cinco anos (2010-2014) revelam que 5.563,677 membros integraram-se à Igreja Adventista em todo o mundo por batismo ou profissão de fé, e que 3.068,141 foram removidos ou registrados como “não encontrados”. Ou seja, a cada 5,5 pessoas que entraram pela “porta da frente” da igreja, 3 pessoas saíram pela mesma porta (ou pela “porta dos fundos”, em se tratando dos não encontrados).

À primeira vista, esses números parecem demonstrar que o crescimento, apesar de contínuo, é menor do que a expansão das décadas passadas. No entanto, ao se comparar esses dados com os registros dos últimos 50 anos (1965-2014), nota-se que a taxa de “saída de membros” também é contínua. Nesse período, a Igreja Adventista recebeu 33.202,016 novos membros e 13.026,925 saíram: uma taxa de perda de 39,25% membros. 


Como explicou David Trim, diretor do escritório adventista de arquivos, estatísticas e pesquisas, a igreja adventista não estaria sofrendo uma crise de crescimento, mas sim, "sentindo os efeitos da correção estatística". 

Em nível mundial, então, a cada 10 novos membros que entram, 4 deixam a igreja. Se os níveis de perda de adeptos se mantiveram em 40% desde os anos 1960, talvez não haja motivo para desânimo no ímpeto proselitista da igreja. Mais preocupante para os adventistas deve ser o índice de perda de membros dos últimos cinco anos (2010-2014). 


Nesse período, o adventismo cresceu a uma taxa estável de pouco mais de 1 milhão de membros por ano, mas perdeu adeptos em ordem decrescente: de pouco menos de 500 mil indivíduos que deixaram a igreja em 2010 até o registro de quase 800 mil que saíram em 2014.

Se esta década iniciou com a perda de 4 adeptos para cada 10 novos membros, chega-se à metade da década com a perda de 6 adeptos para cada 10 novos membros. A questão é: essa taxa representa um decréscimo gradativo irrefreável ou se trata de mais um ciclo que alterna períodos de expansão e retração no crescimento da igreja?

Vejamos, então, somente os dados auditados entre 1990 e 2014. 



Há registro de crescimento variável:
- 7% de crescimento em 1990
- menos de 6% em 1992
- pouco mais de 6% no ano seguinte
- 4,5% em 1997
- pico de 7,5% em 1999 (taxa mais alta dos últimos 15 anos)
- queda contínua até 2005 (3,5%)
- 5% em 2006
- menos de 2% em 2008
- nova subida para 3,5% em 2010
- queda contínua até a taxa mais baixa (1,5%) em 2013
- 2014 não chegou a registrar 2% de crescimento

A partir dos índices coletados nos últimos 25 anos, em que picos de crescimento alternaram-se com graves baixas, é possível observar dois pontos:

1)  cada pico de crescimento é seguido imediatamente de quedas vertiginosas.

2) picos de crescimento têm sido atingidos com taxas cada vez mais baixas (7,5% – 5 – 3,5 – 2)

A explicação para o primeiro ponto pode estar na tomada de impulso evangelizador após a constatação institucional de baixo crescimento. Após essa fase de ímpeto, em que a instituição busca fomentar ações evangelizadoras com a cooperação das congregações, a desaceleração parece inevitável. 

Alguns motivos podem estar na condição de vida dos evangelistas leigos, setor da igreja formado pelos adeptos. Diferentemente do corpo de evangelistas especialistas (pastores ou evangelistas remunerados) que podem dedicar seu tempo de trabalho a ações evangelizadoras, os leigos, por sua vez, precisam cuidar de sua subsistência e nem sempre todos podem manter o ímpeto evangelístico inicial.

Essa perda de ímpeto pode também estar no outro lado, o lado dos novos membros. Após à integração na nova comunidade de fé, os novos adeptos podem perder gradativamente o interesse pela igreja e, embora aceitando a veracidade de parte das crenças, eles deixam de ver sentido na manutenção da frequência à igreja e, então, afastar-se. Não deixa de ser também um caso de arrefecimento do ímpeto inicial (ou como dizem alguns cristãos, uma perda do “primeiro amor”).

Outro motivo para a perda de fiéis pode estar na reação negativa ao código de conduta da igreja. De modo geral, o sujeito contemporâneo, e aqui falamos do habitante das áreas urbanas do Ocidente, valoriza sua autonomia e independência de atitude e tem passado a ver as interdições eclesiásticas como uma legislação de consciência no que diz respeito a restrições a ornamentos (especificamente, joias), entretenimento (filmes e músicas populares), vestuário, penteados, maquiagem, consumo de carne (bovina e de aves) e café.

A perda gradativa de adeptos nos últimos anos coincide com as prescrições de comportamento público e privado para os adventistas lançadas no documento “Estilo de Vida Adventista”. Alguns indivíduos podem ter entendido que o reforço das restrições caracterizava um aumento na regulação da vida cotidiana, e sua reação foi o abandono do adventismo.

E, quanto ao segundo ponto, o que pode ter ocasionado o gradativo decréscimo nos picos de crescimento?

As razões são muitas e provavelmente não há disposição do leitor para continuar acompanhando por muito tempo estas análises. Vou insistir na perseverança dos santos, então.

Alguns motivos observáveis são:

- interesse por religião, mas desinteresse pela denominação: enquanto as crenças religiosas mobilizam a espiritualidade, as congregações constituídas de gente como a gente às vezes parecem mais preocupadas com a vigilância de condutas pessoais do que com o acolhimento fraterno. Como dizem, “Deus é bom, o problema é o seu fã-clube”.

- novos competidores no campo religioso: a expansão do pentecostalismo desde o final do século XX tem causado maiores obstáculos ao avanço do protestantismo. O fenômeno (neo)pentecostal trouxe ao campo religioso uma disputa pelo monopólio da salvação que talvez só se observou no período de inserção protestante em países de larga tradição católica.

- o fator euro-americano: o baixo crescimento, a estagnação ou mesmo a retração de membros adventistas em vários países europeus e nos Estados Unidos tem colaborado para diminuir os picos mundiais de crescimento. As taxas de crescimento na Europa e nos Estados Unidos não se aproxima dos níveis de crescimento do adventismo na América Latina e na África. 
Enquanto as regiões desenvolvidas (com maior taxa de renda per capita e nível de escolaridade) enfrentam baixo crescimento, estagnação e mesmo retração no número de adeptos, os países em desenvolvimento e do chamado Terceiro Mundo têm mostrado maiores níveis de crescimento. Muito embora, essas mesmas regiões também tenham registrado níveis de perda de membros não muito diferentes daqueles do Primeiro Mundo.

- contexto social e econômico: por que se cresceu muito mais entre 1997-1999 do que nos 15 anos seguintes? Já considerando o fator pentecostal, que tomou impulso mundial muito maior justamente nos anos 2000, é preciso lembrar que boa parte do planeta experimentou uma grave crise econômica no fim da década de 90. E não se deve descartar o fato de que os indivíduos tendem a buscar apoio espiritual em situações econômicas frustrantes. Além disso, as ações evangelizadoras adventistas tomadas próximas ao final do século e às portas do novo milênio parecem ter encontrado ambiente favorável ao clima místico mundial de despertar ou renascimento religioso provocado por uma simples passagem do tempo.

Essas considerações iniciais não são, evidentemente, conclusivas, mas espero que ajudem a nortear os questionamentos que os dados estatísticos suscitam. É provável que parte dessas breves análises ajudem a explicar o cenário do protestantismo geral ao redor do mundo. Na próxima postagem,  pretendo abordar o dados auditados no Brasil e as razões sociológicas que explicam os números. 


Fonte dos registros, slides e citações: 2015 General Conference Session Report: membership audits and losses (David Trim). Office of archives, statistics and researches.

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