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Mostrando postagens de 2014

melhores livros, músicas e filmes de 2014

Em 2014, encerrei meu doutorado, publiquei um livro e lancei a "pedra fundamental" do meu projeto musical. Entre pesquisar pra escrever e pesquisar pra dar aulas, entre não ouvir para compor e ouvir para aprender, tive tempo pra ver filmes. Alguns deles, me fizeram considerar melhor a arte, a profissão e a profissão de fé. Obs: nem tudo o que li, ouvi e assisti foi lançado em 2014, mas só deu pra ter acesso neste ano que se vai. Livros Os jesuítas e a música no Brasil colonial (Marcos Holler / Ed. Unicamp) – A atuação pedagógico-musical dos padres da Companhia de Jesus entre indígenas e os recém-chegados europeus é fartamente documentada com cartas e outros textos redigidos ainda no século 16. Tecendo a trama entre religião, arte e cultura, o autor busca explicações para entender porque os nativos aceitaram a cultura musical de seus colonizadores. Os Irmãos Karamázov (Fiódor Dostoiévski / Editora 34) – Depois de mais de 20 anos, voltei a ler essa obra-prima

a música popular perdeu o tom

Nos últimos dias de sua vida, Tom Jobim pedia a sua irmã Helena para que lesse o Salmo 23, aquele do “O Senhor é meu pastor e nada me faltará...”. Olhando a obra musical de Tom, o que não falta é música que parece ter a centelha da arte mais divina. Sua combinação de melodia enganosamente simples com harmonização rigorosamente complexa trouxe à música popular brasileira um sabor diferente, um jeito diferente, uma nova bossa. Até o advento de “Ai seu eu te pego” , hit do Michel Teló, a canção brasileira mais conhecida no exterior era “Garota de Ipanema” . Assobie essa canção e perceba como a melodia sobe e desce sem esforço, como o desenho de ondas. Pode ter sido um achado genial involuntário, mas vindo de Tom, quem pode duvidar de que o balanço do mar e da garota que passa foram inscritos delicadamente na melodia sinuosa? E a melodia de “Desafinado” , difícil e bela como a harmonia? E "Corcovado" , em que a melancolia inicial de “Um cantinho, um violão” que de

Princípio (ao vivo): a imagem, o som e a Palavra

Se uma imagem vale mil palavras, quanto vale uma imagem (e uma sonoridade) que comunica a Palavra? Nessa perspectiva, um álbum cristão que, por algum tempo, ultrapasse em vendas as coletâneas de Michael Jackson, Elton John e Madonna e o mais recente trabalho de Taylor Swift tem um inegável simbolismo. Não, isso não representa a o triunfo do gospel sobre o mundo pop como gostariam de dizer os levitas mais afoitos. Até porque o pop e o gospel estão em amigável interação. Esse 1º lugar, ainda que temporário, mostra para a indústria fonográfica a força do mercado cristão. Há evangélicos que abominam a expressão “mercado cristão” - e o fazem de forma tão depreciativa e ingênua quanto alguns detratores esquerdistas repudiam o “mercado capitalista”. No entanto, verdade seja dita, nota-se um estímulo desenfreado ao consumo de artigos que ganham a alcunha de cristão somente porque são comercializados por empresários cristãos. Daí a existência de pulseira cristã, capa de celular e

interestelar ou a salvação vem de nós mesmos

Um dos maiores problemas do filme Interestelar é ser tedioso. Não consegui entrar no clima do filme. Embora tenha algumas cenas muito boas, achei este filme apenas pretensioso e vazio.  O segundo grande problema é o grau de solenidade que o diretor Christopher Nolan tentou conferir ao filme. Não há problema em usar o som de church organ (órgão de igreja) para emoldurar as cenas com uma aura de reverência ou sagrado. O cineasta Stanley Kubrick fez isso em 2001 - Uma odisseia no espaço , com resultados bem opostos (embora alguns possam considerar  2001 enfadonho e pretensioso).  Por sua vez, Nolan utiliza essa sonoridade associada à solenidade em cenas onde o tom solene não cabe, talvez porque mal-dirigidas, como na cena de um personagem de olhar perdido pro horizonte.  As citações a  2001  são muitas, mas não soam como homenagem e sim como um pastiche, não só nos trechos com som de órgão (Kubrick usou o poema sinfônico “ Assim Falou Zaratustra ”, do compositor Richard S

inovação musical: isso é coisa de música sacra?

Handel sem O Messias , Bach sem A Paixão Segundo S. Mateus : se os críticos desses compositores tivessem vencido, a música sacra estaria desprovida de duas de suas maiores realizações.  Na Inglaterra do século 18, George F. Handel era um alemão a serviço de Sua Majestade. Sem licença para ousar, mas com raro tino de espetáculo, Handel fazia sucesso na corte inglesa. Nem por isso conseguiu estrear em Londres aquela que viria a ser a sua obra mais famosa, o oratório O Messias . Ele foi, então, para Dublin, onde alcançou tamanho êxito que os empresários londrinos logo perceberam o potencial comercial da obra. No entanto, inclusive por ser uma obra de caráter sacro exibida num teatro, e não em uma igreja, O Messias encontrou opositores entre músicos e eclesiásticos da corte. Algumas alegações contra o oratório de Handel eram: o número excessivo de notas, a orquestração considerada mais apropriada para a ópera e não para uma peça sacra, a linha vocal dos solos que lembrava

Manoel de Barros e o artista

Para lembrar do grande poeta das miudezas. O menino que carregava água na peneira Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso. O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio, do que do cheio. Falava que vazios são maiores e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito, porque gostava de carregar água na peneira. Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começ

a música em toda parte do cérebro

Entrevista do jornal O Globo (setembro/2007) com o neurologista Oliver Sacks. O texto na íntegra está aqui . O GLOBO ENTREVISTA Oliver Sacks Para o neurologista britânico Oliver Sacks, a musicalidade é tão primordial à espécie quanto a linguagem e entender a relação entre música e cérebro é crucial para a compreensão do homem. Em seu mais novo livro, “Alucinações musicais” (Editora Companhia das Letras), o especialista relata casos de pessoas que reagem à música de formas incomuns. Há os que simplesmente não conseguem ouvi-la. E há os que a ouvem o tempo todo, mesmo quando nenhuma melodia está tocando. Há gente que passou a ouvir os sons de forma diferente após ser submetido a uma cirurgia cerebral. E mesmo os que desenvolveram um incomum talento musical. Nesta entrevista, Sacks conta que há um vasto caminho ainda a percorrer para que se possa entender completamente esses fenômenos. Mas uma coisa, diz, é fato: “A música se apossou de muitas partes do cérebro humano.” Rober

Fala, Vinicius

Vinicius de Moraes tem um recado pra quem anda postando que vai embora do país depois da eleição:

ao professor, um poemeu

Ao professor que não sabia de cor os nomes dos rios da margem direita do Amazonas O que faz o livro? Tira o pássaro da gaiola sem grades. E a borracha? Apaga tudo o que não é saudade. O que fazem as filas? Estacionam a gente do lado de fora da vida. O que faz um rio? Sonha em virar cachoeira. O que faz o professor? Abre janelas.

filmes de criança e filmes sobre crianças

3 filmes para assistir com as crianças , noves fora a trilogia Toy Story , que você já deveria ter assistido com elas: Wall-e Um discurso ecológico sem ecochatice, um elogio divertido à vida saudável e uma homenagem à pureza dos filmes mudos. Ratatouille O preconceito e o esnobismo são piores que fast-food. A felicidade das coisas simples da vida. Super 8 Assisti com meus filhos as ficções infantis Os Goonies e Viagem ao Mundo dos Sonhos . Eles acharam ambos bem fraquinhos e eu tive certeza que a memória da gente é enganosa. Prefira Super 8 , um filme do século 21 que homenageia as ficções infanto-juvenis do século 20, mas que termina sendo melhor do que os homenageados. Comentário do meu filho mais novo ao fim da sessão: “Esse filme é tão legal que eu queria esquecer tudinho só pra assistir como se fosse a primeira vez de novo” 2 filmes sobre crianças para ver sem as crianças: Filhos do Paraíso O drama de dois irmãos para recuperar u

Marina e a campanha de sete pecados

Após o resultado do 1º turno das eleições 2014, Marina Silva disse estar orgulhosa de sua campanha. Mas também pode estar se perguntando “onde foi que eu errei?”. Afinal, ela chegou a estar com o ticket para o 2º turno nas mãos e, pouco a pouco, sua candidatura foi perdendo fôlego. Quais seriam os prováveis pecados de rota e estratégia na sua campanha? Como num jogo de 7 erros, achei alguns: 7) Fator emocional : a comoção geral em torno da morte de Eduardo Campos alavancou o crescimento súbito de Marina. Com o passar do tempo, a poeira assentou e o impulso emocional arrefeceu. 6) Amizade “indevida” : em 2013, muita gente foi às ruas gritar não só contra o governo, mas contra os empresários do transporte coletivo, contra a FIFA e também contra os bancos, ocasião em que várias agências foram depredadas. Quando o eleitor descobriu que Marina Silva tinha a amizade e o financiamento de Neca Setúbal, herdeira e acionista do Banco Itaú, ele pode ter desconfiado de que a amizad

a jovem que queria ficar rica com música

Na feira de profissões, uma estudante se aproximou e disse:  - O que mais amo é música.  - Então essa é a profissão pra você. Pois, não é ótimo fazer o que mais se gosta e ainda ser pago por isso? Olhando a cena, alguns dos alunos que trabalhavam comigo perguntaram: - Simples assim, professor? Respondi-lhes: - Certamente. Pois todo o que vier perguntar sobre o curso de modo algum o lançaremos fora Outra estudante veio e perguntou: - Vem cá, música dá dinheiro mesmo? - Não. Dá prazer, drama, emoção. Dinheiro, nem sempre. Ela ficou meio decepcionada e seguiu seu caminho. Os alunos voltaram a perguntar: - Por que o professor não insistiu? - É para que ela não perca tempo, já que tempo é dinheiro. Mas música, não. Música é outra coisa.

matou Deus e foi ao cinema evangélico

Eu bem que gostaria que fosse diferente, mas Deus não está morto é um filme que, embora queira partilhar uma mensagem profunda, é raso de espírito. Deus não está morto, mas a qualidade do cinema evangélico não passa bem. Não vou falar da performance dos atores, da fotografia ou dos diálogos, todos de um primarismo que se nivela a um seriado bíblico da TV Record. Isso até seria uma marca das produções religiosas nacionais (de qualquer crença). Aliás, muito espectador dessas produções invoca uma virtude cristã, como a condescendência, para assisti-las. As carências técnicas seriam um problema sem importância, se o alto valor da mensagem que o filme deseja divulgar fosse transmitido com acuidade e grandeza de espírito e não só com suposta nobreza de intenção. O enredo trata de personagens evangélicos que são perseguidos e humilhados, mas têm uma luz celestial que lhes afasta de toda incerteza ou falta de racionalização crítica. Parece que são capazes de superar doenças com

o incrível cinema que encolheu

Joe Gilles: Você é Norma Desmond, atriz do cinema mudo. Você era grande . Norma: Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos . A Rede Cinemark reprisou alguns clássicos do cinema: Bonequinha de Luxo , Lawrence da Arábia , O Poderoso Chefão I e II , Chinatown , A Felicidade Não se Compra , Taxi Driver . Só pelos títulos já dá pra concordar com a personagem Norma Desmond (personagem de outro clássico, Crepúsculo dos Deuses ): o cinema encolheu. O cinema ficou “big”, mas raramente é “great” como costumava ser. Cinema “big” sempre existiu, mas nos últimos 20 anos o cinema é grande no sentido de bilheteria, número de explosões, de efeitos visuais, de marketing gigantesco e merchandising incomensurável. Raramente é grande no sentido de grandioso, de tematicamente ambicioso, que visa o impacto emocional e intelectual, e não somente o sensorial, que não tem medo da transcendência. Bonequinha de Luxo é do tempo em que havia comédias românticas baseadas em roteiros intel

os desafios são barreiras ou estradas?

Ontem eu deveria ter assistido o clássico "Lawrence da Arábia", mas não foi possível. Tive que me conformar com o filme "Expedição Kon-Tiki". Para minha surpresa, comecei assistindo contrariado e terminei empolgado. Quando garoto e ratinho da biblioteca do internato, li pela 1ª vez a história de Thor Heyerdahl, o norueguês que, junto com outros 5 experientes em maluquices, exceto um tripulante que era só um vendedor de geladeira, cruzou o Pacífico da costa do Peru à Polinésia  numa jangada. Foram 101 dias e 8 mil km de mar. Thor tem nome de super-herói, mas seu único poder é uma perseverança cega. Aliás, perseverança tem de enxergar além, e não deve enxergar muito bem ao redor, senão ela desiste. Thor desafiou o mar e a National Geographic ao refazer, no século XX, o mesmo caminho feito há 1.500 anos por homens destemidos como eles. O que ele queria provar? Que, para as civilizações antigas, "os mares não eram barreiras, mas estradas". Numa

a tragédia na era da zoeira

A "era da zoeira" não poupa ninguém. Nem os mortos de velhice, como Niemeyer, nem os que se vão cedo demais, como Eduardo Campos. Antigamente, as pessoas contavam piadas nos velórios. Isso servia para passar a noite e para aliviar a gravidade do mal irremediável. Mas nas redes da zoeira social não se ri da morte, nossa desgraça inevitável, nem dos mortos, nossos companheiros nessa condenação mis teriosa, mas se zomba da memória dos vitimados, da única réstia de sua vida que deixam aos ainda vivos. A era da zoeira perde a oportunidade de enlutar-se com os enlutados e relembrar que a vida é sopro e a morte é mistério. A era da zoação ininterrupta deixa de ver que "é melhor ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao coração", como registra o livro de Eclesiastes. Pena que, assim como nos filmes da atualidade, haja tão pouco espaço para a reflexão na tragédia e tanto gosto por zoeir

robin williams e a sociedade dos professores mortos

Todos os dias, milhares de professores entram nas salas de aula, fazem a chamada, abrem o livro didático na página 171, viram as costas para os estudantes e prescrevem na lousa seu pacto com a mediocridade. São professores mortos de uma aula morta. Não aproveitam a oportunidade para fermentar ideias de grandeza na mente de seus alunos. Ao apequenar sua aula, o professor-zumbi subestima seu papel social. Eu ainda ouço vozes: “ Carpe diem , aproveite o dia, faça de sua vida algo extraordinário”. É a voz do ator Robin Williams, artista de vastos recursos cômicos e dramáticos, e que, infelizmente, acabou de entrar para a sociedade dos grandes atores mortos. O professor John Keating (interpretado por Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos ) não dá aulas no sentido formal e solene do termo. O que ele faz é tentar inocular nos estudantes o germe da curiosidade e do protagonismo da própria vida.  Para isso, ele rasga o formalismo das tradições e, em vez de fazer os