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Mostrando postagens de novembro, 2010

cem palavras: a infantilização da vida

"Eu não quero crescer. Quero ser para sempre um menino e me divertir" . Peter Pan, fugindo para a Terra do Nunca "A adolescência começa antes da puberdade e, para alguns, dura para sempre [...] a negação da idade está em toda parte". Robert J. Samuelson (Adventures in Agelessness, Newsweek ) "Na indústria da moda, os vendedores visam a mãe que tenta parecer que tem 15 anos, ao mesmo tempo que a criança é enfeitada para parecer que tem 40 anos". Ginia Bellafante (Dressing up, New York Times ) "Leitores adultos debandando para Harry Potter (quando não estão abandonando completamente o hábito da leitura); filmes inspirados em quadrinhos e videogames dominando o mercado do entretenimento" [...] "As marcas da infância perpétua são impressas em adultos que são atraídos por: roupas sem formalidade, sexo sem reprodução, trabalho sem disciplina, aquisição sem propósito, certeza sem dúvida e narcisismo até a idade avançada [...] Na época em qu

como Davi ou como Michael Jackson?

Michael Jackson foi um artista extraordinário. Voz inimitável, coreografias surpreendentes, canções marcantes, produções tecnicamente impecáveis. Além disso, apesar das polêmicas e controvérsias de sua vida fora dos palcos, não me lembro de que ele tenha misturado religião e passos do "moonwalk" (o famoso andar deslizando para trás). O Raiz Coral, ligado à música gospel, venceu a semifinal do concurso "Qual é o Seu Talento?" (QST), do SBT. Nessa etapa do programa, o coral cantou e dançou uma música em que alguns trechos da letra dizem "Se o espírito de Deus habita em mim, eu danço como Davi/eu salto como Davi". A canção original diz "Eu canto como o rei Davi". Mas a dança apresentou os passos do "moonwalk".  O que o Raiz Coral queria dizer é: Se o espírito de Deus se move em mim, eu canto como Davi e danço como Michael Jackson? A comparação é muito forte? Então, olha o que disse um dos jurados do programa, Carlos Eduardo Miranda com

as quatro leis do som alto

Em São Paulo, há um projeto de lei que prevê multa de R$ 1 mil quem usar aparelho portátil com som acima de 45 decibéis em áreas residenciais. Isso também se aplicará a quem ouve funk no celular sem fone de ouvido. Na verdade não precisa ser funk. O caso nem é a música. É a intensidade do som. Esse tipo de ouvinte não se contenta em ouvir só para ele e sai batendo de ouvido em ouvido o seu sertanejo de universitário baladeiro, sua lady gaguejante, seu pop-emo lacrimejante, seu pancadão sacolejante. Mas não se entusiasme. Ouvir Justin Bieber ou Restart não vai virar crime inafiançável. Até porque quem escuta é menor de idade (Se não é de menor, então deve haver algum problema na contagem de parafusos). 45 decibéis equivalem ao barulho de um aparelho de ar-condicionado ligado. Agora você entende porque decibel é uma unidade de medida do som. Se um Bel (o cantor do Chiclete com Banana, por exemplo) incomoda muita gente, 50 deciBéis incomodam muito mais.  “A tolerância para suportar o

a ética e a estética de Avinu Malkenu

Quando ouvi o CD Avinu Malkenu pela primeira vez, estranhei do jeito que se estranha uma novidade. Apesar da beleza do propósito, tudo me pareceu fora de lugar. Dias depois, ouvi o cd outra vez, e me vieram à mente apenas duas palavras: diálogo e origem. A intenção dos produtores do CD (Leonardo Gonçalves e Edson Nunes Jr) é a busca de diálogo com outras culturas, com outras pessoas, ligadas ou não a uma religião. Mas esse diálogo é estabelecido com um profundo arraigamento à própria identidade religiosa. A busca de diálogo é feita a partir da raiz. Não por acaso, a capa do CD é uma raiz. E uma raiz cresce, vira planta, vira árvore, aparece junto com outras árvores, forma floresta, mas seu tronco, suas folhas e seus frutos são só as partes visíveis da raiz que deu origem a tudo o mais. Algumas das músicas de Avinu Malkenu estão enraizadas na tradição litúrgica do judaísmo. Ao mesmo tempo, algumas de suas letras enfatizam aspectos do cristianismo, particularmente do adventismo. Algu

a ética e a estética de Avinu Malkenu - parte 2

Nenhuma cultura está pronta e acabada para sempre. As expressões culturais são dinâmicas, se renovam ao agregar influências de outras culturas. A música judaica influenciou a música ibérica de 10 séculos atrás, fazendo surgir a tradição musical moura. Por outro lado, músicos judeus longe de Israel absorveram a cultura local para renovar a tradição. Assim, ouvindo a festiva canção “L’shana habaa” percebe-se a raiz da música moura/ibérica e como sua percussão está a um passo da música caribenha. Nesse contexto de interação cultural, ouvimos o shofar e o alaúde e também o piano elétrico. Ouvimos a tradição no estilo de Uzi Hitman, compositor de “Adon olam”, e também a modernidade de Nurit Hirsh, regente e também compositora de mais de mil canções, autora de “Osse shalom”, originalmente composta para um festival de Música Chadíssica, de 1969, que se tornou parte da liturgia em sinagogas e comunidades judaicas no mundo inteiro. A simplicidade melódica das canções esconde a sofisticação do

Os Estados Unidos e a saída pela direita

Você já ouviu falar do Tea Party mas não sabe muito bem o que é? Te explico sem meias palavras: é um movimento de extrema-direita que conjuga fundamentalismo evangélico com racismo e ao mesmo tempo prega um neoliberalismo radical em que o Estado deixaria de atuar em setores como educação, saúde e regulamentação dos bancos e se preocupasse só com a segurança pública. Misturando xenofobia com ufanismo raivoso, muitos deles criticam as leis que proíbem empresas privadas de discriminar clientes por raça ou religião e se declaram contrários à concessão de cidadania para filhos de emigrantes nascidos nos EUA. Era esse pensamento fascitóide que pretendia cassar a cidadania de Barack Obama durante a campanha eleitoral de 2008. E até hoje, os militantes do Tea Party vão às ruas com faixas chamando Obama de radical islâmico, anticristo, marxista e nazista. Tudo no mesmo ato. Nascido e criado nos grotões mais conservadores dos EUA, o Tea Party põe no mesmo caldo grosseiro e maldoso religião e

Seis cegos e um elefante, ou, nossa mania de juiz

Era uma vez seis cegos à beira de uma estrada. Um dia, lá do fundo de sua escuridão, eles ouviram um alvoroço e perguntaram o que era. Era um elefante passando e a multidão tumultuada atrás dele. Os cegos não sabiam o que era um elefante e quiseram conhecê-lo. Então o guia parou o animal e os cegos começaram a examiná-lo: Apalparam, apalparam...Terminado o exame, os cegos começaram a conversar: — Puxa! Que animal esquisito! Parece uma coluna coberta de pêlos!                                                           — Você está doido? Coluna que nada! Elefante é um enorme abano, isto sim!                                              — Qual abano, colega! Você parece cego! Elefante é uma espada que quase me feriu!                                 — Nada de espada e nem de abano, nem de coluna. Elefante é uma corda, eu até puxei.                              — De jeito nenhum! Elefante é uma enorme serpente que se enrola.                                                              — Mas

a música do bom samaritano

Assistir uma senhora chamada Rute falando sobre seu serviço de visitação nos presídios impressiona a gente. Ela e uma anciã cujo cristianismo não fica na prédica, mas avança para a prática. Sua história me lembrou de versos bíblicos que ouvi na infância: “estive preso e Me visitaste...” Conhecida pelos presidiários como "Irmã Rute", ela se dedica há muitos anos a esse serviço absolutamente voluntário. Foi assim que conheceu o casal Milton e Nair. Ele, fichado como um dos 10 criminosos mais perigosos do Paraná. Ela, sua companheira. Por razões que só consigo caracterizar como um milagre de transformação pessoal, o casal se tornou cristão. Quem de nós apostaria na conversão do casal? Rápidos em rotular, diríamos que aquele homem era a escória da sociedade, um dejeto social merecedor de coisas piores que a prisão. Mas Milton da Silva cumpriu sua pena e saiu para uma vida completamente diferente. Eu estava ali assistindo aquela senhora falar por uma coincidência. Eu estava al

o twitter é o gatilho mais rápido da internet

Meses atrás, o cantor gospel André Valadão escreveu "evangelizar" com "s" no twitter. Não demorou para que o erro de gramática provocasse o súbito aparecimento de um exército de tuiteiros armados de "z" até os dentes. E não há bicho mais belicoso que um internauta ferido em sua honra gramatical. No twitter, não existe margem nem para as margens de erro. O espaço é para 140 caracteres, mas a tolerância é zero. Quando digitou "cinismo" com "s", a apresentadora Glenda Koslowski também amargou a fúria dos templários que vigiam o jardim da última flor do Lácio. Não apareceu um cavalheiro para defendê-la com um clichê do tipo "quem nunca errou no twiter que atire o primeiro teclado". Muita gente acredita que seu programa Hipertensão, trash no último, foi um castigo que a Globo lhe impôs pelo crime de lesa-idioma. Se a violência do tuiteiro ficasse só na esfera da palmatória virtual com fins educacionais, isso já seria classificad

quando a morte é uma vírgula na vida

Quando estamos mais crescidinhos e já saímos das fraldas dos porquês, as perguntas continuam simples, mas as respostas já são mais complicadas. Existia vida antes da vida na Terra? Existe vida após o fim da vida? As respostas variam conforme o sentido e a compreensão que temos da vida e da morte. Um violoncelista demitido como Daigo Kobayashi só dá sentido à vida quando mais perto está dos mortos. De músico ele passou a “nokanshi”, alguém cuja especialidade é lavar e vestir os mortos para que a família se despeça com a dignidade que a tradição japonesa confere aos funerais. Essa profissão não é bem vista na sociedade japonesa moderna. Até o próprio Daigo tem vergonha de seu novo emprego. Mas é nessa função que ele começará a refletir sobre a vida e a morte. Ele, que se sentia um morto entre os vivos, ao tratar dos mortos passa a enxergar a beleza dos vivos. Daigo reconcilia-se com a música que foi obrigado a abandonar. Mas precisa ainda reconciliar-se com seu pai. Essa é a história