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Mostrando postagens de junho, 2010

mozart, ou a inveja que mata é um mito

Antes de morrer em 1791, aos 35 anos, Wolfgang Amadeus Mozart já se sentia derrotado pela vida. Suas dívidas aumentavam. A alta sociedade deu-lhe as costas. Morreu com a sensação de que sua existência fora um fracasso. Duas fontes que alimentavam sua autoestima e senso de importância estavam quase secas: o amor de uma mulher em quem pudesse confiar, e o amor do público de Viena por sua música. Por algum tempo ele tivera a ambos. Mas há razões para crer que, em seus últimos anos de vida, ele sentia cada vez mais que perdera os dois. Em matéria sobre o assunto, a revista SuperInteressante acerta quando diz que não há vestígios de que Antonio Salieri, compositor da corte do imperador José II, teria envenenado Mozart porque invejava seu talento. Essa estória não é hollywoodiana, apesar do ótimo filme Amadeus (1984), e vem da mania romântica do século XIX de dar aos gênios uma história de martírio social e melodrama individual. Mas a revista erra ao supor que Mozart é que poderia ter

o chute de Platão: o clássico dos clássicos

O escritor José Roberto Torero "descobriu" fragmentos de um jornal grego e transcreveu inventando o relato de uma partida de futebol disputada em 29 de abril de 312 a.C., desde sempre, a mais clássica de todos os tempos: O clássico dos clássicos A final do campeonato deste ano entre os times do Liceu e da Academia foi confusa. Mal começou a partida e os acadêmicos atacaram: Sócrates tocou a esfera para Platão, e este rapidamente devolveu para Pitágoras, que a devolveu para Sócrates, com que o objeto desenhou um belo triângulo escaleno. Então, Sócrates dominou a esfera, girou seu corpo e disparou um petardo contra o arco adversário. O goleiro do Liceu, Aristóteles, apenas pôde assistir à trajetória do bólido, que bateu na haste superior - à qual os escravos chamam de travessão - e caiu sobre a linha. O problema é que a esfera caiu numa poça d'água, ficando metade para dentro e metade para fora. Imediatamente os jogadores formaram uma roda em torno da esfera e teve início u

novo coração antes de nova adoração

Ted Wilson, recém-eleito presidente mundial das igrejas adventistas, reiterou "a necessidade de reavivamento e reforma". Algumas pessoas poderão entender que é preciso radicalizar os apelos à reforma dos hábitos alimentares, enquanto outras pensarão que se carece de um novo tipo de culto para reavivar o espírito dos fiéis. De fato, boa parte dos adventistas precisam experimentar no cotidiano os princípios de saúde oficialmente propostos pela sua igreja, mas sem radicalizações que sugiram perfeccionismo. De outro lado, há real necessidade de um reavivamento espiritual, que não passa por um novo modelo de adoração na liturgia, mas sim pela atitude diária de comunhão durante a semana que precede o culto. Russell Burrill , em Waking the Dead , escreve sobre o significado de adoração e reavivamento (a tradução é do Pr. Isaac Meira): "O problema repousa na tentativa de algumas igrejas adventistas de copiar os paradigmas de adoração de outras denominações. Não que esses paradig

saramago: a ética e a estética

José Saramago foi um artífice da palavra dos últimos 30 anos. Se as convicções de um homem espalham-se como pegadas pela sua obra, é possível enxergar o homem José nas letras de Saramago: seu comunismo retórico, seu ateísmo ortodoxo, seu humanismo ferrenho. Saramago polarizava os debates: para os cristãos, ele era demasiadamente ateu para ser gênio; para os ateus, ele era gênio inclusive porque não era cristão. Para os cristãos mais liberais, sua estética desculpava sua ética; para os ateus neoliberais, sua gramática não desculpava seu comunismo. Há quem ache exagerado o foco dos crentes ao Saramago ateu em detrimento do Saramago escritor. Acontece que o autor português fazia questão de destacar nos livros seu anticlericalismo e, sobretudo, suas ideias anti-Deus. De Memorial do Convento a Evangelho segundo Jesus Cristo e chegando a Caim : no pensamento de Saramago, Deus é um obstáculo à liberdade humana e as igrejas são lideradas por gente inescrupulosa e frequentadas por g

concerto para vuvuzela em si bemol

o poeta, a criação e a cruz

Te Vejo Poeta Te vejo Poeta quando nasce o dia E no fim do dia, quando a noite vem Te vejo Poeta na flor escondida No vento que instiga mais um temporal Te vejo Poeta no andar das pessoas Nessas coisas boas que a vida me dá Te vejo Poeta na velha amizade Na imensa saudade que trago de lá Contudo um poema, Tua obra de arte Destaca-se à parte numa cruz vulgar Custando o suplício do Teu Filho amado Mais alta expressão do ato de amar Certa vez, a crítica teatral Barbara Heliodora disse que as únicas imagens que não podiam ser criticadas eram as imagens reais da natureza. “Ninguém vê um pôr-do-sol e diz: ah, este pôr-do-sol está muito acadêmico”. De fato, para criticar a natureza é preciso níveis absurdos de rabujice. E quando falo natureza me refiro ao que o ser humano ainda não conseguiu destruir: a formação das nuvens, a alvorada, uma colina, uma árvore. "Os céus proclamam a glória da criação" , cantava Davi, o rei-poeta, quando, maravilhado, ficava a pensar nas obras das mãos

lady gaga e a zebra caleidoscópica

O que há de novo no front pop? Muito e nada. Muito , porque a indústria pop vive de alimentar o mundo com novos rostos, novas vozes, novos corpos que se perpetuam por uma estação, se tanto. Nada , porque essa indústria vive de retroalimentar-se com shows do tipo “a última turnê da banda X”, “o reencontro dos músicos da antiga banda Y”, “o maior sucesso de todos os tempos do fim de semana”. A música pop é um baú de velhas novidades. O mercado pop trabalha com rendas milionárias. É um mercado louco, mas que ainda não rasga dinheiro. Por isso, não abdica das fórmulas que se repetem com uma gagueira incontrolável. Nada mais representativo dessa gagueira do que o fenômeno Lady Gaga. A nova estrela eterna-enquanto-dure do pop é Lady Gaga. Formada na Academia Madonna de Marketing Escandaloso, Lady Gaga eleva a excentricidade sexual e a bizarrice pessoal à enésima potência. E o que é que a Gaga tem? Tem música pra se dançar? Tem. Tem vídeo pra provocar? Tem. Tem roupa escalofebética? Tem.

um poema: quem é o meu próximo?

Olha o homem no chão, Roubado, meio morto Quem terá compaixão, Será amparo e porto? Lá vem o sacerdote Pelo mesmo caminho, É certo que devote Cuidados e carinho. Mas ele passa ao largo Prossegue para igreja E lá cumpre seu cargo E diz: “Louvado seja!” Olha o homem no chão, Roubado, meio morto Quem terá compaixão, Será amparo e porto? Decerto o levita Que desce e o vê também Mas prossegue e o evita Nem o fita. “Amém!” Mas o samaritano Que vinha de viagem Tido por desumano Levou-o à estalagem Não pensa em perda e dano E dá do seu dinheiro E resume seu plano: “O custo pago inteiro” E ensina: “O meu próximo Quem é? É todo aquele De quem me aproximo.” Pois o amor lhe impele. Poema de Silvestre Kuhlmann , músico cristão. Imagem: O bom samaritano (1852), de Eugène Delacroix (1798-1863)

a pátria evangélica de chuteiras

A FIFA proibiu que as seleções que disputam a Copa do Mundo façam manifestações religiosas, como fazer rodas de oração após as partidas. Proibiu também que os jogadores mostrem camisas com inscrições relacionadas à fé. Grupos evangélicos começam a articular-se contra essa norma da FIFA. Dizem que isso fere a liberdade de consciência dos jogadores. A FIFA responde que não quer fazer de um evento esportivo um palco para religião e política (a entidade proibiu também manifestações de caráter político, embora futebol e política seja uma receita favorita nos bastidores). A FIFA está errada? A entidade maior do futebol mundial está cerceando a liberdade de expressão, algo que se tornou um bem tão sagrado da sociedade? Por outro lado, os mesmos evangélicos que querem ver sua fé confirmada numa competição laica estariam discutindo a liberdade de expressão e crença se, em vez de frases cristãs, um jogador vestisse algo dizendo "I belong to Buda", ou "Sou 100% Ogum"? Ou

o livro é um objeto bioagradável

Num dia de sábado feliz, amigos estiveram em minha choupana para um bate-papo acompanhado de almoço. O inevitável álbum de família foi descoberto e seguiu-se o tradicional “recordar é viver”. Entre uma desculpa e outra que apresentei sobre a caboquice (caipirice, em língua amazônica) de minhas tenras caras e bocas, revi uma foto que me chamou a atenção: eu, de aniversariante de 7 anos posando para o papai, para a mamãe, mais uma foto para a titia que tem uma sensacional máquina fotográfica descartável Love, outra foto com a bola, com o helicóptero e, o retrato de que falei, com uma revista Nosso Amiguinho . Você tem uma foto de criança em que você está lendo um livro? Acho que isso explica meus momentos de devoção aos livros e o súbito esquecimento da vida que passava do lado. Depois fui lembrando de que eu fuçava livros e revistas na casa de minha avó, que tinha de ralhar (sim, naquele tempo se ralhava) comigo dizendo: “Larga esse livro e vai brincar com teus primos na rua,

o que fazemos com o Cristo vivo?

O que teria acontecido com o corpo de Cristo, sepultado há dois mil anos? Foi sequestrado pelos seus seguidores? Foi escondido pelos romanos? Ou Cristo de fato ressuscitou? Uma simples resposta positiva a uma das duas primeiras questões mudaria completamente o sentido do cristianismo. O apóstolo Paulo já adiantava as consequências: "Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé". No entanto, se sim, Cristo ressuscitou dentre os mortos, então essa verdade não apenas corrobora o cristianismo bíblico como também altera o sentido da existência humana. Desse modo, a ressurreição de Jesus não seria um mito fundador da religião cristão. Ao contrário, seria uma verdade lógica. Seria um fato . A crença nesse fato mobilizou as primeiras comunidades cristãs que procuravam viver de acordo com os ensinamentos de Cristo. Três desses ensinos moviam seus corações: eles ajudavam-se mutuamente em tudo ( o "amai-vos uns aos outros" ), eles disseminavam a boa nova do evangelho em todos o