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Mostrando postagens de setembro, 2009

o livro didático dos insultos

A escola está desesperada. Como o aluno parece mais interessado em atualizar suas fotos no Orkut, os pedagogos acreditam que a escola precisa falar o idioma natural infantojuvenil para fazer o estudante de muito MSN e poucos engenhos se interessar pelo idioma natural acadêmico. A novidade é simples: se “todos” falam palavrão, então que os livros didáticos também falem palavrões. Apesar do que sugerem expressões fortes como “os catetos da hipotenusa” ou “ácido desoxirribonucleico” ou, tirem as crianças do blog, “oração coordenada sindética aditiva”, os palavrões nesses livros são mais prosaicos. Também ainda não foi o caso de Tiradentes aparecer xingando a mãe do delator Silvério dos Reis ou Zumbi mandando a corte imperial tomar banho num afluente do Rio Amazonas, mas o nível de recentes livros didáticos lançados em Minas e em São Paulo periga receber o carimbo censor pelo uso de “linguagem chula e imagens impróprias”. O ensino escolar dos nossos pais e avós é acusado de ter sido basead

cem palavras: viver a vida

Não, caríssimo antinoveleiro, não vou falar das velhas peripécias noturnas globais, ou recordais, sbtais. Vou citar uma entrevista de um professor que li recentemente na Gazeta do Povo , jornal paranaense. Trata simplesmente de qual é nossa postura e atitude diante da vida. Serei eu herói da minha própria vida? - David Copperfield (by Charles Dickens). Eu digo o seguinte: a maioria das pessoas é náufraga na própria vida. – Newton Carneiro Affonso da Costa, matemático e filósofo.

black christian is beautiful

No domingo à noite, dia 20, fui convidado para acompanhar ao piano um grupo musical que me deixou com uma santa comoção, se posso dizer assim. Não apenas a qualidade das vozes chamou a atenção da congregação. Certamente, não poderia passar despercebida uma outra qualidade: todos os componentes eram negros. Reunido em pouco menos de duas semanas, os cantores não formavam um grupo oficial. Era apenas um “coral black” para aquela ocasião especial. De pré-adolescentes até um casal de idosos, passando por jovens brasileiros e angolanos, o grupo cantou músicas tradicionais e contemporâneas com o empolgante estilo de cantar a que nos acostumamos. Eu estava embevecido pela qualidade musical e agradecido por estar participando de um momento no qual eu voltei a compreender o que significa “alegre reverência”. Ninguém rodopiou, nem fez gestos extravagantes nem palreou línguas incompreensíveis. Somente música apropriadamente feliz que nos deixou felizes. Vale dizer que a banda (com metais, baixo e

fábulas menores - opus 6

Das notícias que correm o mundo, há aquelas que nos surpreendem. Jornalistas iraquianos, desportistas brasileiros, cantores de volta à fama via YouTube. Nossa seção "fábulas menores de moral mínima" pega carona no noticiário-mentira e humor-verdade, afinal, certas notícias parecem fábulas. E se não são, nos encarregamos de torná-las fábulas. Mas a moral mínima é por conta dos protagonistas reais dessas histórias. O santo sapateiro Lembra quando Bush ganhou (mas não levou) duas sapatadas de um jornalista iraquiano? O atirador ruim de mira acabou de sair da prisão e foi presenteado com uma casa maior para morar, um carro novo, uma homenagem da cidade natal em forma de sapato-estátua, mais plano de saúde, mais uma bela quantia enviada por admiradores, mais propostas de casamento. Sinais dos tempos: já vão longe os dias em que as celebridades iraquianas eram mortíferos homens-bomba que não sobreviviam para ajuntar tesouros que a traça corrói. Nelsinho Piquet, o kamikase Depois d

música sacra: novas ações para um novo tempo

De quantos prêmios se precisa para fazer um gênio? De nenhum. Gigantes da arte cinematográfica como Charles Chaplin, Alfred Hitchcock e Orson Welles nunca ganharam o Oscar, considerado a premiação máxima do cinema de língua inglesa. Eles ganharam Oscars pelo conjunto da obra que, por pouco se tornaram póstumos, soaram mais como um pedido de desculpas. Eles precisaram do Oscar para cultivar sua arte e entregar produtos estéticos imperecíveis? Não. Um prêmio como o Oscar, ou o Grammy, de música, tem a capacidade de alavancar as bilheterias de um filme ou um disco premiado. Entretanto, mesmo sabendo que grandes artistas, filmes ou canções também foram justamente galardoados, não se pode esquecer que tanto o Oscar quanto o Grammy são premiações da indústria cinematográfica e fonográfica. Os votos são secretos, a auditoria da Price-Waterhouse é insuspeita, há boas obras concorrendo, mas um prêmio do mercado tende a favorecer as produções de sucesso no mercado. Os produtores da música evangé

é fantástico: as entrevistas didáticas de patrícia poeta

Cada país tem a entrevista do Fantástico que merece. Primeiro, foi a mãe da menina Isabela, Ana Carolina Oliveira, uma mãe cuja postura serena diante da tragédia do assassinato da filha (os acusados eram o próprio pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta) era vista como frieza. As pessoas esperam que uma mãe chore desbragadamente, e se ela não chora, chamem as fantásticas e manipuladoras entrevistas para conseguir o feito. A coincidente data da entrevista? O dia das mães. A entrevistadora? A jornalista Patrícia Poeta. Quando Ana Carolina começava a embargar a voz, a câmera avançava até os olhos lacrimejantes da mãe a fim de compartilharmos sua dor mais de perto. Ao mesmo tempo, a entrevistadora não deixava a entrevista acabar e dizia, em off, “Respira fundo”, ou tocava os joelhos da mãe. Apoio emocional de mãe para mãe? Recurso profissional para que a entrevistada não desistisse de falar? O close numa girafinha de brinquedo, lembrança da filha vitimada, a câmera que filma a entrevistadora

a voz na música sacra

Há um tipo de voz conhecido como “voz pequena” que define tanto a incapacidade de cantar em alto volume quanto a atitude consciente de cantar com economia de recursos vocais. Vou tratar aqui do segundo quesito. Desde a bossa nova, o canto sussurrado de João Gilberto tornou-se um paradigma de interpretação para a música popular brasileira. Tirando os descendentes diretos dessa maneira de cantar, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Nara Leão, outros cantores foram profundamente influenciados pelo modo bossanovístico de emissão vocal. Roberto Carlos, por exemplo, é um dos raros cantores românticos que não se esgoelam. Mesmo nos tempos do rock da Jovem Guarda, ele cantava e dirigia “nas curvas da estrada de Santos” com a maior calma. Esse jeito mais despojado de cantar era característica de intérpretes estangeiros do naipe de Mel Tormé, Billie Holliday e Julie London. Nos últimos anos, essa tradição da voz pequena, como nota o jornalista Sérgio Martins ( Veja , 2/9/09), se ouve no canto

II guerra mundial: 70 anos em 7 filmes

Quem tem mais de 30 anos aprendeu na escola que a II Guerra Mundial (1939-1945) foi uma guerra necessária que uniu as nações democráticas contra o nazi-fascismo, uma guerra cujos veteranos desfilam orgulhosamente nos dias cívicos, enfim, uma guerra justa do Bem contra o Mal. Claro que não foi só isso. Na época, o cinema foi convocado a alistar-se como soldado-propaganda dos países aliados. Ao relembrar que a II Guerra teve seu início há 70 anos, relembro também 7 filmes, mesmo sabendo que essa guerra inspirou um número de filmes igual a setenta vezes sete. A seguir, um recorte temático com os filmes escolhidos: A propaganda de guerra Rosa da Esperança (1942) é um melodrama elegante sobre uma família inglesa aprendendo a conviver com a guerra. Seus personagens, em especial a matriarca, Sra. Miniver, enfrentam suas perdas com altiva perseverança, comovendo o público e levando-o a encampar o esforço de guerra. Até o presidente Franklin Roosevelt, percebendo a força da propaganda, pediu p

para ler descansando

Bravos leitores do Nota na Pauta: feriado de Independência chegando, espírito de descanso 10, espírito cívico 0. Deixemos nossos labores por um tempo e espreguicemo-nos à sombra - alguns vão preferir o sol, eu sei. O blogueiro do lá de cá volta às postagens na quarta-feira, dia 9. Até lá! Aproveito para indicar textos anteriores: Para o sábado, uma reflexão: Por falar em música e religião Para o domingo, uma questão: Everybody loves iPod Para a segunda-feira pátria, só rindo: Notas semínima noção

José Saramago, sentimental e hormonauta

Não digo que Saramago é um mau escritor. Mas na maioria das vezes ele é ilegível. Sua prosa encharcada de ironia, suas frases prenhes de sabedoria universal, suas descrições entrelaçadas de mordacidade e desilusão são, assim como os adjetivos que alinhei, bastante cansativas por que ele mantém o estilo da primeira à última página. Tirando As Intermitências da Morte , mal consegui ultrapassar a página 100 de outro livro do escritor português. De livro em livro, o estilo se repete. Não há travessões nem aspas para separar os diálogos - a ele lhe basta a fluidez da vírgula, dirão seus admiradores-sem-fim; suas histórias reencenam moralidades que, se ditas por um homem de religião, seriam escanteadas como coisas de uma mente canhestra e conservadora. Claro que deve haver livros interessantes e certamente geniais na obra do escritor fora aquele que já citei. Mas não é sempre que me deixo iludir. José Saramago, o escriba das páginas sem ponto final, o escrevinhador de prosopopeias e fábulas