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Mostrando postagens de março, 2010

a justiça nos tempos da cólera

Fiz de propósito. Recusei-me terminantemente, como se isso fizesse diferença, a ler qualquer notícia sobre o julgamento do casal Nardoni. Mas foi impossível ficar imune a tamanho bombardeio midiático. Aliás, foi uma retomada da cobertura do caso. O clamor do povo encolerizado, os repórteres sentimentais, os teleapresentadores raivosos espumando indignação, as teleapresentadoras comportadas fazendo carinha de santa compadecida, tudo igual posto que só existe retweet de notícia velha debaixo do sol. Mas não escapei ileso. Vi uma repórter referindo-se ao momento em que a mãe da menina Isabela, Ana Carolina Oliveira, falou ao júri mais ou menos assim: “Foi um depoimento emocionado, a mãe chorou várias vezes e até uma jurada derramou uma lágrima”. E ainda é preciso ter diploma de jornalista pra falar uma pieguice deslavada como essa! Não questiono o teor emocional do caso. Afinal, trata-se de uma mãe chorando a perda de uma filha, talvez a maior dor que possa existir. Mas o que faziam

nesse culto (não) se improvisa

- Um número? - 12. - 70. - 230. - 333. - 425. Não, não é um leilão para ver quem dá mais por um objeto valioso. É só um regente democrático que concede à congregação a decisão de escolher uma música do hinário para ser cantada. Ele olha para trás como se olhasse para as coxias de um teatro por onde entrarão os membros da igreja acompanhando o pregador do culto. Alguém acena de lá e o regente entende que deve enrolar, digo, cantar mais uma música com a igreja enquanto seu pastor não vem. O regente aproveita para sem a menor cerimônia avisar que “enquanto a plataforma não entra, cantemos mais um hino em honra em louvor ao nosso Deus”. Isso é o que ele fala, mas o que a congregação entende é: “Estão nos enrolando com essa música tapa-buraco para atrasos eclesiásticos”. Subitamente, ele é avisado de que a “plataforma” vai entrar, ele corta o hino pela metade e já puxa o famoso intróito. Que bonito, que beleza que é o senso de improviso do adorador brasileiro! Se a Reforma tivesse começado

em viagem

Estou em viagem de terça à quinta. O blog volta na sexta. A viagem é para a primeira aula da disciplina do doutorado "Sociologia da arte e da cultura", na Unesp. Great expectations!

cem palavras: revoluções

Revolução costumava ser uma palavra doce como mel que logo amargava como fel. Não custa lembrar que até o golpe militar tupiniquim de 1964 exibia-se vistosamente aos 31 de março de cada ano com o lustroso nome de Dia da Revolução. Os oficiais de caserna apropriaram-se do termo para, em nome da liberdade, tolher liberdades. Assim, ninguém era livre para falar em liberdade. Se ainda hoje vigorasse oficialmente a ditadura, aquela canção que diz “O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade...” seria censurada ainda no berçário das composições bregomânticas. Havendo revolução, logo há contrarrevolução. E os contrarrevolucionários não queriam outra coisa que não fosse outra tal liberdade. Eles queriam instaurar seu reino marxista de paz e amor do mesmo jeito que os militares chegaram ao governo: na base da força. No governo dos “revolucionários de direita”, a oposição era reprimida e todos eram ensinados a cantar os versos “esse é um país que vai pra frente”. No país do contragolp

perdido no bosque da ciência do bem e do mal

Em entrevista ao programa Fantástico , o jogador Adriano, disse que seus erros na vida particular se devem a sua insistência em dar ouvidos a uma voz, que chamou de "diabinho", que lhe sopra coisas agradáveis e erradas, em vez de escutar um "anjinho" que lhe recomenda o certo. Sem culpar o tal diabinho, ele admitiu publicamente que não aprova as coisas prazerosas e ruins que acaba fazendo. Adriano, meu caro, você não é o único a viver nessa polarização consciente entre o bem e o mal. Somos eu, você, a torcida do Flamengo e toda a humanidade. Inclua a Patrícia Poeta, que abre as portas do Fantástico para as celebridades apanhadas em pecado expiarem sua culpa e abrirem o coração como a um jornalista. Continue lendo

audioveja: aula de música

Nessa incrível aula de música, Bobby McFerrin prova que a escala pentatônica é poderosamente intuitiva. Audioveja: World Science Festival 2009 Bobby McFerrin Demonstrates the Power of the Pentatonic Scale from Umblu Liber .

o som e a dança dos vegetais

Plantas gostam de Beatles ou Beethoven? Alguns estudiosos têm feito essa pergunta diretamente às plantas e, segundo os experimentos, elas têm respondido de diversas formas. Umas murcham de tristeza com o 1º movimento da Sonata ao Luar (do compositor alemão), outras se assustam com os violinos arrepiantes do final de A Day in the Life (do grupo inglês). Algumas florescem ao som do risonho scherzo da 7ª Sinfonia e outras desabrocham ouvindo a delicada melodia de  Yesterday... Na verdade, esse experimento nunca aconteceu. Eu inventei essa historinha para falar dos mitos que cercam as pesquisas sobre a reação das plantas ao som e à música.  Mas quantas vezes você já não leu ou ouviu algo parecido [embora com elogios a Beethoven e nunca aos Beatles]? Agora veja que até Charles Darwin procurou saber se a música influenciava o crescimento das plantas. Conta-se que ele sentou diante de um exemplar de "Mimosa L." e tocou seu fagote para estimular o movimento das folhas d

o futebol é uma caixinha de cerveja

A propaganda vive de seduzir o espectador. As táticas são variadas: gritos e frases aceleradas para vender guarda-roupas e televisores, vozes sussurrantes em slow motion para vender carros de luxo. Os publicitários parecem entender que o cliente das Casas Bahia, além de ser um sujeito que paga um sofá em 24 parcelas, também é surdo. A propaganda trabalha à luz dos estereótipos. Cerveja virou rima de praia, sol, sensualidade, descontração. As companhias publicitárias julgam que a advertência “beba com moderação”, aliás, “APRECIE com moderação”, cumpre sua responsabilidade social. Os casos de cirrose hepática, assassinatos e acidentes no trânsito não podem ser postos na sua conta. Afinal, elas foram gente boa e avisaram, né? Ok, carro também mata, mas nada disso aparece nos reclames. É porque carro e cerveja têm efeito semelhante no consumidor. Senão, vejamos: - Comercial de carro tem mulher de cabelo esvoaçante y otras cositas más . O comercial de cerveja tem mulher com o

davi, golias, seis oscars e uma mulher

E Avatar ganhou, mas não levou. Qual a explicação para os seis Oscars de Guerra ao Terror , uma pequena produção que passou quase incógnita nos EUA e superou o megasucesso Avatar , de 2 bilhões de dólares arrecadados, visto como a salvação da lavoura do cinema na batalha contra a praga do home theater e da pirataria? Estaria Roliúdi desprezando a dinheirama em prol dos baixos custos de produção? Seria a vontade de muitos em ver um Davi cinematográfico derrubando o Golias-Avatar? Ou seria o apelo de premiar uma mulher como diretora pela primeira vez, ou vê-la derrotando o ex-marido, justamente o James Cameron produtor-diretor de Avatar ? Nada disso. Primeiro que Roliúdi é doida mas não rasga dinheiro . Os investimentos vão continuar em megafilmes, ainda que de pífias histórias. A questão, me parece, é o medo do “filme do futuro” que Avatar representa. Nesse futuro, atores e atrizes (votantes no Oscar) são pouco necessários, valendo muito mais a tecnologia de ponta para fisgar os

no embalo gospel de sábado à noite

"Eu e minha noiva nos divertimos muito, dançamos, cantamos e saímos de lá às 3 horas da manhã com a alma purificada", diz o publicitário Fábio Faroni. O casal estava num show da Ivete Sangalo ou de Ed Motta? Não. Eles estavam na Balada LoCAL da Comunidade Apostólica Livre, a qual, segundo matéria da revista Up!Gospel (nº 8, ano 2), "agitou mais de 400 pessoas com ritmos como eletrônico, black e forró". Na Cristoteca, há uma missa à meia-noite e depois o som segue rolando até a alvorada. Tem ainda: Gospel Night - a festa , Pré-Reveillon Gospel , Gospel Night Fantasy , Festa Jesuína , Cristoteca ,... Os sons são diferentes, mas a linguagem é a mesma para agitar o esqueleto evangelizado, mexer o corpitcho batizado, curtir a vida transformada que Jesus-me-deu! A questão não é discutir se há honestidade espiritual ou não nas estratégias formuladas pelos líderes religiosos ou se o público-alvo é de fato atingido pelas mensagens musicalizadas. Mas há alguns pontos a ponde

Haiti : um caso de esperança e profecia?

O Time.com noticia uma história sobre Junon Brutus, uma mulher haitiana adventista do sétimo dia, que teria avisado o presidente do Haiti sobre tragédia iminente. A seguir um resumo da reportagem [Os trechos entre aspas e em itálico são tradução direta]: “Pessoas em Port-au-Prince chamam Junon Brutus de Soeur Junon (Irmã Junon), e descrevem-na como profetisa e mensageira de Deus” . Hoje com 42 anos de idade, Junon Brutus deixou o Haiti aos 11 anos e mora atualmente em Orlando, na Flórida, onde trabalha como corretora especializada em investimentos em imóveis comerciais. “Ela disse que retornou ao Haiti para entregar a mensag em de Deus. Em janeiro de 2007, ela disse que ouviu a voz de Deus revelar-lhe que um desastre atingiria o Haiti” , (...). Ela tentou falar com o presidente haitiano René Préval, mas não foi recebida. “Ele não ia me ver, diz Junon , Ninguém acreditou em mim, e eles pensaram que eu era uma maluca” . Após a tragédia, “o governo e o povo do Haiti estão lhe trata

um homem invictus

Nelson Mandela é um homem que não foi derrotado; é um homem invicto. Após quase 30 anos na prisão sob a linha segregacionista do regime apartheid, Mandela saiu da cela prisional para o salão presidencial. Com o poder nas mãos, ele tinha tudo para encarnar os temores de uma grande parcela dos brancos da sociedade sul-africana: vingança, revanchismo, ajuste de contas. Com o poder nas mãos, ele tinha tudo para incorporar as expectativas de uma grande parcela dos negros sul-africanos: idem, idem, idem. Mandela, porém, superou os preconceitos e medos de todos os lados ao propor a construção de uma nova sociedade baseada na reconciliação. Para tanto, duas decisões foram significativas. Primeiro, a realização da chamada “Comissão da Verdade e da Reconciliação”. Em vez de estimular uma caça aos promotores sanguinolentos do apartheid ou conduzir uma anistia ampla e irrestrita apenas como forma de esquecimento dos horrores da segregação racial, aquele tribunal colocou cara a cara