Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2006

O TODO-PODEROSO

Há algum tempo me contaram uma história sobre um homem dos tempos do Velho Testamento que era tido como fiel e temente ao Deus Jeová. Certo dia, esse homem recebeu em sua tenda um viajante cansado e idoso, como são descritos alguns homens do Livro do Gênesis. Mas, como um desses homens do Gênesis, o viajor era também um homem de fibra e vigor, o que ficou claramente demonstrado quando, numa conversa com o anfitrião, contestou a existência de Deus, o Deus ao qual o senhor da tenda era leal. Irritado com a recusa daquele ancião em acreditar no Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o anfitrião, também um homem de fibra, demonstrou claramente o seu vigor expulsando o hóspede de sua tenda e rogando-lhe uma dezena de pragas. À noite, Deus veio em sonho até o homem que acreditava nEle e lhe disse: "Meu filho, você julgou e condenou aquele ancião em uma noite. Durante 80 anos aquele homem tem Me negado, Me vilipendiado com seus atos e palavras, mas Eu não tirei o seu direito à vida."

ADEUS, SIVUCA SEVERINO

E mais um Severino se foi. Aos 76 anos, Sivuca, nascido Severino Dias de Oliveira, deixou os bailes e palcos da vida. O nordestino Sivuca, que trazia na sanfona as marcas das vidas secas e severinas, encantou o mundo com choros e baiões, misturando Bach com Pixinguinha, levando a feira de mangaio pra sala de concertos, dando o privilégio de sua albina companhia tanto à Harry Belafonte e Toots Thielemans quanto à Chico Buarque e a Orquestra Petrobrás Pró-Música. 'Adeus Maria Fulô', Adeus Severino, Adeus Sivuca.

SAÍDA PELA DIREITA

O homem não toma jeito, não muda mesmo. Parece que não há menor chance de variação ou sombra de mudança. A última foi a saída pela direita do tenor Roberto Alagna em pleno La Scala de Milão, templo da ópera mundial, quando foi vaiado em cena pelo público extremamente exigente. No dia seguinte, o cantor deu a desculpa esfarrapadíssima de que estava com a garganta seca de emoção por estar no papel de Radamés, da ópera "Aída", de Verdi. É claro que a emoção não o impediu de abandonar a parceira de cena, que ao ver o tenor saindo das luzes da ribalta deveria ter cantado, se conhecesse, o "Não se vá" de Jane e Erodin, ou o "Vá com Deus", de Roberta Miranda. Quando confrontado com a exigência do público, que estava insatisfeito com algumas declarações de Alagna dadas à imprensa na véspera do espetáculo, o primo signore , versão minha para a prima donna, nem sempre agüenta o tranco e a saída é a de sempre: sutilmente à francesa ou explicitamente pela direita. Alg

NO PAÍS DOS FRANCISCOS

Você conhece alguém que não gosta do Chico Buarque? Porque do Caetano... Se este possui todos os predicados para ser odiado na mesma medida em que é amado, o autor de "A Banda" foi bafejado ao nascer pela soma de todas as qualidades. Senão, vejamos: O homem nasce neto de general e filho de sociólogo, aliás, não somente um sociólogo, mas "o" sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, pioneiro no estudo dos Brasis do homem cordial. Estudante de Arquitetura no Rio, mal sabia tocar violão e aquele imitador barato de João Gilberto vence um Festival cantando e vendo A Banda passar. Eleito a única unanimidade brasileira da época, passaria de herói a vilão em pouco tempo, o que, tendo por inimigo os generais golpistas só pode mesmo enriquecer um currículo. O moço é imcompreendido pela massa leninista-trotskista-guevarista quando se junta à Tom Jobim e escrevem "Sabiá". E, blasfêmia das blasfêmias, vencem o refrão "quem sabe faz a hora não espera acontecer" de

QUEM COM MENUDO FERE, COM RBD SERÁ FERIDO

A invenção da adolescência: um tema propício para encontros de pais e mestres. Talvez pior que uma sonífera palestra sobre a invenção da adolescência seja a invenção dos filmes para adolescentes. Foi a sensação que eu tive ao final do filme High School Musical , ou melhor, Rebeldes Americanos com Roupas Mais Comportadas. Na máquina de videopôker que é a TV e o cinema americanos, a aposta deu certo e eis que surge mais uma franquia. Série que vira cd que vira dvd que vira roupa que vira acessório que vira eterna rolagem da dívida dos pais. Os roteiristas e produtores de um seriado desses ou são adolescentes que desconhecem o termo "orçamento doméstico" ou são pais adultos que precisam inventar um seriado que lhes aumente a receita para que eles possam quitar as despesas que seus filhos fazem ao assistir alguma série adolescente por aí. Mas não perca os cabelos, pai muquirana! Calma, mãe descabelada! Como vocês ouviram muito Pluct-Plact-Zum e Menudo, agora estão sendo punidos a

SELEÇÃO BRASILEIRA DE MÚSICA

Há alguns anos li um artigo que escalava os imortais da literatura numa seleção de futebol. Muito boa a idéia. Mas como é difícil imaginar Machado e Graciliano, de estilos contrastantes mas necessários, dividindo a meia cancha brasileira, eis aqui um selecionado cujo talento nas artes do ludopédio também é difícil de engolir. Mas, se até Zagallo já foi deglutido, abram as cortinas que começa o espetáculo: Goleiro - o ditado não falha: pra ser goleiro, só louco. E o louco de sempre só pode ser Tom Zé. A torcida brasileira, que prefere um guarda-metas que transmita tranqüilidade à defesa, não entende como ele complica o simples e simplifica o difícil. É mais admirado quando joga fora de casa. Ala direita - Quando Dorival Caymmi cruza a bola na cabeça dos goleadores ou ele mesmo marca um gol, a torcida canta alto: " o que é que esse baiano tem?". Sem correria, é um lateral que só apoia quando bem lhe apetece. E com o risco de voltar no mesmo vagar com que subiu ao ataque. A torc

POR FAVOR, NÃO ATIREM NO PIANISTA!

Dia do músico. Podia até ser feriado santo dado o caráter profilático com que se costuma recomendar obras de Mozart. Mas o músico teria que trabalhar para os ouvidos alheios do mesmo jeito e aí deixemos como está. O título "Por favor, não atirem no pianista" lembra aquele do filme do François Truffaut (Atirem no pianista, 1960), mas também vem daquela velha frase de consolação desde velhos recitais: "Não atire no pianista. ele está fazendo o melhor que pode". Lembro também do filme do Roman Polanski, O Pianista , que nos oferece um quadro pouco convencional de um músico. Aproveito o espaço para "recordar e viver" a arte juvenil (ainda não tinham inventado a pré-adolescência) deste escriba virtual e inexperiente, cujas mal traçadas abaixo podem aborrecer muita (se tanta) gente. O pianista geralmente é visto como um agraciado, um privilegiado que lê hieróglifos e fala pelos dedos. Um suprachato que martela o instrumento e o ouvido alheio, exercitando a toler
O primeiro texto deste blog é uma homenagem às pessoas desta cidade, a nossa Ludicapólis, São Luís, que me acolheram com tanta generosidade e ainda maior paciência. O texto foi escrito em maio deste ano, por ocasião do Encontro de Cordas anual da Escola de Música (EMEM), e enviado para um jornal desta cidade. Aproveito o espaço pra abrir o baú das novidades de ontem, das boas-novas de anteontem e das alvíssaras do passado. Também vou aproveitar o hiperespaço pra justificar a arte feita com dignidade e, desde já, firmo o nobre pacto de falar de cinco áreas somente (o blog se chamaria pentagrama, mas alguém com mais iniciativa já possui este título): 1 - música, 2- literatura, 3 - futebol, 4 - filmes, e 5 - o que der na carcomida telha deste que vos fustiga a paciência.

M DE MOZART E MARACATU NO MARANHÃO

M DE MOZART E MARACATU NO MARANHÃO Antonio Rayol respirava ansioso no camarim do Teatro São Luís. Eleito vice-diretor da Academia de Música do Rio de Janeiro, o maranhense voltava à cidade natal para uma série de concertos. Não bastasse ter de estar à altura do sofisticado público ludovicense, lembrar que uma de suas peças escolhidas, a Serenata Brasileira, não seria apresentada devido à gripe contraída pela soprano, só não o deixava estressado porque stress era uma palavra desconhecida na época. Mas, entre um compositor barroco e um Mozart, afinal, era o ano de 1891 e lembrava-se naquela noite o centenário da morte do gênio de Salzburgo, a platéia aplaudiu freneticamente a polka Pastorinhas, obra do agora mais calmo Rayol. A história acima pode ter acontecido ou não na São Luís novecentista, cujos espectadores do século XXI reviveram noites gloriosas da música de concerto, comum no outrora chamado Teatro São Luís, ainda esporádico no Arthur Azevedo. Na noite de quarta-feira