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Louvor Congregacional - parte 1: o som dos cultos


Antes da reforma musical de Martinho Lutero e João Calvino no século 16, quem ia à igreja raramente cantava. A parte musical era desempenhada exclusivamente por profissionais, que, além de tudo, cantavam num idioma desconhecido para a maioria das pessoas (o latim), enquanto a congregação praticamente só assistia à missa. Alguns reformadores protestantes devolveram a música de louvor e adoração para a congregação, e hoje ninguém imagina entregar o ato de louvor para um corpo profissional de “adoradores”.

No entanto, às vezes levamos o louvor congregacional de volta aos tempos anteriores à Reforma. Isso acontece por alguns motivos, dentre os quais destaco: (1) o volume alto da banda e das vozes que acompanham o momento de louvor e (2) o desconhecimento dos cânticos, tradicionais ou contemporâneos, selecionados para os cultos.


Aumentar o volume dos instrumentos musicais não vai aumentar o espírito de louvor da congregação. Como já sabemos, a igreja não vai tentar cantar mais forte que o som da banda (ou do playback), não importa quantas vezes o líder de louvor repita: “Cantem com todo entusiasmo!”. Dessa maneira, tudo o que teremos é música tocada em volume alto.

Nós, músicos e cantores, queremos que a igreja participe do louvor e que se envolva no canto. No entanto, pegamos cinco instrumentistas e dez cantores, todos com microfone, todos amplificados nas caixas de som, e depois reclamamos que a igreja continua sem cantar. Um problema pode estar no espírito de louvor que o indivíduo traz para o culto. Mas você já parou para pensar que outra razão para a igreja não cantar conosco pode estar no volume das vozes e da banda?

Acho muito bonito quando um grupo de pessoas canta o louvor a três ou quatro vozes. Mas, e a voz da congregação? Muitas vezes a voz da igreja é ouvida apenas na última estrofe ou no último refrão.
Com base em uma carta de Ellen White, alguns defendem que o louvor deve sempre ser dirigido por um grupo de cantores. Um dos parágrafos diz: “Escolha-se um grupo de pessoas para tomar parte no serviço do canto” (Carta 170, de 1902). Particularmente, acho uma ótima ideia envolver mais pessoas e tornar o momento de louvor congregacional mais harmonioso e bem realizado. No entanto, na época dessa carta, não havia caixas amplificadas, sistemas de som estéreo nem microfones para os cantores. Mal havia hinários disponíveis para todos. Então, um grupo de pessoas, de bons cantores, parecia bem adequado para conduzir todos no canto.


A participação de um grupo de pessoas no louvor congregacional não é indesejável. O problema está no alto volume dos microfones, o que faz com que seja difícil escutar a voz da congregação. Às vezes, a pessoa não consegue escutar a própria voz. Isso inibe a participação da igreja que, em vez de participar, passa a assistir ao louvor.

Desse modo, quando a música não é bem conhecida de todos, seja uma música proveniente do hinário ou dos DVDs contemporâneos de louvor, e quando o som das vozes e dos instrumentos musicais está alto demais, a congregação acaba terceirizando o louvor para um grupo seleto de pessoas. Infelizmente, quando essa conjunção de fatores acontece, recuamos aos tempos anteriores à Reforma.

Como podemos equalizar a participação de músicos, cantores e membros da congregação? Seguem algumas dicas:
  1. Não intensifique demais o volume dos instrumentos. Procure equilibrar o instrumental das bases rítmica e harmônica de modo a não sufocar as vozes e nem os instrumentos que dão o “chão” da tonalidade e da harmonia, como o violão e o piano.
  2. Evite solos durante as frases cantadas pela congregação. Não importa se você está tocando piano, guitarra ou saxofone. Estude a música que você vai acompanhar e selecione alguns trechos para reforçar a melodia e outros em que você possa fazer um contracanto à melodia, como as partes entre as frases cantadas.
  3. Instrua a equipe de louvor a controlar a intensidade da voz e/ou a distância em relação ao microfone. Uma boa qualidade das caixas de retorno também ajudam a equipe a se ouvir e, assim, evitar cantar forte demais. Outra alternativa é variar a quantidade de cantores: pode haver grupos de 8 pessoas, mas também grupos de 2 ou 3 cantores.
  4. Nossa equipe de louvor não está à frente da igreja para cantar mais alto que todos, nem para mostrar como se deve louvar, mas para apoiar, orientar e conduzir as vozes da congregação. No final da carta que citamos acima, Ellen G. White disse: “Nem sempre o canto deve ser feito apenas por alguns. Permita-se o quanto possível que toda a congregação dele participe”.
Somos chamados a cantar e tocar de todo o coração e de todo o entendimento, e não de todo volume. Vamos organizar, apoiar e orientar os momentos de louvor para que a igreja se sinta confortável e estimulada a participar também de todo coração e entendimento. Não nos esqueçamos de que o louvor é congregacional.

* Com este texto, inicio uma série de artigos sobre louvor congregacional. Espero contribuir para o crescimento e desenvolvimento dos ministérios de música da igreja.


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