O jovem padre Sebastião Rodrigues (vivido pelo
ator Andrew Garfield, de Até o Último Homem) viaja para o Japão do século 17
a fim de descobrir o paradeiro do padre Cristóvão Ferreira (Liam Neeson). Correm
boatos de que o padre Ferreira apostatou após várias horas de terrível tortura.
Ao ver com seus próprios olhos a feroz perseguição aos cristãos japoneses e
missionários europeus, Rodrigues começa uma viagem para dentro de sua própria
fé, vivida agora em meio à dúvida e à tortura: por que Deus está em silêncio?
Essa viagem existencial e espiritual é contada sem
pressa e com muita consistência pelo cineasta Martin Scorsese, dando tempo para
o espectador acompanhar como o padre Rodrigues é obrigado a esconder sua fé, para
não trazer morte cruel aos fiéis, e a calar sua dúvida, para não se abater pelo
desespero.
Rodrigues é delatado às autoridades e descobre seu
próprio Judas, o japonês Kichijiro, homem que viu sua família inteira executada
na fogueira, e que vive atormentado pela traição e pelo medo da morte.
Esta é a história de Silêncio, que se passa no Japão
do início do século 17, quando havia cerca de 300 mil cristãos no país e, em
menos de 50 anos, esse número foi reduzido drasticamente. Motivos comerciais,
políticos e religiosos levaram à expulsão de missionários católicos europeus e,
entre 1614 e 1640, mais de 5 mil cristãos foram mortos. Numa das primeiras
execuções públicas, 26 cristãos japoneses e europeus foram crucificados no
inverno de fevereiro de 1587, próximo à cidade de Nagasaki, onde hoje se vê um monumento em
sua lembrança ("Museu e Monumento dos 26 Mártires" - foto abaixo - conheça o museu aqui).
Colégios e hospitais foram fechados e o clero
nativo foi perseguido. Mesmo assim, persistiu uma atividade missionária
clandestina só interrompida por uma caça sistemática e cruel aos fiéis. Os principais
métodos de execução eram a fogueira e o suplício da água (os cristãos eram amarrados
a troncos fincados na areia do mar e alguns resistiam até 3 dias à força da
maré).
Mas os supliciados não renunciavam à fé e até
entoavam cânticos e salmos em meio ao que chamavam de “martírio glorioso”. Os
espectadores desses cruéis espetáculos também cantavam o Magnificat e o Te
Deum.
Por um algum tempo, o martírio reforçou a fé dos japoneses,
até que o xogunato Tokugawa criou meios de longa tortura que levaram milhares
de cristãos à apostasia. Muitos cristãos, quando viam sua família inteira
ameaçada de morte pelo fogo ou pelo afogamento, atendiam à ordem de pisar na
“fumie-e” (uma imagem de Cristo ou de Maria inscrita numa placa de metal). Isso
equivalia ao sinal de renúncia da fé.
No filme, uma das cartas do padre Rodrigues revela confiança:
“Um dia compreenderemos claramente por que a perseguição, com todos os seus
sofrimentos, foi a nós concedida – pois tudo o que Nosso Senhor faz é para o
nosso bem”. Outras vezes, mostra o questionamento do padre: Por que tem que ser
assim, “por que tamanho sofrimento é infligido aos camponeses japoneses?” O
padre, aliás, admira a resistência da fé dos japoneses cristãos, mas se
preocupa ao ver “que eles às vezes parecem ter maior adoração pela Virgem do
que por Cristo”.
O filme Silêncio é uma adaptação do maravilhoso livro
homônimo do escritor japonês Shusaku Endo. Ao filmá-lo, o cineasta Scorsese demonstra
que captou muito bem as questões da fé e a fé no meio das questões. Aliás, a edição
que possuo deste livro traz um prefácio escrito pelo próprio Martin Scorsese,
que escreve: “O Silêncio é a história de um homem que aprende – tão dolorosamente
– que o amor divino é mais misterioso do que imagina; que Ele deixa muito mais
aos caminhos humanos do que percebemos; e que Ele está sempre presente...mesmo
em Seu silêncio”.
O filme não tem trilha sonora além do canto dos
mártires. Não há fundo musical para reforçar o drama, e também não há pressa
para narrar a história de um cristianismo sem caminho de flores que só encontra
paralelo na atual experiência dos cristãos no Oriente Médio. Não vou dar
spoilers aqui. Só digo que o filme vai encaminhando uma declaração de fé que
raras vezes se vê no cinema.
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