Os Arautos do Rei são um quarteto vocal masculino que está em atividade há mais de 50 anos. Como um grupo consegue por meio
século sem perder a força e a relevância?
Me atrevo a
dizer que há, pelo menos, duas explicações plausíveis para a bem-sucedida longevidade do quarteto: a manutenção da ética da missão cristã e a capacidade de atualização da estética da música cristã.
No caso dos Arautos do Rei, essas características tem sido
interdependentes. Isto é, as inovações musicais têm auxiliado o quarteto a se
reposicionar culturalmente em meio à passagem das gerações. Com isso, ele
mantém a relevância de sua mensagem teológica e o sentido de sua missão evangelizadora.
Alguns creem que o texto sagrado e imutável deve ser cantado
com melodias compostas em algum passado distante. Para estes, é como se o tempo,
e não a atitude de adoração e a prática do louvor, consagrasse a música.
Ora, a passagem do tempo nos dá uma falsa perspectiva a
respeito de coisas e eventos. Dessa noção enganosa deriva a ideia de que somente as músicas compostas
no passado, ou semelhantes ao estilo do passado, são sacras. Quem pensa assim
esquece ou ignora que as tais músicas do passado um dia foram “contemporâneas”
e, antes de enfrentar o teste do tempo, encararam o teste do zelo e da
tradição.
Um exemplo: a canção “Hei de Estar na Alvorada”, que hoje
soa tradicionalíssima, foi apresentada com certo receio pelo quarteto ao seu
orador, Roberto Rabello. A música parecia “moderna” demais para o espírito
cultural protestante conservador de 40 anos atrás.
Outro exemplo: as inovações propostas pelo maestro Jader
Santos no final dos anos 1990 tinham o objetivo de manter o quarteto relevante junto à geração jovem que se expandira no meio cristão brasileiro. Hoje ninguém tem dúvidas de que a renovação etária dos componentes do quarteto realizada a partir do CD “Se Ele Não For o Primeiro” propiciou a
renovação do seu público.
Alguns dirão que isso pode ter sido uma jogada de marketing
a fim de encontrar outro nicho de mercado. Bem, da lógica do capital nenhum cristão
está mais ileso. Entretanto, por outro lado, aquela renovação musical e etária atraiu
a juventude para a audição da tradicional densidade teológica dos Arautos. A
renovação do timbre vocal e instrumental diminuiu
o fosso geracional de apreciadores do quarteto.
(Ressalto que a renovação também se deu em termos étnicos,
visto que, além de cantores mais jovens, agora havia integrantes negros, os quais, além de
musicalmente bastante habilidosos, deram ao quarteto uma configuração mais
próxima ao quadro étnico das igrejas no Brasil).
Se o quarteto chegou aos 50 anos com um corpinho de 25, se os Arautos do Rei conseguem reunir em seus concertos públicos mais de duas gerações, é porque eles têm sido bem sucedidos na conservação da relevância teológica e musical em meio às rápidas mudanças culturais e artísticas.
Desse modo, a trajetória dos Arautos do Rei superou a perda de relevância e contraria o inevitável engessamento musical que decorreria do apego ao tradicionalismo cultural.
Recentemente, o quarteto lançou o videoclipe “Tenho Paz”.
Nele, os integrantes andam num jipe por uma estrada e falam de paz com Deus e
com os semelhantes. O acompanhamento é feito com um ukelele e a canção lembra
as canções tranquilas do cantor pop Jack Johnson. Parece que isso tem sido
suficiente para a instalação da controvérsia.
Os críticos, quase sempre cultores do “estilo” dos antigos
Arautos, já estão dizendo que o quarteto está se mundanizando, que a canção é
um reggae (!), que os Arautos não são mais de Jesus...
Mais uma vez os críticos esquecem ou ignoram a história
do quarteto, de suas inovações, todas elas empreendidas com moderação. Omitem, ainda, o fato de que essa é apenas uma dentro do repertório de músicas de andamento lento e reflexivo. Além disso, a beligerância dos opositores das inovações musicais solapa
exatamente a característica de êxito cultural e espiritual dos Arautos: a
capacidade de autoajuste que o mantém relevante musical e teologicamente para novas gerações.
Voltando à pergunta “como os Arautos conseguem se manter
relevantes há mais de 50 anos?”, talvez a resposta esteja num ponto
transcendental. Por que, como explicar que, numa mesma família, pais, filhos e netos gostem dos Arautos, ainda que apreciem músicas compostas em épocas
distintas?
Arrisco a dizer que essa característica de inovação estética conjugada à manutenção da ética missiológica (ou missionária) pode conservar não apenas a credibilidade do quarteto, mas também o sentido e a preciosidade de sua mensagem por muito tempo ainda.
Isso não é uma profecia minha. Digo isso fundamentado na
trajetória conhecida, e às vezes oportunamente ignorada, de um grupo musical que
tem cativado tantas pessoas por tanto tempo.