Eu bem que gostaria que fosse diferente, mas Deus não está
morto é um filme que, embora queira partilhar uma mensagem profunda, é raso de
espírito. Deus não está morto, mas a qualidade do cinema evangélico não passa
bem.
Não vou falar da performance dos atores, da fotografia ou
dos diálogos, todos de um primarismo que se nivela a um seriado bíblico da TV
Record. Isso até seria uma marca das produções religiosas nacionais (de
qualquer crença). Aliás, muito espectador dessas produções invoca uma virtude
cristã, como a condescendência, para assisti-las.
As carências técnicas seriam um problema sem importância, se
o alto valor da mensagem que o filme deseja divulgar fosse transmitido com
acuidade e grandeza de espírito e não só com suposta nobreza de intenção.
O enredo trata de personagens evangélicos que são
perseguidos e humilhados, mas têm uma luz celestial que lhes afasta de toda
incerteza ou falta de racionalização crítica. Parece que são capazes de superar
doenças com doses de cânticos e orações.
Já os não cristãos são vilões caricatos que, se não
acreditam na existência de Deus, é porque eles sofrem com traumas do passado ou
de autossuficiência arrogante, já que todas as evidências estariam aí para
providenciar a aceitação lógica da fé.
Não importa se o personagem é ateu ou cristão, ele é retratado por meio de ideias preconceituosas e estereotipadas. Ninguém parece de
carne e osso, mas apenas fantoches que se revelam como um tipo de evangélico
falacioso e um espécime de ateu presunçoso.
Para piorar, o filme acaba mostrando uma noção nada cristã
de Deus: a do ser vingativo que não suporta que ninguém discorde dEle, ainda
que esse alguém não seja pior do que aqueles que professam a fé nEle.
A menina islâmica se converte ao cristianismo? Há um pai
autoritário que a punirá. O rapaz é humilhado por causa de sua retórica
evangélica? Seu opressor será punido. O professor não acredita na obviedade da
existência de Deus? O próprio Deus o punirá.
Ao final, os humilhados compartilham o gostinho de vitória,
o que transmite a ideia de alguns setores evangélicos de hoje, que repetem
chavões triunfalistas de prosperidade pessoal. Não é difícil ver esse
pensamento circulando em adesivos colados nos carros e em alguns refrões
gospel.
Se a intenção era falar com quem não é cristão, o filme
mostra um envelhecido e antipático discurso em relação a quem não enxerga a
vida pelo mesmo prisma. Se era rebater Nietzsche, o bigodudo filósofo alemão é
abordado de forma superficial e rasteira. Se o objetivo era pregar para os iniciados,
duvido que todo protestante vá comprar essa retórica que promete uma solução
fácil para questões de resolução bem complexa.
É uma pena que, na tentativa de ser didático, o filme
esbarre em argumentos simplistas. Se a Bíblia tivesse sido escrita com a falta
de densidade de tantos filmes evangélicos, a fé cristã não teria motivado nem
um aleluia de Handel, quanto mais a persistência e fidelidade milenar dos
cristãos.
Comentários
como não julgar um filme cujo modo de plantar a semente da mensagem cristã vai na contramão da própria mensagem?
Pelo que pude notar, o filme passa a ideia de um Deus punitivo e autoritário.
Mostra ateus como pessoas arrogantes e que não aceitam a fé cristã por causas de traumas. Isso também passa uma ideia ruim do cristianismo: a de que o cristianismo é o refúgio de almas traumatizadas, inseguras e pouco racionais.
Ora, o cristianismo pode servir de bálsamo, sim. mas todo filme evangélico mostra o cristianismo como solução para dor, desespero e falta de amor.
Dificilmente vamos ver o cristianismo mostrado como uma opção racional e intelectual do ser humano, pois este só aceitaria a fé quando quer se livrar dos males da vida.
segundo o filme, é impossível ser feliz fora da igreja cristã.
Essa ideia não corresponde à realidade. Há pessoas tristes e felizes que professam uma religião e que não professam religião alguma.
entendo que esse filme pode impressionar favoravelmente os mais crédulos. No fundo, trata-se de um filme para convencer os já convencidos.
Ele descontextualiza as frases de Niezstche e de um personagem de um livro de Dostoievski, ilude com falsas dicotomias e no final tem um enganoso tom triunfalista e exclusivista.
Pra mim, isso não representa a mensagem simples do cristianismo.