Nos anos de 1918-1919, a chamada gripe espanhola fez milhões de vítimas ao redor do mundo. Nessa época, a I Guerra Mundial já estava em seu fim deixando um rastro terrível de perdas humanas e economias arrasadas. Nesse cenário de crise e destruição, como os adventistas reagiram?
Os documentos que consultei mostram algumas respostas na comunidade de adventistas do sétimo dia nos Estados Unidos, país cuja população foi atingida severamente por três ondas da pandemia, tendo um número estimado de 500 mil a 675 mil pessoas mortas em consequência da infecção. Algumas razões da disseminação foram:
- A demora em aceitar a periculosidade da doença: em janeiro de 1918, um médico da região de Haskell, no Estado do Kansas, alertou as autoridades sanitárias a respeito de um forte aumento nos casos de influenza. Em março, a base militar de Funston registrou 1.100 soldados infectados. O vírus foi se espalhando por outras bases militares rapidamente e logo passou a fazer vítimas nas grandes cidades.
- Comícios e desfiles: as aglomerações organizadas pelo governo para emitir títulos de guerra (war bonds) e financiar as operações militares tiveram graves consequências. Na Filadélfia (foto à esquerda), duzentas mil pessoas foram às ruas e estima-se que mais de 15 mil morreram em decorrência deste evento. Na foto à direita, "war bond rally" reúne milhares em Oklahoma.
Esses eventos públicos se tornavam verdadeiros comícios políticos e shows de artistas, sendo que alguns foram convidados/convocados a fazer turnês pelo país, atraindo multidões. Na imagem abaixo, os astros do cinema Douglas Fairbanks Jr. e Charles Chaplin na divulgação dos Liberty Bonds, war bonds da I Guerra Mundial.
Quanto aos adventistas nos Estados Unidos, os registros são de que a igreja adotou as normas estabelecidas pelo governo, como uso de máscaras, distanciamento social e fechamento de escolas e igrejas.
O informe Columbia Union Visitor (de 7/11/1918)
relatava que as igrejas estavam fechadas e noticiava mortes em todo lugar, citando nominalmente alguns fiéis da igreja que haviam falecido:
No Seminário Teológico Adventista Hutchinson, no
Minesotta, 90 dos 180 estudantes do colégio contraíram a doença. O local foi
isolado, os estudantes entraram em quarentena rígida e testaram-se alunos e professores, dando-se um adicional de cinco dias a mais na quarentena
para evitar maior disseminação no colégio e na comunidade vizinha.
Mas infelizmente, assim como em nos tempos de hoje, havia pessoas que não seguiam as orientações médicas. Entre elas, alguns adventistas. Não por coincidência, na Review and Herald (edição de 30/1/19, p. 7), F. Wilcox lembrou a esses irmãos de que apenas o fato de terem uma mensagem de saúde não era capaz de imunizá-los na pandemia.
Mas, já no ano anterior, na Review and Herald (de 31/10/18, p.16), o Dr. W. A. Ruble, secretário da Associação Geral da igreja para a ação médico-missionária, havia sido bastante enfático.
Ele advertiu aqueles que diziam que a pandemia era “o prenúncio do grande sofrimento dos últimos dias”. Aliás, o informe Columbia Union Visitor que mencionei acima também havia ligado a pandemia à destruição final e dito que os juízos de Deus haviam começado. É evidente que a dupla devastação acionada por uma guerra e uma pandemia devia parecer aos olhos escatológicos de nossos irmãos de cem anos atrás que o fim do mundo havia chegado, ou no mínimo, que destravara-se o gatilho do juízo final.
Equilibrando a visão religiosa e científica, o médico adventista Ruble não economizou nas duras advertências. Ele escreveu que, “em meio a mais devastadora
pandemia já experimentada no país”, alguns adventistas que escaparam da doença podiam achar que sua imunidade
era fruto da santidade pessoal e “uma evidência de sua retidão enquanto
atribuíam o infortúnio de seus irmãos à falta de fidelidade”.
Ele questionou: "Algum fanático da reforma de saúde dirá: Eu avisei, se vocês se alimentassem como eu, teriam escapado da praga". Ruble perguntou se era essa a lição a tomar da pandemia. Ele disse, então, que, num tempo de igrejas fechadas e distanciamento, o ato de levar a mensagem cristã estava na ajuda ao próximo: a pandemia “era uma oportunidade para os adventistas do sétimo dia praticarem a religião pura e imaculada da qual [o apóstolo] Tiago falara” na Bíblia (referência ao texto bíblico de Tiago 5:17).
A Igreja Adventista publicou ainda um panfleto oficial
sobre a pandemia (Epidemics: how to meet them) que alcançou todo o país com
esclarecimentos sobre a doença e meios de evitar e de disseminar o vírus.
Igrejas fechadas, guerra, pandemia: a tempestade perfeita para fanatismo e alarmismo, mas também para o serviço ao próximo. Podemos aprender as lições da nossa história quando há atenção devida para as devidas fontes históricas.
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Para saber mais:
Ministerial Association: https://nadministerial.com/stories/adventists-and-the-1918-influenza-pandemic
Adventist Review: https://adventistreview.org/adventists-and-the-1918-influenza-pandemic
The End Has (Not Yet) Come: The 1918 Spanish Flu and the COVID-19 Pandemic in a Brazilian SDA (artigo de Allan Novaes em Studies in World Christianity, Edinburgh University)
Como os informes adventistas da Columbia Union noticiaram a pandemia: http://columbiaunion.org/content/how-visitor-reported-1918-1920-pandemic
Review and Herald (31/10/1918), (16/1/1919) e (30/1/1919) acessados em http://documents.adventistarchives.org/Periodicals
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