André Rieu não toca
música clássica. O que ele faz é recortar o trecho mais conhecido de uma peça
erudita e, junto com aquelas violinistas e cellistas com roupa de baile de
aniversário de 15 anos, alardear que está revigorando a música clássica.
É como se fosse um show global de fim de ano em que Roberto Carlos cantasse somente o refrão dos maiores sucessos dos Beatles em ritmo de Emoções e pop-sertanejo.
Anunciado como o maior violinista do mundo (o que já é uma mentira), Mr. Rieu é o maestro de um grande circo.
Aliás, um circo bem caro: os ingressos chegam a R$ 400. Quem paga um absurdo
desses certamente já tem pão em casa. Só faltava o
circo.
Cada um faz com a música clássica o que bem quiser. Pode
mutilar essa música, pode picotá-la, pode por três tenores para vendê-la, pode
por uma escola de samba junto com a orquestra, pode fazer acrobacias em cima do
piano. Só não pode dizer que está revigorando a música clássica.
André Rieu é um empresário da indústria do entretenimento. E
isso não é nenhum problema. A música clássica também é um grande
entretenimento. Pelo menos, assim o era para os patrões de Haydn e Mozart, que
queriam apenas convidar a nobreza para passar o tempo ouvindo música após a
refeição. Ou simplesmente ter uma respeitável música de fundo para o seu jogo de cartas.
Nos
dias de hoje, muita gente que vai a um concerto também quer somente alguns bons
momentos de alto entretenimento. Depois do espetáculo, eles não vão ficar falando
do nível de interpretação da orquestra, da vida dos compositores ou dos
projetos culturais para a música erudita na cidade. E nisso não há problema algum.
Mas é um equívoco dizer
que André Rieu é uma porta de entrada para o ouvinte conhecer o vasto mundo da
música clássica. Pode ser que aconteça de alguém passar a ler e conhecer melhor
esse mundo. A consequência será sua percepção da falsificação promovida por André Rieu.
O crítico Leonardo Martinelli afirmou que que o espectador da música clássica fatiada por André Rieu não irá atrás das obras clássicas integrais. Para ele, um adulto que só
lê Harry Potter dificilmente vai migrar para Shakespeare. Esse leitor
continuará em busca de fantasia romântica e vai migrar para as histórias de Crepúsculo. Leitores de Paulo Coelho não passam a ler Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Eles vão procurar outro drama espiritualista ou buscar consolo em
Augusto Cury. E quem se proíbe de Paulo Coelho fica só no Augusto Cury.
Richard Clayderman e os pianos brancos, Ray Conniff e sua orquestra que fazia as músicas de todos os países no mesmo estilo big band, Andrea Boccelli e os cenários ultrabregas onde o colocam para cantar. Nenhum deles levou o público a um maior conhecimento da música clássica. Para isso, é preciso educação musical em casa ou na escola.
Não quero passar um atestado de superioridade ou elitismo intelectual. Eu mesmo já escrevi por aqui sobre meus desgostos em relação à chamada música erudita [eu odeio música clássica]. Mas entendo que é preciso saber diferenciar entre arte e entretenimento de massa. Elas podem ser combinadas, distanciadas ou influenciadas. Isso é intercruzamento cultural. Mas uma não pode ser vendida como se fosse a outra. Isso é desonestidade comercial.
André Rieu não é o professor da música clássica. Ao contrário, ele deseduca as pessoas ao falsificar a música
erudita. No intuito de facilitar a audição de obras famosas do universo
clássico, ele adultera essas peças colocando tudo no liquidificador do entretenimento
pop. A música clássica não precisa ficar parecida com samba ou disco music para
se popularizar. Descaracterizar a música não é nenhum favor a Beethoven ou
Chopin.
Quem quiser comprar os DVDs de André Rieu com aqueles cenários
de cruzeiro marítimo ou de réveillon europeu, fique à vontade. Eu não compro e
nem vou a nenhum dos seus 18 shows agendados em São Paulo. Essa atitude não me torna superior ou
inferior a meus semelhantes. Mas eu decididamente não tenho o mínimo interesse em
comprar gato por lebre.
Comentários
Não obstante, caracterizar o trabalho em questão como mero "entretenimento popular", mas não "arte", é, a meu ver, um franco exagero. Se eu bem me recordo do que aprendi durante as parcas aulas de filosofia que tive na faculdade, "arte" é um termo bastante amplo, aplicado a toda habilidade de fazer coisas essencialmente belas, e que as pessoas se deleitem em ver e/ou ouvir (englobando poesia, música, teatro, dança, pintura, e assim por diante).
Com base na subjetividade própria subjacente ao indivíduo(isto é, as capacidades distintas que cada pessoa possui de apreciar e avaliar as artes), é bem possível afirmar-se que a arte do Sr. Rieu seja considerada como "ruim", "pobre" ou de baixa qualidade. Mas é "arte" ainda assim, e no mais pleno sentido da palavra.
Filmes como Velozes e Furiosos ou comédias românticas em geral foram produzidos com o intuito de ser um passatempo. Envolvem signos artísticos, mas sua função não é a a inovação estética, a investigação filosófica, a reflexão sobre a própria arte ou sobre a sociedade. Sabemos que essas características nao transformam nenhum filme ou música em um produto melhor, em obra superior e outros elitismos.
Mas essa é a diferença entre Beyoncé e Bob Dylan, entre Restart e Radiohead, entre Apocalypse Now e Rambo.
Saber diferenciar entre a motivação artística e a motivação de entretenimento faz parte do jogo filosófico também.
Obrigado pelos seus comentários, que foram certamente bem pertinentes.
Basta ver o quanto os compositores, principalmente os do século XIX, eram prestigiados e conhecidos em sua época.
Rieu só pega um trecho (geralmente o mais conhecido e assobiável) de uma obra. Não estou dizendo que ele não tem esse direito. É claro que tem. E isso pode ser agradável e divertido para muita gente. Não há problema nem demérito nisso. O problema é quando dizem que isso é uma "porta de entrada" para o universo erudito ou, pior, que música clássica só existe naquele formato.
Grato pelo comentário. Volte sempre!
Isso é como dizer que é melhor o adulto ler Harry Potter do que folhear a PLayboy. Talvez nossa defesa do que gostamos não necessite de uma analogia tão gritante, rs.
valeu por comentar!
http://www.youtube.com/watch?v=EE5FiCJ4vow
Sem comentários adicionais...
Abração.
Grato por suas palavras gentis, bem como pela atenção dada ao meu breve comentário.
Olha só, eu seguramente não me oponho ao fato de que exista por aí uma vasta gama de manifestações artísticas reconhecidamente pobres, sofríveis, fúteis e desprovidas de qualquer conteúdo intelectual mais respeitável, nem de artistas sem talento cujo objetivo não seja o de promover qualquer sorte de reflexões acerca da nossa realidade, mas sim o de meramente iludir e entreter as "massas" (e, principalmente, obter "rios" de dinheiro às custas da estupidez alheia); também não me oponho ao fato de que este bem possa ser o caso da música "comercial" explorada por André Rieu.
A observação que fiz é concernente apenas ao trecho do artigo no qual declara-se ser preciso "diferenciar entre arte e entretenimento popular". Este pequeno equívoco conceitual, a meu ver, pode levar o leitor a uma falsa concepção de que uma arte "ruim", ou aquela arte que vise apenas ao entretenimento, não seja definitivamente uma "arte".
Não é bem assim que as coisas funcionam: Arte para entretenimento é arte para entretenimento. Arte pobre e vazia é arte pobre e vazia. Música da Banda Calypso é música da Banda Calypso. Pessoas com pouca cultura e péssimo gosto musical são pessoas com pouca cultura e péssimo gosto musical; mas que, nem por isso, deixam de ser "pessoas" e de possuírem todas as características essenciais e necessárias(embora nem sempre desejáveis) para sê-las.
Um abração, e parabéns pelo seu blog. Gostei muito de ler os textos postados aqui.
Do amigo: Marcus
Um novo dicionario é necessario, para separar o joio do trigo. Criaremos outros termos, que os ignorantes fiquem com a carcassa de um saber que nunca tiveram, sentiram ou entenderam. Parabéns, Marcus!
Explico-lhe: Você chamou o Joêzer de "idiota" (coisa que ele não é); mas, ao que parece, quem curte essas excrescências musicais brasileiras - ou, melhor dizendo, apela à exploração do mau-gosto popular para ficar rico e famoso - é o próprio André Rieu, a quem você pretendia defender, conforme pode ser visto no link a seguir:
http://www.youtube.com/watch?v=EE5FiCJ4vow
É como já dizia o velho "velho deitado", o pior cego é aquele que não quer enxergar.
E ele ainda tocou michel telo no violino kkkkkkk... pra mim isso é uma babaquisse... falta de originalidade...
Talvez André Rieu apenas venda entretenimento, lote casas de show com violinos, pianos e tenores, alegando um entretenimento clássico, mas apenas fornecendo algo superficial, mas, como pessoas já disseram antes de mim: é um alívio que ele, com as peças recortadas que ele toca, violinos, pianos e tenores conseguir lotar estádios a preços muito caros e em um momento em que músicas com trechos como "meu pau te ama" ou "roça na minha" fazem sucesso. Artistas como ele, Alexander Rybak, Lindsay Starling e outros, me fazem crer que a cultura atual não está perdida.