No começo do ano, alguns blogs publicaram valores de cachês
cobrados por músicos evangélicos. Mas os tais valores exorbitantes (supostos
250 mil reais cobrados pelo Ministério Diante do Trono) não se confirmaram e,
como o primeiro blog a publicar a notícia deletou a postagem, outros blogueiros
fizeram o mesmo.
Descontando a falta de prova dos números, ficaram as perguntas:
músicos cristãos podem cobrar cachê para se apresentar? Como autointitulados
levitas, eles não podem ser artistas?
Vinde e arrazoemos:
1 – Os levitas da Bíblia eram especialistas que atendiam exclusivamente às atividades do templo e trabalhadores remunerados (será que alguém ousava criticá-los porque não serviam gratuitamente por amor à causa?) Nem sempre é válido comparar aquele contexto com os dias atuais. Por exemplo, os cantores de
Davi ou a banda de Jedutum não saíam em turnê pela Palestina. Segundo as
práticas da época, sua arte musical estava vinculada à funcionalidade litúrgica.
2 – Felizmente, há muitos músicos que servem às necessidades
musicais da igreja voluntariamente. Há bem-aventurados que têm algumas perdas
monetárias mas testemunham seus ganhos espirituais. Ainda assim, músicos
profissionais cristãos estão em seu legítimo direito ao pedir um cachê (nem
que seja para cobrir as despesas de transporte e hospedagem). Eles não são advogados
que no fim de semana vão tocar piano no culto. Cantores profissionais procuram
viver de sua profissão como faz todo profissional.
3 – Quanto deve cobrar um artista cristão? Essa questão
envolve oferta e demanda, mas mesmo a lei de mercado deveria submeter-se à
modéstia cristã. O problema é quando quem contrata acha que só o cantor deve
exercer tal virtude. Ou quando o cantor quer ajuntar para si tesouros na terra
como se não houvesse céu.
4 – Muitos crentes, com sua habitual destreza em demonizar
termos e expressões, condenam a palavra “arte”. Não por acaso, os cantores
cristãos ainda temem ser chamados de artistas. Para muita gente, arte é sinônimo
de exibicionismo e, portanto, um artista não seria simplesmente o sujeito que
trabalha com a expressão artística, mas um showman.
5 – Sendo que os “ministros” e “levitas” foram ensinados a
se envergonhar do termo “artista”, então eles dizem que têm um ministério. Só
que alguns deles se empolgam e vão ministrar em cruzeiros, em rodeios, no
carnaval, enfim, “aonde o vento do espírito [do capitalismo?] soprar”. Se se
assumirem como artistas, ao menos vão parar de ter que responder sobre seu
sucesso, já que serão artistas e pronto.
6 – Em geral, a igreja que contrata um irmão eletricista
para consertar a fiação costuma remunerá-lo. Do mesmo modo, um cantor profissional
que solicita um cachê pela apresentação não deveria ser visto como um
aproveitador, ainda que existam aproveitadores em qualquer profissão e religião
e, por isso, as igrejas tenham que estar sempre atentas aos lobos cantando
música de cordeiro.
7 – A música é encarada por boa parte da sociedade como um
dom natural ou sobrenatural. Por isso, o músico não deveria receber dinheiro
algum, já que seu talento teria vindo de graça. Nessa linha de pensamento, se
um indivíduo diz que alguém se torna pastor por causa de vocação ou dom divino,
então os pastores também deverão viver somente da luz do sol como se propõe aos
músicos que vivam?
8 – Você percebe quando um levita é um artista pop enrustido
quando ele só levita mesmo na hora de gritar “tira o pé do chão!!!”
9 – Nem todo aquele que canta “Senhor, Senhor” entrará no
reino dos Céus. Mas se ele não tiver sido nem mesmo um bom artista, no dia do Juízo
isso será o menor dos males.
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