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Que horas são, Luciano Huck?


Há momentos em que um homem deve correr atrás dos seus objetivos, se impor, manifestar sua presença, exigir o que pode ser seu, arrancar do destino, com o suor do seu rosto e pela força do ofício, uma oportunidade de converter em benefícios pessoais a matéria-prima que se lhe afigura nas avenidas do cotidiano.

Esse tal homem pode ser o Luciano Huck, empresário das jovens tardes nada sabáticas da Globo, pai de dois filhos, um que já nasceu e outro ainda na barriga da linda mamãe Angélica. Outro dia, Luciano foi assaltado no trânsito de São Paulo. Até aí nenhuma novidade, o trânsito paulistano é mesmo uma luta de boxe: a cada três minutos, um assalto. O problema começa quando um jornal publica a sua carta de cidadão “envergonhado de ser paulistano”. Nada de novo na seção de cartas. Qualquer estagiário de redação sabe que é mais fácil publicarem um artigo indignado do Luciano Huck do que de um anônimo, como este web-escriba que te atazana semanalmente, amigo leitor.

As respostas às “confissões quase póstumas” de Luciano Huck foram de apoio e também, vejam só, de repúdio. Houve gente que condenou sua ingenuidade de sair com um Rolex no braço em plena Paulicéia Despoliciada, um outro disse que houve “justiça social”, pois Luciano teria ficado com o que mais queria – sua vida – e o assaltante também – o Rolex, e assim seguiu-se o desatino de outras tantas respostas que só faltaram atirar Luciano no caldeirão dos leões.

Triste da sociedade que condena as elites (no dicionário de Lula seria “a zelite”) econômicas e sociais por serem o que são e faz a justificação de seus bandidos, todos bandidos porque pretos, pobres e explorados pela “zelite”. Esse discurso é de quem dormiu com Lênin e acordou Mao, muito Mao. A retórica anti-burguesia ainda é a panacéia sociológica de pessoas que querem explicar o mundo do ponto de vista da segregação econômica, que existe, sim, mas não é com um 38 apontado para a cabeça dos mais ricos que a distribuição de renda vai ser mais igualitária.

Aquele tal homem descrito na cumeeira dessas mal-traçadas também pode ser o assaltante, que, segundo algumas das respostas enviesadas a Luciano Huck, estaria tirando do braço do apresentador famoso o equivalente a muitas “casas populares”. Pois esse Robin Hood dos semáforos certamente não foi correndo levar o produto do seu crime para uma associação de moradores. E mesmo que levasse ainda estaria a usar de meios ilícitos para produzir o “bem-estar social” de sua comunidade. E tanto ele quanto parlamentares corruptos, pobres e ricos sem distinção de cor, devem ser punidos com prisão, pois, a lei – e o cumprimento da lei – deve alcançar a todos (quando isso acontecerá?).

Luciano Huck não escreveu nenhuma grande peça de defesa. Aliás, seu texto é cheio de auto-referências superestimadas e permeado de ingênua divisão de classes. Mas, até aí Luciano não cometeu nenhum crime. Escrever um artigo indignado ou andar com Rolex ainda não é crime previsto em lei. Mas para seus detratores, pertencer à elite já é um crime de lesa-pátria e um Rolex à mostra é um risco (incontestável, é verdade) à integridade física.

Pelo tipo de julgamento e execução que se fez quanto ao assaltado e pelo tipo de legitimação da violência e apologia a uma distorcida malandragem e justiça social em relação ao assaltante, pode-se ler o primeiro parágrafo desse texto da seguinte forma:

há momentos em que um criminoso deve correr de moto atrás dos seus objetivos, se impor com uma arma na mão, manifestar sua presença um tanto irreconhecível pelo capacete, exigir do outro o que pode ser seu, arrancar do destino e do passageiro, com o suor nervoso do seu rosto e pela força do ofício do assalto, uma oportunidade de converter em benefícios pessoais a matéria-prima de um Rolex que se lhe afigura nas avenidas e faróis do cotidiano.

Comentários

Anônimo disse…
oi, joêzer. acompanhei a discussão do caso do rolex do luciano Huck. vi a carta dele e concordo com vc qdo diz que ele foi um tanto ingênuo em suas declarações.
por outro lado, entendo que o escritor Ferréz respondeu com uma peça de ficção e não creio que ele estivesse defendendo a bandidagem.
Anônimo disse…
eu li as reportagens desse fim de semana. a revista época traz esse debate também. e por mais ficção que possa parecer a resposta do Ferréz, que é um escritor que tem um histórico de idealização da periferia, rebateu com ficção a dura realidade das coisas.

o Ferréz falou do "correria', o assaltante que levou o rolex, a partir do ponto de vista do bandido. acabou parecendo apologia do bandido que só faz isso pra comer, coitadinho.

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