Primeiro, foi chamado de Ronaldinho, diminutivo que se adequava bem ao adolescente tímido e goleador. Depois, apelidado “Fenômeno” pela imprensa européia, esse aposto logo cinzelou-se como sobrenome, em parte devido à sagração de outro Ronaldinho, o Gaúcho.
A alcunha de “Fenômeno” nasceu da constatação de que o jovem e recém-campeão do mundo de 94, ao marcar tentos inenarráveis, ao desconcertar zagueiros com sua ginga, ao transpor os umbrais da grande área com assombrosa velocidade, não era um atleta ordinário. Ele só poderia ser extraordinário, uma legítima manifestação de uma força da natureza, enfim, um fenômeno.
Os números afogam qualquer contador: campeão do mundo aos 17 anos, vice-campeão aos 21, de novo campeão mundial aos 25, maior goleador em Copas do Mundo com 15 gols aos 29 anos. As cifras pecuniárias, um capítulo à parte. Bem como os casamentos fracassados (sorte no jogo,...). Eis um Fenômeno do futebol, da conta bancária, da mídia.
Entretanto, sua história de vida, sim, atesta que se está diante de um fenômeno. Sua trajetória dentro e fora de campo é cercada por aqueles fatores que, se acontecem num livro ou num filme, chamamos de “excesso de ficção”, ou de ato de “forçar uma barra” com o intuito pouco nobre de nos levar à emoção mais desabrida.
Descontando sua infância e adolescência de parcas condições de sobrevivência nos bairros desfavorecidos em que morou, o menino já era de estirpe incomum. Foi driblando os outros meninos e a falta de grana pra passagem de ônibus que o pequeno fenômeno chegou a um grande clube que o projetou nacionalmente. Resultado: revelação do Brasileirão aos 17 anos e contrato para jogar na Holanda.
Até aqui, a história tem contornos de capítulos iniciais pouco dados a surpresas e súbitas emoções. Tudo sorri para o menino que aos 20 anos é eleito o melhor jogador do mundo, agora no Barcelona da Espanha. Em 1996, uma contusão o deixa fora de campo por dois meses. Mas isso não impede que seja reeleito o melhor do mundo no ano seguinte.
Com apenas 21 anos, Ronaldo se vê entre cifrões no banco e infiltrações no joelho, entre carrões e copiadores de seu cabelo raspado e no olho do tsunami de pressão na Copa da França, em 98. Parece demais para o guri, que desmorona horas antes da grande final e depois ao vivo com todo o time durante o jogo.
Após o mal esclarecido e retumbante malogro, Ronaldo era dado como desaparecido. Ele volta timidamente, como um adolescente desentrosado, dessa vez, na Inter de Milão. Mas (na vida de Ronaldo, o “mas” é uma constante pouco variável), seu joelho não suporta e o faz passar cinco meses longe dos convidativos gramados italianos. Aumentam as vozes que agouram seu retorno.
A reestréia, em 2000, é rápida, mas não indolor: com apenas 11 minutos em campo, Ronaldo sofre rompimento total do tendão patelar do joelho direito. Em português: a morte para o futebol assistida via satélite. O final feliz de um grande craque se torna remoto e um novo retorno é improvável.
Dois anos se passam e Ronaldo ressuscita na Copa do Japão e da Coréia: campeão outra vez. Quatro anos após um fracasso, providencialmente Ronaldo tem a chance de reescrever sua história numa final de Copa do Mundo. No seu choro infantil à beira do campo, suas lágrimas são pela batalha pessoal vencida com todos os gols. A ficção não faria melhor.
No Real Madri, Ronaldo é uma estrela na galáxia onde brilham Roberto Carlos, Beckham, Raúl e, se não pode vencê-lo, Zidane. Mas, nem tudo que reluz é ouro e, com lampejos de pisca-pisca, a constelação vira um buraco negro que traga o Fenômeno consigo. Para piorar, seu tempo de recuperação de contusões é demorado e inversamente proporcional ao tempo que consegue ficar casado.
Se a noiva se lhe escapa, nem a sorte no jogo lhe consola. Ronaldo conserva a fome de gols na sua quarta Copa do Mundo, mas o Brasil sucumbe diante da França. Ronaldo, dizem, não é mais uma força da natureza. No máximo, uma brisa que não incomoda o adversário. Seu peso (ou excesso de) é motivo de escárnio. Sua morte é anunciada de novo.
Muda de ares, vai para o Milan, onde encontra um ambiente que favorece seu (inesperado? Ainda não aprenderam?) renascimento. Ovacionado outra vez, sugerido até, vejam só, para a seleção brasileira. Se a vida parece bem, é hora do “mas”: rompimento total do tendão patelar do joelho direito (os casos de rompimento bilateral são raríssimos. Até nisso ele é fenômeno). Os obituários do futebol já lavram a ata.
Antes, Ronaldo tinha pelejas a vencer. Hoje, o guerreiro já ganhou do mundo tanto o maravilhamento pelo atleta que ele é quanto a admiração pelo homem que refaz sua sina. Mas ele quer encerrar a carreira com um boletim médico? Deseja um final mais feliz para o filme de sua vida?
Ronaldo já voltou tantas vezes da morte anunciada que não surpreenderá se retornar, bem, fenomenalmente. E se quiser parar, não será a morte. Ao contrário, sua estrada de infortúnios e glórias logo se transmudará em mito no qual os descrentes do futuro só crerão porque sua fé está firmada no YouTube.
Mesmo que se diga que lições de vida descambam para o melodrama, não resisto a afirmar que Ronaldo é um fenômeno de persistência, de superação. Já que a maioria não pode jogar como ele, que se busque a mesma resiliência, que se ouse superar o passado pela alteração do próprio destino.
A alcunha de “Fenômeno” nasceu da constatação de que o jovem e recém-campeão do mundo de 94, ao marcar tentos inenarráveis, ao desconcertar zagueiros com sua ginga, ao transpor os umbrais da grande área com assombrosa velocidade, não era um atleta ordinário. Ele só poderia ser extraordinário, uma legítima manifestação de uma força da natureza, enfim, um fenômeno.
Os números afogam qualquer contador: campeão do mundo aos 17 anos, vice-campeão aos 21, de novo campeão mundial aos 25, maior goleador em Copas do Mundo com 15 gols aos 29 anos. As cifras pecuniárias, um capítulo à parte. Bem como os casamentos fracassados (sorte no jogo,...). Eis um Fenômeno do futebol, da conta bancária, da mídia.
Entretanto, sua história de vida, sim, atesta que se está diante de um fenômeno. Sua trajetória dentro e fora de campo é cercada por aqueles fatores que, se acontecem num livro ou num filme, chamamos de “excesso de ficção”, ou de ato de “forçar uma barra” com o intuito pouco nobre de nos levar à emoção mais desabrida.
Descontando sua infância e adolescência de parcas condições de sobrevivência nos bairros desfavorecidos em que morou, o menino já era de estirpe incomum. Foi driblando os outros meninos e a falta de grana pra passagem de ônibus que o pequeno fenômeno chegou a um grande clube que o projetou nacionalmente. Resultado: revelação do Brasileirão aos 17 anos e contrato para jogar na Holanda.
Até aqui, a história tem contornos de capítulos iniciais pouco dados a surpresas e súbitas emoções. Tudo sorri para o menino que aos 20 anos é eleito o melhor jogador do mundo, agora no Barcelona da Espanha. Em 1996, uma contusão o deixa fora de campo por dois meses. Mas isso não impede que seja reeleito o melhor do mundo no ano seguinte.
Com apenas 21 anos, Ronaldo se vê entre cifrões no banco e infiltrações no joelho, entre carrões e copiadores de seu cabelo raspado e no olho do tsunami de pressão na Copa da França, em 98. Parece demais para o guri, que desmorona horas antes da grande final e depois ao vivo com todo o time durante o jogo.
Após o mal esclarecido e retumbante malogro, Ronaldo era dado como desaparecido. Ele volta timidamente, como um adolescente desentrosado, dessa vez, na Inter de Milão. Mas (na vida de Ronaldo, o “mas” é uma constante pouco variável), seu joelho não suporta e o faz passar cinco meses longe dos convidativos gramados italianos. Aumentam as vozes que agouram seu retorno.
A reestréia, em 2000, é rápida, mas não indolor: com apenas 11 minutos em campo, Ronaldo sofre rompimento total do tendão patelar do joelho direito. Em português: a morte para o futebol assistida via satélite. O final feliz de um grande craque se torna remoto e um novo retorno é improvável.
Dois anos se passam e Ronaldo ressuscita na Copa do Japão e da Coréia: campeão outra vez. Quatro anos após um fracasso, providencialmente Ronaldo tem a chance de reescrever sua história numa final de Copa do Mundo. No seu choro infantil à beira do campo, suas lágrimas são pela batalha pessoal vencida com todos os gols. A ficção não faria melhor.
No Real Madri, Ronaldo é uma estrela na galáxia onde brilham Roberto Carlos, Beckham, Raúl e, se não pode vencê-lo, Zidane. Mas, nem tudo que reluz é ouro e, com lampejos de pisca-pisca, a constelação vira um buraco negro que traga o Fenômeno consigo. Para piorar, seu tempo de recuperação de contusões é demorado e inversamente proporcional ao tempo que consegue ficar casado.
Se a noiva se lhe escapa, nem a sorte no jogo lhe consola. Ronaldo conserva a fome de gols na sua quarta Copa do Mundo, mas o Brasil sucumbe diante da França. Ronaldo, dizem, não é mais uma força da natureza. No máximo, uma brisa que não incomoda o adversário. Seu peso (ou excesso de) é motivo de escárnio. Sua morte é anunciada de novo.
Muda de ares, vai para o Milan, onde encontra um ambiente que favorece seu (inesperado? Ainda não aprenderam?) renascimento. Ovacionado outra vez, sugerido até, vejam só, para a seleção brasileira. Se a vida parece bem, é hora do “mas”: rompimento total do tendão patelar do joelho direito (os casos de rompimento bilateral são raríssimos. Até nisso ele é fenômeno). Os obituários do futebol já lavram a ata.
Antes, Ronaldo tinha pelejas a vencer. Hoje, o guerreiro já ganhou do mundo tanto o maravilhamento pelo atleta que ele é quanto a admiração pelo homem que refaz sua sina. Mas ele quer encerrar a carreira com um boletim médico? Deseja um final mais feliz para o filme de sua vida?
Ronaldo já voltou tantas vezes da morte anunciada que não surpreenderá se retornar, bem, fenomenalmente. E se quiser parar, não será a morte. Ao contrário, sua estrada de infortúnios e glórias logo se transmudará em mito no qual os descrentes do futuro só crerão porque sua fé está firmada no YouTube.
Mesmo que se diga que lições de vida descambam para o melodrama, não resisto a afirmar que Ronaldo é um fenômeno de persistência, de superação. Já que a maioria não pode jogar como ele, que se busque a mesma resiliência, que se ouse superar o passado pela alteração do próprio destino.
Comentários
não me surpreenderei se ele voltar com tudo, pois estava jogando bola demais antes deste último infortúnio