Pular para o conteúdo principal

SAÍDA PELA DIREITA

O homem não toma jeito, não muda mesmo. Parece que não há menor chance de variação ou sombra de mudança. A última foi a saída pela direita do tenor Roberto Alagna em pleno La Scala de Milão, templo da ópera mundial, quando foi vaiado em cena pelo público extremamente exigente. No dia seguinte, o cantor deu a desculpa esfarrapadíssima de que estava com a garganta seca de emoção por estar no papel de Radamés, da ópera "Aída", de Verdi. É claro que a emoção não o impediu de abandonar a parceira de cena, que ao ver o tenor saindo das luzes da ribalta deveria ter cantado, se conhecesse, o "Não se vá" de Jane e Erodin, ou o "Vá com Deus", de Roberta Miranda.

Quando confrontado com a exigência do público, que estava insatisfeito com algumas declarações de Alagna dadas à imprensa na véspera do espetáculo, o primo signore, versão minha para a prima donna, nem sempre agüenta o tranco e a saída é a de sempre: sutilmente à francesa ou explicitamente pela direita. Alguns reagem vigorosamente, como Sérgio Ricardo, que nos anos 60 atirou o violão numa platéia que o apupava (segundo consta, o instrumento atingiu um espectador que estava aplaudindo o cantor). Ou aproveitam para sermonizar, como Caetano, que nos mesmos anos 60 foi vaiado junto com Gil e fez um discurso atacando as mentezinhas universitárias encharcadas de Mao.

Não é de hoje que o mundo do espetáculo atiça os humores mais primitivos do público. Em 1913, a radical obra de Stravinski, "A Sagração da Primavera", não chegou a bom termo em sua estréia na Paris dos espetáculos transgressores de Satie, Picasso e Duchamp. Às vezes, os próprios cantores tornam-se protagonistas de espetáculos constragedoramente engraçados, como a briga em pleno palco das divas Francesca Cuzzoni e Faustina Bordoni nas cenas de "Astianatte", de Buonocini, na Londres de 1727: na incrível batalha pela supremacia junto ao gosto da platéia uma arrancou a peruca da outra!

O homem e a mulher não mudam mesmo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Bob Dylan e a religião

O cantor e compositor Bob Dylan completou 80 anos de idade e está recebendo as devidas lembranças. O cantor não é admirado pela sua voz ou pelos seus solos de guitarra. Suas músicas não falam dos temas românticos rotineiros, seu show não tem coreografias esfuziantes e é capaz de este que vos escreve ter um ataque de sonolência ao ouvi-lo por mais de 20 minutos. Mas Bob Dylan é um dos compositores mais celebrados por pessoas que valorizam poesia - o que motivou a Academia Sueca a lhe outorgar um prêmio Nobel de Literatura. De fato, sem entrar na velha discussão "letra de música é poesia?", as letras das canções de Dylan possuem lirismo e força, fugindo do tratamento comum/vulgar dos temas políticos, sociais e existenciais. No início de sua carreira musical, Dylan era visto pelos fãs e pela crítica como o substituto do cantor Woody Guthrie, célebre pelo seu ativismo social e pela simplicidade de sua música. Assim como Guthrie, o jovem Bob Dylan empunhava apenas seu violão e ent