Pular para o conteúdo principal

MORREM OS POLÍTICOS, FICAM AS CAPITANIAS


Os portugueses, ao aportarem nas praias tupiniquins, não demoraram a perceber que, para otimizar a relação colônia-metrópole e maximizar os dividendos obtidos na terra em que se plantando, explorando e matando, tudo dá, resolveram conceder infindáveis hectares a donatários particulares.

Com os certificados de posse e de direitos e deveres em mãos, os donatários passavam a gerenciar latifúndios de tamanho variável, ora do tamanho do Ceará ora do tamanho da Bahia. Como de hábito, os coronéis donatários distribuíam terras a quem quisesse cultivá-las, desde que, como de hábito, os que assim desejassem e, como de hábito, também os que assim não desejassem, contribuíssem para a frutificação ilícita da árvore genealógica do donatário.

Era premente, para o desenvolvimento negociado da pátria-mãe gentil, a construção de engenhos, os quais, para melhor informação dos trabalhadores a respeito das boas obras do donatário, deviam possuir uma torre altaneira com antena retransmissora das mentiras da oposição e da justa verdade do dono da torre. Aliás, como de hábito, as torres deveriam ser registradas em nome de alhures, que recebiam o meigo nome de uma fruta tropical. Bananas, goiabas, laranjas.

O donatário era autoridade plenipotenciária em seu latifúndio, exercendo seu poder para nomear funcionários e aplicar os rigores da lei. Todos estavam debaixo da lei, mas a lei seria rigorosa para anônimos e a graça seria concedida em abundância para os conhecidos. Conhecidos do donatário ou parentes, entenda-se.

Essas terras públicas doadas a personalidades privadas, digo, que privavam da generosidade régia, foram denominadas sem sutileza de “capitanias hereditárias”. O poder, assim, era passado com amor filial de pai para filho (a expressão “presente de mãe” é uma constatação mais recente das empresas de telefonia celular).

Portanto, um dono de sesmaria teria sempre garantido o leite da prole, pois são direitos do oligarca: isentar-se de taxas e investigações importunas, adquirir torres de TV, descomunais porções de terra e bovinos milionários, divulgar a filha como governante exemplar e, para garantir a hereditariedade cartorial, empregar o pai ou o filho como suplente.

Esses donos do mar e da terra fundavam vilas com o nome do pai, praças com o nome do filho e rodovias ladrilhadas com o próprio e santo nome. Com o tempo, a população já estava rezando em nome do pai, do filho, da filha, do genro, do mais chegado que um irmão...

Nelson Rodrigues já dizia que a glória é necrófila, ou na versão de Daniel Piza, morrer faz bem a reputação. Compadecer-se do luto familiar é um dever; não esquecer os feitos dos capitães hereditários, também. Sejam eles do brasão Barbalho, Magalhães, Maluf, Jereissati, Calheiros, Sarney ou Collor.

Com a morte de ACM, de novo se vê que, para justos e injustos, pelo menos por enquanto, a cova no chão ainda é a parte que nos cabe neste latifúndio.

Comentários

Everaldo Barbosa disse…
Braaavo!!!muito bom mesmo camarada!!!!

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Nabucodonosor e a música da Babilônia

Quando visitei o museu arqueológico Paulo Bork (Unasp - EC), vi um tijolo datado de 600 a.C. cuja inscrição em escrita cuneiforme diz: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia, provedor dos templos de Ezágila e Égila e primogênito de Nebupolasar, rei de Babilônia”. Lembrei, então, que nas minhas aulas de história da música costumo mostrar a foto de uma lira de Ur (Ur era uma cidade da região da Mesopotâmia, onde se localizava Babilônia e onde atualmente se localiza o Iraque). Certamente, a lira integrava o corpo de instrumentos da música dos templos durante o reinado de Nabucodonosor. Fig 1: a lira de Ur No sítio arqueológico de Ur (a mesma Ur dos Caldeus citada em textos bíblicos) foram encontradas nove liras e duas harpas, entre as quais, a lira sumeriana, cuja caixa de ressonância é adornada com uma escultura em forma de cabeça bovina. As liras são citadas em um dos cultos oferecidos ao rei Nabucodonosor, conforme relato no livro bíblico de Daniel, capítulo 3. Aliás, n