Ao contrário dos heróis de Cazuza, os meus heróis não morreram de overdose. Meus heróis estão morrendo de velhice. Talvez meus heróis sejam meio “antigos” ou “caretas” para a turma pós-moderna. Pra piorar, os heróis que admiro não são os personagens de cinema ou os atores que os personificam; na verdade, os diretores dos filmes é que são os meus favoritos. São eles é que estão morrendo um a um.
É verdade que minha iniciação ao cinema se deu numa tv de 14 polegadas em cores. Tudo bem, só eram duas cores, preto e branco, mas pode ser esta a razão de eu gostar de filmes em preto e branco. Além disso, como diz o tradutor Alexandre Soares, “meus ouvidos pudicos de Jane Austen” pouco suportam a verborréia chula dos, se posso chamar assim, diálogos dos filmes americanos pós-1980. A desculpa dos novos cineastas é que isso confere mais realismo.
O recém-falecido cineasta sueco Ingmar Bergman agora faz parte da lista de artistas que a velhice mortal levou. Não assisti a sua filmografia completa, mas o que vi me comoveu profundamente. Não falo da comoção do pranto. Falo daquela comoção filosófica que também leva os homens a uma compreensão maior de si e das pessoas que o cercam; falo daquela emoção estética advinda da percepção de estar diante de uma obra de arte bela e verdadeira.
Em Bergman, a angústia e a incerteza eram belas. E aqui, a noção de belo está mais ligada ao essencialmente verdadeiro e humano do que ao simples e plasticamente bonito. Não que a plasticidade artística estivesse ausente dos seus filmes; afinal, seu diretor de fotografia predileto era o gênio da luz Sven Nykvyst, também já falecido. Mas, ao revelar na tela suas próprias questões existenciais e espirituais, ao abrir à platéia suas dúvidas de relacionamento e seus traumas pessoais, era como se aquela figura desesperada do quadro O Grito, de Edvard Munch, se movesse e continuasse andando na ponte daquele atormentado (e belo) cenário expressionista.
Certamente, por causa da minha vivência e das minhas convicções pessoais, meus Bergmans preferidos são O sétimo selo (por tratar do homem em busca de Deus e em confronto com a morte), A flauta mágica (filmagem da ópera de Mozart que revela uma insuspeitada leveza de Bergman) e Fanny e Alexander ( em que a epifania revelada no valor da família se contrapõe a uma infância reprimida). Deste último filme, tenho um texto escrito por ocasião da primeira vez em que o assisti, que servirá de comprovação das minhas incorrigíveis imperfeições de redação, mas também como minha homenagem à Ingmar Bergman.
Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, SUE, 1982)
Os fantasmas de Ingmar Bergman estão mais próximos e claros nesta belíssima declaração de amor à família, à alegria, ao acolhimento. Como de praxe, os personagens são obrigados à fúria dos relacionamentos humanos para descobrir que: os traumas ultrapassam os esforços de superá-los; e, sartreanamente, o inferno são os outros. A tênue divisória entre imaginação e realidade presente neste filme é alimentada por outro gênio escandinavo, Henrik Ibsen. Sendo assim, a fantasia é irremediavelmente dolorosa e a realidade, às vezes, pode ser aconchegante como uma lareira numa noite de inverno.
Desculpe, Ingmar. Adeus, Bergman.
É verdade que minha iniciação ao cinema se deu numa tv de 14 polegadas em cores. Tudo bem, só eram duas cores, preto e branco, mas pode ser esta a razão de eu gostar de filmes em preto e branco. Além disso, como diz o tradutor Alexandre Soares, “meus ouvidos pudicos de Jane Austen” pouco suportam a verborréia chula dos, se posso chamar assim, diálogos dos filmes americanos pós-1980. A desculpa dos novos cineastas é que isso confere mais realismo.
O recém-falecido cineasta sueco Ingmar Bergman agora faz parte da lista de artistas que a velhice mortal levou. Não assisti a sua filmografia completa, mas o que vi me comoveu profundamente. Não falo da comoção do pranto. Falo daquela comoção filosófica que também leva os homens a uma compreensão maior de si e das pessoas que o cercam; falo daquela emoção estética advinda da percepção de estar diante de uma obra de arte bela e verdadeira.
Em Bergman, a angústia e a incerteza eram belas. E aqui, a noção de belo está mais ligada ao essencialmente verdadeiro e humano do que ao simples e plasticamente bonito. Não que a plasticidade artística estivesse ausente dos seus filmes; afinal, seu diretor de fotografia predileto era o gênio da luz Sven Nykvyst, também já falecido. Mas, ao revelar na tela suas próprias questões existenciais e espirituais, ao abrir à platéia suas dúvidas de relacionamento e seus traumas pessoais, era como se aquela figura desesperada do quadro O Grito, de Edvard Munch, se movesse e continuasse andando na ponte daquele atormentado (e belo) cenário expressionista.
Certamente, por causa da minha vivência e das minhas convicções pessoais, meus Bergmans preferidos são O sétimo selo (por tratar do homem em busca de Deus e em confronto com a morte), A flauta mágica (filmagem da ópera de Mozart que revela uma insuspeitada leveza de Bergman) e Fanny e Alexander ( em que a epifania revelada no valor da família se contrapõe a uma infância reprimida). Deste último filme, tenho um texto escrito por ocasião da primeira vez em que o assisti, que servirá de comprovação das minhas incorrigíveis imperfeições de redação, mas também como minha homenagem à Ingmar Bergman.
Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, SUE, 1982)
Os fantasmas de Ingmar Bergman estão mais próximos e claros nesta belíssima declaração de amor à família, à alegria, ao acolhimento. Como de praxe, os personagens são obrigados à fúria dos relacionamentos humanos para descobrir que: os traumas ultrapassam os esforços de superá-los; e, sartreanamente, o inferno são os outros. A tênue divisória entre imaginação e realidade presente neste filme é alimentada por outro gênio escandinavo, Henrik Ibsen. Sendo assim, a fantasia é irremediavelmente dolorosa e a realidade, às vezes, pode ser aconchegante como uma lareira numa noite de inverno.
Desculpe, Ingmar. Adeus, Bergman.
o sétimo selo (1957) - a clássica cena
do jogo de xadrez entre o homem e a morte
Fanny e Alexander - os temores e
as alegrias da infância
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