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A Finlândia não traz felicidade

Você acredita que alguém sairia correndo ao término da leitura de Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, e se atiraria do Viaduto do Chá-SP? Já é difícil acreditar que haja alguém lendo Goethe hoje em dia, mas arrazoemos um tantinho.

Na época do lançamento do livro do grande autor alemão, houve leitores que se identificaram tanto com o jovem Werther que começaram a deixar cartas de despedidas e se lançaram para fora desse mundo de meu Deus. Uns preferiram lê-lo e depois guardá-lo na estante, mas aqueles outros, não. Tinham que conservar-se “incontaminados”, tinham que morrer belos e jovens. Isso seria um lema do romantismo mórbido: “morra jovem, viva para sempre”. James Dean, Marilyn e muito roqueiro levou a frase a sério, em vez de guardá-la na estante ou devolver o livro emprestado que a continha.

Sabe-se que os leitores de Paulo Coelho e Danielle Steel não chegariam a tanto por causa da barafunda de idéias que leram num livro. Eles terminam um capítulo, ou no máximo viram algumas páginas, daí ligam uns para os outros para discutir as últimas tendências da primavera-verão ou então vão ver alguma terceira seqüência de um filme qualquer. Menos mal que não resolvem dar trabalho de propósito para os outros com toda aquela parafernália de polícia, legista, compra de terninho preto, óculos escuros decentes,...

O número de suicídios no Brasil ainda é baixo em nível mundial (4,5 mortes por 100 mil habitantes; no Japão, a taxa é de 25 mortes), mas a pesquisa do Ministério da Saúde adverte que, em 2004, a taxa mais baixa de suicídio masculino era do Maranhão (2,3 mortes por 100 mil homens) e a mais alta era do Rio Grande do Sul (16,6 mortes, e sem piadinhas sexistas numa hora dessas). No geral, as taxas altas ficam na região Centro-Sul-Sudeste e as mais baixas na região Norte-Nordeste (o sertanejo de Euclides da Cunha é então um forte?). A pesquisa surpreende pelas altas taxas de suicídio entre os idosos, e idosos masculinos. Na maior parte por armas de fogo ou envenamento.

Mas estou falando do suicida exibido. Esse é sempre juvenil. Você já ouviu falar de um idoso ameaçando saltar de um parapeito ou indo até um centro da melhor idade e desferir tiros a esmo, matar uma velhinha de cabelo roxo e outra de calça de lycra – pode ser a mesma velhinha - e depois dar um tiro na cabeça branca?

Mas semana sim outra também há um jovem inconformado que quer ficar famoso sem ver a fama sangrenta que deixou. Outro dia, um finlandês desses que nascem e crescem abençoados pelo bem-estar social e educacional dos países nórdicos, quis transformar a humanidade exterminando-a. Pois aquele loiro vingador deixou um saldo fúnebre: matou colegas e também a si. Aí disseram que na Finlândia tem poucos dias de sol por ano e isso também causa depressão e... É porque não acredito em reencarnação, mas seria o caso desse depressivo vir na próxima como um sertanejo escravo dos coronéis do biodiesel pra ele ver o que é sol numa pele sem loção Johnson & Johnson. Um blog menos educado diria, “o raio ultra-violeta que o parta”.

Mas voltando ao viaduto do Chá, se alguém em momento pré-suicídio resolver sair de casa pra cometer esse ato desesperado, das duas, uma: ou ele mora na Zona Sul e vai ter que ir de ônibus ou mora próximo ao centro e pode ir até andando. Se ele tiver que ir de ônibus, tudo bem, ou tudo mal – porque fatalmente, quer dizer, possivelmente, ele vai ter muito tempo até chegar à estação final, quer dizer, último ponto, melhor dizendo, derradeiro destino, ok, desisto, não há termo melhor. Isto é, termo também significa fim, e não sei dizer se o quase-suicida chegará a bom termo.

Mas se ele morar perto do centro e for de carro ou a pé, e se o trânsito desvairado da Paulicéia não antecipar sua decisão de dar cabo da própria vida e ele chegar ao viaduto, pode-se aferir que o tal suicida chegou ao "locus mortis" a salvo mas nada são. Porque se são e lúcido estivesse, o eventual suicida veria o ridículo da sua atuação destemperada – se ele se imaginasse de quatro com a cabeça dentro do forno, ou como iriam achar erros gramaticais no seu bilhete de adeus-mundo-cruel, ou a cara da multidão esperando morbidamente pelo salto para então seguir com suas compras no camelódromo, é provável que desistisse.

Talvez ele pudesse ver um exibicionismo infantil, um complexo de vira-latas, uma tentativa sem retorno (ou sem feedback, diria a transeunte caloura de psicologia) de chamar a atenção com aquele salto. Sim, salto, porque aprendi que pulo é quando se tira os pés do chão e eles caem no mesmo lugar – o pular cordas. Já o salto é o aterrissar em outro lugar que não o chão de origem. Por isso, ninguém pode pular para a morte. A menos que queira ao mesmo tempo assassinar a si e a gramática.

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