A última parte do cd – Louvor e adoração – também começa com um interlúdio, de título Serviço. André Gonçalves, autor da música, escreve um belo arranjo a capella para as vozes cantadas por Leonardo. O arranjo é complexo e difícil mesmo para quatro cantores diferentes.
Em duas canções, Minha fortaleza e Salmo, a orientação do louvor e adoração parte da tradição judaica de fé e glorificação de Deus. Ambas estão claramente baseadas no livro dos Salmos, embora as letras não tenham a opulência metafórica dos originais bíblicos. Há também uma mudança de timbre na voz do cantor, de tons líricos e sem os habituais melismas.
A canção Obrigado (Samuel Silva) apresenta outra configuração, agora com ecos melódico-harmônicos do estilo Motown - um estilo, diga-se, fundamentado no gospel americano. Assim como a música seguinte (Somente a Ti, de Wendel Matos), a facilidade da melodia dá o tom de alegre reverência das modernas canções congregacionais adventistas.
Ao final do álbum, observa-se a marca mais importante de sua produção: seu sentido litúrgico. J. Von Allmen escreve que o sentido profundo do culto e da liturgia é a recapitulação da história da salvação. Ao recapitular a história da redenção, esse CD relembra o culto judaico-cristão e sua motivação pedagógica, missiológica e litúrgica.
O culto é uma devoção realizada como reconhecimento dos feitos divinos na vida individual e que a adoração é a resposta humana a esses feitos de salvação. Na sua divisão temática, o CD Viver e cantar segue essas interpretações.
Esse CD tem uma distinção lítero-musical que escapa do lugar-comum da mera colocação de letra religiosa sobre melodias de estilos populares da mídia. Antes, não há um gênero comum às canções – não é um cd de rock gospel, não é de “ministério de adoração”, não há baladas românticas. As melodias e arranjos parecem mais alinhados com a tendência da música alternativa ou independente contemporânea, que não busca alinhar-se a um gênero musical único, mas está em constante pesquisa de fontes sonoras. Isso leva a uma multiplicidade estilística (do coral gregoriano aos estilos modernos) e a uma capacidade de transcendência do padrão massificado de clichês melódicos e poéticos.
Nota-se também uma procura do cantor Leonardo Gonçalves para escapar do rótulo de artista. É que o termo “artista” está cada vez atrelado ao indivíduo transformado em ídolo, com direito a tratamento de popstar pelas mídias e pelos fãs. Embora o virtuosismo da sua voz melismática seja justificado pela adoção de estilos black norte-americanos, infelizmente isso também vem suscitando gritos histéricos de fiéis cada vez mais parecidos com o fã secular. Como a repetição dos melismas está sempre a um passo do maneirismo, e o maneirismo é o tique dos cantores, o recurso do melisma pode acabar sendo abandonado daqui a algum tempo (favor não achar que isto é uma profecia!).
O making of do CD é bem explicativo quanto às idéias centrais do álbum defendidas por Leonardo: suas entrevistas pessoais, a oportunidade dada aos compositores para que falem de seu processo de criação - uma valorização da figura quase sempre anônima do compositor -, a concepção de arranjo filmada nos estúdios e a sua declaração de amor à família, às tradições esquecidas e à música.
O álbum, em sua inteireza, nos faz ver que o artista Leonardo cede lugar ao artesão Leonardo. Artesão é o que procura tecer cuidadosamente cada minúcia de um objeto de arte, é aquele que trabalha nas filigranas invisíveis para o espectador, mas que salta aos nossos olhos e ouvidos se tivermos atenção.
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