A canção "Escolhi Acreditar", letra de Mário Jorge Lima e música de Lineu Soares, foi gravada há dez anos, creio eu, mas é interessante constatar sua capacidade de manter-se atual. E esse talvez seja o primeiro ponto que pode ser ressaltado aqui: a capacidade que tem uma canção de manter-se relevante para uma geração acostumada a trocar de música preferida tão rapidamente. A letra aborda a fé religiosa no cenário moderno, em que os apóstolos da descrença tentam opor fé e razão, religião e ciência. Esta canção procura responder poética e teologicamente ao dualismo da religião da fé e da religião do humanismo.
Modernas teorias, novas formas de pensar
Existem por aí nos meios intelectuais
Que vão do ateísmo mais profundo e radical
Até o humanismo com tinturas sociais
Os versos acima não são comuns na música cristã contemporânea. São poucos os letristas que conseguem reunir termos como “modernas teorias” e “ateísmo” em tão poucas linhas. “Humanismo com tinturas sociais”? Missão quase impossível. Um verso diz que tais teorias nascem nos meios intelectuais, mas isto não é um sinal de antiintelectualismo do autor. O autor nota que a filosofia e a ciência podem às vezes funcionar como uma fachada para a criação de preconceitos ideológicos provenientes de um intelectualismo que aposta suas fichas num antropocentrismo estéril.
E hoje mesmo a crença tenta se modificar
E quer que o homem seja o fim da sua pregação
Senhor dos seus problemas, dos seus sonhos e ideais
Buscando aqui e agora a total libertação
John Carroll descreveu o humanismo como uma idéia de auto-suficiência humana e o estabelecimento de uma ordem inteiramente humana na terra, “em que a liberdade e a felicidade prevalecessem sem quaisquer apoios transcendentais”, ou seja, “o homem é todo-poderoso, se sua vontade for suficientemente forte”.
No entanto eu escolhi acreditar
Que existe um plano para a salvação
E que há um Deus no céu a governar o meu viver
Mas que me dá poder até pra aceitá-lo ou não
O seu reino é liberdade é amor
Espera sem forçar a decisão
Ele é descomplicado, não confunde o pecador
E fala tanto a minha mente como fala ao coração
Nessa parte, o corte é radical. A declaração de fé não surge como resultado de manipulação sobrenatural ou adesão interesseira. É uma escolha que assinala o instante em que a razão da mente une-se às razões do coração – parafraseando Descartes, a letra parece dizer que “a fé tem razões que a própria razão desconhece (fala tanto a minha mente como fala ao coração). O autor insiste em cantar que o Deus no qual escolheu acreditar é o Deus da liberdade pessoal: espera sem forçar a decisão, o que faz lembrar dos versos bíblicos “O Senhor... espera pacientemente pelo arrependimento” humano.
O ser humano hoje só volta para si
Buscando atender necessidades essenciais
Mas sem levar em conta que há uma vida superior
Que poderá suprir os seus anseios mais reais
Cada vez mais o ser humano parece perder um sentido teleológico da vida, de que sua existência possui uma finalidade ou de que a história terrestre destina-se a uma resolução última de todos os conflitos entre o Bem e o Mal. Assim, perdida a esperança, os homens se voltam para realização dos desejos acreditando que não têm mais do que esta vida, e a despenderão em agrados pessoais. O sociólogo Zygmunt Bauman afirma que a inquietação a respeito da eternidade foi retirada da agenda humana, ou que a agenda da vida está sendo elaborada “de tal modo que pouco ou nenhum tempo foi deixado para cuidar de tais inquietações”.
E há os que procuram tudo racionalizar
Só crendo no que a ciência e a cultura podem ver
Querendo um milagre pela lógica explicar
Se fecham para as coisas do espírito e da fé
Aqui, a letra aborda a falsidade da oposição entre ciência e religião. Porém, ambas podem ser distintas, mas não precisam ser excludentes. Vale ressaltar como o ateísmo proselitista de Dawkins e Hitchens menciona o pior da religião: o autoritarismo, a perseguição religiosa e política, a manipulação da boa-fé (esses termos podem ser ligados à democracia e ninguém dirá ser a favor da eliminação da democracia). E de outro lado, esses e outros autores furtam o melhor do cristianismo – tolerância, perdão, justiça, ética, liberdade de consciência – e procuram temperar sua receita de lógica humanista fechada para as coisas do espírito e da fé.
No entanto eu escolhi acreditar
E esperar assim em meu Jesus
Filósofos e mestres nunca irão avaliar
Aquilo que o amor de Deus mostrou na cruz
O meu Deus é poderoso e é real
Só nEle eu encontrei, enfim, perdão
Prefiro depender de sua força sem igual
E quero ter, então, por Ele transformado o coração
O autor, enfim, elabora uma lista de motivos de sua escolha:
O filosoficamente imensurável amor divino aceito pela fé;
A cruz como símbolo da redenção da humanidade;
A transcendência onipotente (o meu Deus é poderoso) e a imanência da presença de Deus (e é real);
O perdão como parte integrante do caráter de Deus;
A submissão do homem ao amor e poder divinos (prefiro depender...)
A conjunção entre anseio humano por ser transformado e a capacidade divina de graça transformadora.
A música separa as regiões vocais médio-graves para as estrofes onde a letra aborda os contrapontos ideológicos e filosóficos da cultura moderna em relação às escolhas da fé. A melodia sobe para regiões mais agudas quando pretende marcar as razões das escolhas da fé. Música e letra são compatíveis com a temática, equilibrando erudição e simplicidade no tratamento dos temas melódicos, poéticos e teológicos.
ATUALIZAÇÃO
O autor da letra de "Escolhi Acreditar" é Mário Jorge Lima e não Valdecir Lima, como escrevi no post acima. Nem mesmo o sobrenome semelhante, nem a histórica parceria com Lineu Soares ou a estatura poética de ambos os letristas justificam essa infração grave. Graças ao controle de qualidade exercido pelas pessoas que lêem esse blog já providenciei as correções.
Modernas teorias, novas formas de pensar
Existem por aí nos meios intelectuais
Que vão do ateísmo mais profundo e radical
Até o humanismo com tinturas sociais
Os versos acima não são comuns na música cristã contemporânea. São poucos os letristas que conseguem reunir termos como “modernas teorias” e “ateísmo” em tão poucas linhas. “Humanismo com tinturas sociais”? Missão quase impossível. Um verso diz que tais teorias nascem nos meios intelectuais, mas isto não é um sinal de antiintelectualismo do autor. O autor nota que a filosofia e a ciência podem às vezes funcionar como uma fachada para a criação de preconceitos ideológicos provenientes de um intelectualismo que aposta suas fichas num antropocentrismo estéril.
E hoje mesmo a crença tenta se modificar
E quer que o homem seja o fim da sua pregação
Senhor dos seus problemas, dos seus sonhos e ideais
Buscando aqui e agora a total libertação
John Carroll descreveu o humanismo como uma idéia de auto-suficiência humana e o estabelecimento de uma ordem inteiramente humana na terra, “em que a liberdade e a felicidade prevalecessem sem quaisquer apoios transcendentais”, ou seja, “o homem é todo-poderoso, se sua vontade for suficientemente forte”.
No entanto eu escolhi acreditar
Que existe um plano para a salvação
E que há um Deus no céu a governar o meu viver
Mas que me dá poder até pra aceitá-lo ou não
O seu reino é liberdade é amor
Espera sem forçar a decisão
Ele é descomplicado, não confunde o pecador
E fala tanto a minha mente como fala ao coração
Nessa parte, o corte é radical. A declaração de fé não surge como resultado de manipulação sobrenatural ou adesão interesseira. É uma escolha que assinala o instante em que a razão da mente une-se às razões do coração – parafraseando Descartes, a letra parece dizer que “a fé tem razões que a própria razão desconhece (fala tanto a minha mente como fala ao coração). O autor insiste em cantar que o Deus no qual escolheu acreditar é o Deus da liberdade pessoal: espera sem forçar a decisão, o que faz lembrar dos versos bíblicos “O Senhor... espera pacientemente pelo arrependimento” humano.
O ser humano hoje só volta para si
Buscando atender necessidades essenciais
Mas sem levar em conta que há uma vida superior
Que poderá suprir os seus anseios mais reais
Cada vez mais o ser humano parece perder um sentido teleológico da vida, de que sua existência possui uma finalidade ou de que a história terrestre destina-se a uma resolução última de todos os conflitos entre o Bem e o Mal. Assim, perdida a esperança, os homens se voltam para realização dos desejos acreditando que não têm mais do que esta vida, e a despenderão em agrados pessoais. O sociólogo Zygmunt Bauman afirma que a inquietação a respeito da eternidade foi retirada da agenda humana, ou que a agenda da vida está sendo elaborada “de tal modo que pouco ou nenhum tempo foi deixado para cuidar de tais inquietações”.
E há os que procuram tudo racionalizar
Só crendo no que a ciência e a cultura podem ver
Querendo um milagre pela lógica explicar
Se fecham para as coisas do espírito e da fé
Aqui, a letra aborda a falsidade da oposição entre ciência e religião. Porém, ambas podem ser distintas, mas não precisam ser excludentes. Vale ressaltar como o ateísmo proselitista de Dawkins e Hitchens menciona o pior da religião: o autoritarismo, a perseguição religiosa e política, a manipulação da boa-fé (esses termos podem ser ligados à democracia e ninguém dirá ser a favor da eliminação da democracia). E de outro lado, esses e outros autores furtam o melhor do cristianismo – tolerância, perdão, justiça, ética, liberdade de consciência – e procuram temperar sua receita de lógica humanista fechada para as coisas do espírito e da fé.
No entanto eu escolhi acreditar
E esperar assim em meu Jesus
Filósofos e mestres nunca irão avaliar
Aquilo que o amor de Deus mostrou na cruz
O meu Deus é poderoso e é real
Só nEle eu encontrei, enfim, perdão
Prefiro depender de sua força sem igual
E quero ter, então, por Ele transformado o coração
O autor, enfim, elabora uma lista de motivos de sua escolha:
O filosoficamente imensurável amor divino aceito pela fé;
A cruz como símbolo da redenção da humanidade;
A transcendência onipotente (o meu Deus é poderoso) e a imanência da presença de Deus (e é real);
O perdão como parte integrante do caráter de Deus;
A submissão do homem ao amor e poder divinos (prefiro depender...)
A conjunção entre anseio humano por ser transformado e a capacidade divina de graça transformadora.
A música separa as regiões vocais médio-graves para as estrofes onde a letra aborda os contrapontos ideológicos e filosóficos da cultura moderna em relação às escolhas da fé. A melodia sobe para regiões mais agudas quando pretende marcar as razões das escolhas da fé. Música e letra são compatíveis com a temática, equilibrando erudição e simplicidade no tratamento dos temas melódicos, poéticos e teológicos.
ATUALIZAÇÃO
O autor da letra de "Escolhi Acreditar" é Mário Jorge Lima e não Valdecir Lima, como escrevi no post acima. Nem mesmo o sobrenome semelhante, nem a histórica parceria com Lineu Soares ou a estatura poética de ambos os letristas justificam essa infração grave. Graças ao controle de qualidade exercido pelas pessoas que lêem esse blog já providenciei as correções.
Comentários
Gostei muito de seu blog! Já o coloquei na lista de links do meu. Abraços. Leonardo
A letra da música "Escolhi Acreditar" é de Mário Jorge Lima e não de Valdecir Lima
joêzer
Sempre me emociono!
Parabéns pelo blog é óootimo. Vou acrescenta-lo na minha lista de favoritos.
joêzer.
Se não a conhece, imagino que vai apreciá-la bastante.
A cantata também reafirma a posição do UNASP II como o pólo mais criativo da música cristã nacional. A conferir, neste ano, o lançamento do DVD do grupo Novo Tom, que se anuncia repleto de ousadia e elegância musical.
sempre fui atraído pela letra dessa música, mas nunca tinha reparado na construção dos versos...
e o melhor é a junção dessa letra, com a harmonia! principalmente quando entra o trio unto com a Dalva, na primeira estrofe... que harmonia... fechada! (não encontrei outra palavra que definisse melhor)
quero ensaiar essa música com meu grupo o mais rápido possível!
braços a todos!
Leonardo Polloni
leonardo_polloni@yahoo.com.br
gostaria de saber onde posso ter acesso às letras da cantata.
obrigada.
entre em contato com o departamento de música do UNASP Campus 2. No site do UNASP tem o link.