Pular para o conteúdo principal

to buy or not to buy: eis a questão da ExpoCristã


Todo ano surge o mesmo conflito sobre a ExpoCristã. É mercantilização dos bens religiosos simbólicos? Ou é simples comercialização de bens religiosos de consumo? Entre Deus e o mercado, entre a cruz e o chaveirinho evangélico, entre a Bíblia e a capa zebra-style de Bíblia, os evangélicos se perguntam: to buy or not to buy? (comprar ou não comprar, Hamlet perguntaria se, em vez de dinamarquês e com um crânio na mão, fosse um crente com cartão de crédito estourado).

    1. A ExpoCristã é mercantilização da religião?
A expansão do mercado gospel é acompanhada do aumento do poder de consumo das classes populares no Brasil e, claro, pelo grande número de igrejas neopentecostais. Há uma demanda dos consumidores religiosos por produtos que não apenas tragam conforto ou conhecimento espiritual, mas também por produtos que afirmem sua identidade evangélica (camisetas, sandálias, acessórios, todos com slogans evangélicos).

O professor Leonildo Campos, em Templo, Teatro, Mercado (Editora da Universidade Metodista/SP), avalia que a ética protestante de poupança foi substituída pela ética (neo)pentecostal de consumo. Para os puritanos de 200 anos atrás, o lucro não era pecado; para o cristão de hoje, consumir também não é um anátema.

Assim, ao contrário da ética de lucro e poupança que caracterizava a vida econômica ascética dos protestantes americanos dos séculos 18 e 19, e que estaria, segundo Max Weber, ligada à consolidação do capitalismo, hoje presenciamos uma ética do consumo que caracteriza a vida do evangélico. Leonard Orr e Sandra Ray anunciavam a seu público: “Deus é grande; as compras podem ser ilimitadas”. Sai Max Weber e entra Edir Macedo.

Por esse ângulo, e respondendo a pergunta acima, sim, a ExpoCristã pode mercantilizar símbolos religiosos, confundir o necessário com o supérfluo, ceder espaço aos vendilhões do templo, estimular tendências de moda e de música com base em números de venda, enfim, pode expor o cristianismo à sociedade como se este fosse um shopping da fé.

  2. A ExpoCristã é um bom e legítimo comércio de bens religiosos?
O cristão come, se veste, lê, ouve música, passeia, compra e vende. É alguém cujo cotidiano é muito semelhante ao de qualquer brasileiro. Qual é o problema se ele prefere vestir uma roupa comprada na loja de um irmão evangélico, ou ouvir músicas que falam da mesma mensagem cristã que o conforta e o alegra, ou ver o produto do seu trabalho ser adquirido por outros cristãos? Nenhum problema.

Há importantes músicos cristãos que não vão à ExpoCristã. De fato, a ExpoCristã dá preferência a cantores do circuito gospel. Não sei se outros cantores foram convidados e preferiram não ir até lá. Penso que, se um cantor defende uma postura estética e temática em sua música e tem chance de ir à ExpoCristã, ele deveria ir e mostrar sem ar de superioridade que há outras formas de fazer música e divulgar as boas novas.

É preciso reavaliar o pensamento de que mercado é blasfêmia e de que os consumidores são "manipulados" e incapazes de fazer boas escolhas. O comportamento humano é mais complexo do que pensam certos críticos do mercado gospel. Onde estão os comentários sobre pessoas que foram até a ExpoCristã e ouviram sua música favorita, adquiriram por um preço atraente um bom produto e foram para suas casas em paz? As pessoas vivem na inescapável lógica do capital, por isso, lucram (ou têm prejuízo) e poupam e consomem naturalmente. Portanto, do ponto de vista da simples aquisição de bens religiosos de consumo, sim, a ExpoCristã é legítima e deve ter seu espaço.

O comercialismo, a ganância, a má-fé, e até o mau gosto das capas de Bíblia com estampa de zebrinha e suporte para celular, são consequências de um evangelismo industrial, que opera segundo a teologia da prosperidade (prosperidade para os líderes) e segundo a lei de oferta e procura religiosa.  

O estímulo ao consumo chega a ser tão notório que alguns têm a impressão de que a diferença entre o Rock in Rio e a ExpoCristã é que, no Rock in Rio, você paga pra entrar e reza pra sair, e na ExpoCristã, você primeiro reza pra entrar e depois paga pra sair. O evangelismo vira marketing, a congregação se torna clientela, o fiel é transformado em fã e o cristianismo vira um slogan arrogante num adesivo de carro. 

Não se pode omitir essas coisas, ainda que este aspecto consumista venha a ser o mais visado pela mídia e por vários bons autores cristãos. Mas o questionamento das atividades do mercado gospel deve vir acompanhado da observação sem preconceito do consumidor cristão, senão corre-se o risco de generalizar e simplificar o diversificado comportamento evangélico, tudo temperado pela demonização do mercado e pelo exclusivismo religioso. 

Comentários

Marcelo Mateus disse…
Excelente post! Esse conflito de saber se Expocristã é "de Deus ou do Diabo" já é uma discussão velha e ninguém tinha dado uma visão tão ampla até hoje.

Parabéns, amigo! Você me inspira.

Marcelo Teus.
joêzer disse…
Marcelo,
é como dizia certa escritora: tem gente que só se satisfaz ou estando no fogo ou na água. precisamos mesmo equilibrar isso. tks.

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Nabucodonosor e a música da Babilônia

Quando visitei o museu arqueológico Paulo Bork (Unasp - EC), vi um tijolo datado de 600 a.C. cuja inscrição em escrita cuneiforme diz: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia, provedor dos templos de Ezágila e Égila e primogênito de Nebupolasar, rei de Babilônia”. Lembrei, então, que nas minhas aulas de história da música costumo mostrar a foto de uma lira de Ur (Ur era uma cidade da região da Mesopotâmia, onde se localizava Babilônia e onde atualmente se localiza o Iraque). Certamente, a lira integrava o corpo de instrumentos da música dos templos durante o reinado de Nabucodonosor. Fig 1: a lira de Ur No sítio arqueológico de Ur (a mesma Ur dos Caldeus citada em textos bíblicos) foram encontradas nove liras e duas harpas, entre as quais, a lira sumeriana, cuja caixa de ressonância é adornada com uma escultura em forma de cabeça bovina. As liras são citadas em um dos cultos oferecidos ao rei Nabucodonosor, conforme relato no livro bíblico de Daniel, capítulo 3. Aliás, n