Há cantores cujas gravações vão além do proselitismo religioso. Eles unem alta qualidade temática e artística. A exigência estética está junto com a eficiência da prédica. O título Viver e cantar, CD de Leonardo Gonçalves, expressa uma compreensão religiosa de vida cristã e adoração. Daí, talvez, o título não ser “viver OU cantar”, mas “viver E cantar”. Ou seja, o cantar-adorar não é uma opção entre vida e adoração. É viver em adoração.
O CD se divide em três partes. A primeira é uma sequência de canções sob o título História da Redenção. A seguir, vem a sequência intitulada Relacionamento com Deus, e uma última série designada Louvor e Adoração. Aqui, o entendimento teológico é luminar: o ser humano é salvo por Deus, relaciona-se com Ele e então O adora. A concepção bíblica de adoração, ou seja, o ato de louvar a Deus não é uma oferenda petitória para que o homem seja salvo. Antes, é exatamente por causa dos atos salvíficos de Deus já realizados é que o homem O louva.
História da Redenção.
Cada uma das cinco canções introduz um ponto doutrinário/teológico importante: a entrada do pecado no mundo, a morte sacrificial de Cristo, Sua ressurreição libertadora, Seu segundo advento e a esperança de vida eterna no céu. O álbum apresenta não somente a teologia cristã, mas também a teleologia bíblica. Isto é, a noção de finalidade, de propósito na história humana na Terra, que se dirige à resolução última de todos os conflitos.
A primeira música, É preciso apenas crer, tem a função de prólogo. A primeira frase é cantada em uníssono, reforçando o sentido da sentença inicial que diz Como por “um” homem o pecado começou. Daí em diante, entra um quarteto vocal que remete à música gregoriana na primeira estrofe e a padrões vocais modernos na parte seguinte. Talvez sem o perceber, os arranjadores iniciam o cd com vários símbolos indicativos de incoatividade (palavrinha difícil que diz respeito às “primeiras ações”): a gênese histórica (a entrada do pecado), o número “um” em Por um homem o pecado começou e Por um homem a salvação entrou, um só cantor gravou as quatro vozes do quarteto – o próprio Leonardo -, a primeira nota da música é dó (nota-símbolo inicial da escala musical) e a tonalidade da música se inicia em dó menor (o acorde final tem resolução em Dó Maior).
Moriá (Daniel Salles), a próxima canção, consegue abranger toda a simbologia cristã do sacrifício expiatório de Cristo. A música aponta para a prefiguração da morte sacrificial de Jesus na substituição de Isaque, filho de Abraão, por um cordeiro. Como diz a letra, Naquele dia o filho escapou e o cordeiro morreu em seu lugar.
A segunda parte fala da morte vicária de Cristo na cruz, morrendo como remissão dos pecados humanos. A letra da canção diz: Naquele dia, o cordeiro escapou e o Filho morreu em meu lugar. A didática bíblica é exemplar ao mencionar que no Moriá (monte do sacrifício de Abraão) Deus revelou o que faria séculos depois na cruz do Calvário.
Na parte final, o cantor, acompanhado por um coral, abandona a zona de conforto das notas musicais da região média e vai em direção às notas da região aguda. Na parte mais alta da música, voz e letra representam o maravilhamento humano diante da Redenção. A melodia se encerra habilmente num retorno à região média inicial após transcorrer toda uma gama de emoção costurada em tensão com a didática racional da letra.
Explicando: se a canção nasce da transformação da fala cotidiana em canto, podemos dizer que a subida dos tons na voz e os sons hiperagudos são o resultado do completo afastamento das regiões da fala. Isso funciona como um recurso musical próprio do transbordamento dos sentimentos e afetos humanos.
A terceira canção trata de um narrador que foi testemunha da morte de Jesus – o personagem diz que viu Os cravos em Suas mãos, o Seu corpo a sofrer, numa explícita referência à canção "Getsêmani", do 1º cd de Leonardo Gonçalves. A melodia expressa melancolia e uma quase resignação do narrador.
O CD se divide em três partes. A primeira é uma sequência de canções sob o título História da Redenção. A seguir, vem a sequência intitulada Relacionamento com Deus, e uma última série designada Louvor e Adoração. Aqui, o entendimento teológico é luminar: o ser humano é salvo por Deus, relaciona-se com Ele e então O adora. A concepção bíblica de adoração, ou seja, o ato de louvar a Deus não é uma oferenda petitória para que o homem seja salvo. Antes, é exatamente por causa dos atos salvíficos de Deus já realizados é que o homem O louva.
História da Redenção.
Cada uma das cinco canções introduz um ponto doutrinário/teológico importante: a entrada do pecado no mundo, a morte sacrificial de Cristo, Sua ressurreição libertadora, Seu segundo advento e a esperança de vida eterna no céu. O álbum apresenta não somente a teologia cristã, mas também a teleologia bíblica. Isto é, a noção de finalidade, de propósito na história humana na Terra, que se dirige à resolução última de todos os conflitos.
A primeira música, É preciso apenas crer, tem a função de prólogo. A primeira frase é cantada em uníssono, reforçando o sentido da sentença inicial que diz Como por “um” homem o pecado começou. Daí em diante, entra um quarteto vocal que remete à música gregoriana na primeira estrofe e a padrões vocais modernos na parte seguinte. Talvez sem o perceber, os arranjadores iniciam o cd com vários símbolos indicativos de incoatividade (palavrinha difícil que diz respeito às “primeiras ações”): a gênese histórica (a entrada do pecado), o número “um” em Por um homem o pecado começou e Por um homem a salvação entrou, um só cantor gravou as quatro vozes do quarteto – o próprio Leonardo -, a primeira nota da música é dó (nota-símbolo inicial da escala musical) e a tonalidade da música se inicia em dó menor (o acorde final tem resolução em Dó Maior).
Moriá (Daniel Salles), a próxima canção, consegue abranger toda a simbologia cristã do sacrifício expiatório de Cristo. A música aponta para a prefiguração da morte sacrificial de Jesus na substituição de Isaque, filho de Abraão, por um cordeiro. Como diz a letra, Naquele dia o filho escapou e o cordeiro morreu em seu lugar.
A segunda parte fala da morte vicária de Cristo na cruz, morrendo como remissão dos pecados humanos. A letra da canção diz: Naquele dia, o cordeiro escapou e o Filho morreu em meu lugar. A didática bíblica é exemplar ao mencionar que no Moriá (monte do sacrifício de Abraão) Deus revelou o que faria séculos depois na cruz do Calvário.
Na parte final, o cantor, acompanhado por um coral, abandona a zona de conforto das notas musicais da região média e vai em direção às notas da região aguda. Na parte mais alta da música, voz e letra representam o maravilhamento humano diante da Redenção. A melodia se encerra habilmente num retorno à região média inicial após transcorrer toda uma gama de emoção costurada em tensão com a didática racional da letra.
Explicando: se a canção nasce da transformação da fala cotidiana em canto, podemos dizer que a subida dos tons na voz e os sons hiperagudos são o resultado do completo afastamento das regiões da fala. Isso funciona como um recurso musical próprio do transbordamento dos sentimentos e afetos humanos.
A terceira canção trata de um narrador que foi testemunha da morte de Jesus – o personagem diz que viu Os cravos em Suas mãos, o Seu corpo a sofrer, numa explícita referência à canção "Getsêmani", do 1º cd de Leonardo Gonçalves. A melodia expressa melancolia e uma quase resignação do narrador.
A segunda estrofe traz outro estado de espírito, agora confiante e feliz. Na repetição do refrão, Leonardo ganha a companhia vocal do quarteto Communion, que assume a condução da música enquanto a voz principal se dedica às notas mais agudas. Dessa vez, a liberdade de si mesmo (parafraseando o "já não sou mais eu quem vivo, mas Cristo vive em mim") é ressaltada pelos melismas do cantor.
O 2º cd de Leonardo apresenta um caráter judaico constante ao longo das canções. Há uma recriação musical do tradicional estilo melódico judaico: a faixa Nachamu, nachamu -, e uma música com base no modelo literário dos salmos: a canção Salmo (Gerson Salcedo). A música Ele virá (do próprio Leonardo) é um ponto de referencialidade judaica do álbum: na letra, vemos o tradicional modelo hebraico-profético de listar trechos bíblicos para corroborar um discurso - a canção cita passagens literais de Apocalipse 14:7, 12 e 15:3; na melodia, ouvimos trechos ao estilo judaico; e no arranjo instrumental, percebemos a rítmica moura (o violão percussivo e o recurso das palmas lembram a sonoridade ibérica do flamenco, mas no contexto relaciona-se a aspectos rítmicos do Oriente Médio).
Quanto à performance vocal, percebe-se que o molde dos melismas de Leonardo está inspirado no canto judaico. Ele utiliza esse recurso passando milimetricamente pelas notas das escalas musicais das regiões árabes e palestinas, por exemplo.
Na parte final da letra, as certezas da parte cantada dão lugar às dúvidas da parte recitada. O uso do condicional “se” no trecho falado reforça o estado de insegurança e hesitações espirituais vivido. Ao mesmo tempo, ouve-se repetidamente a expressão Ele virá. Esse vocal é de caráter grave e até solene e dá a entender que o narrador experimenta um conflito interno, dividido entre a certeza cantada da volta de Cristo e a dúvida falada tipicamente humana.
O acompanhamento instrumental vai se intensificando em proporção à ascendência e ao volume da voz recitada e do vocal cantado. A tensão dúvida/certeza é dissolvida pela esperança de ver a Cristo sem medo (vou vê-lO naquele dia sorrindo, termina a letra) e pela resolução instrumental serena.
Esta canção é fundamental para a compreensão das intenções da produção do cd Viver e cantar. O cd apresenta uma grande variedade de recursos e temas só na parte inicial. Temos a tradição judaica e a certificação cristã no retorno de Jesus à Terra. Os sentimentos humanos vão da dúvida à certeza. A voz do cantor vai da recitação verbal à expansão melódica. Os arranjos vão do estilo ocidental à musicalidade oriental.
O encerramento da sequência História da redenção só poderia ser com a descrição da eternidade concedida finalmente aos salvos, na canção Um dia. Toda a tensividade vocal e orquestral dá lugar a um quadro de placidez e quietude. Segundo um comentarista deste texto, tanto o uso da harpa quanto a suavidade de movimento melódico-harmônico estão, nesse arranjo, relacionados ao imaginário da atmosfera celestial da era medieval e ao sentido de perfeição da igreja da época. (Hoje, esta sonoridade está também associada à música minimalista e às paisagens musicais de relaxamento físico e mental). Importa, porém, a funcionalidade do arranjo e da canção ao usar modelos musicais e culturais variados.
Comentários
li seus cometntários sobre a música "um dia", e senti a necessidade de fazer algumas correções que talvez passaram despercebidas. 1) o acompanhamento não é baseado em intervalos de quartas e sim de quintas; 2)dizer que a modulação ocorre sem 7° é ao mínimo engraçado, já que tanto o acorde "preparador" para a modulação e acorde de chegada a nova modalidade (e não tonalidade) são formado por 6 sons diferentes: 7°, 9° e 11°; 3) acho interessante quando você fala em falta de tensão, já que a música é baseada em acordes de 6 sons, e mesmo o backvocal da segundo coro é formado sobre estes acordes; 4) a utilização da harpa vai muito além da sua sonoridade, o objetivo da utilização deste instrumento foi porque dentro do imagnário cristão primitivo, medieval e renascentista a harpa é instrumento celestial, sendo sempre representado em afresco da igreja católica quando o assunto é o céu; a busca de uma linguagem sem grandes alterações de intensidade e dentro de uma estética minimalista, foi também porque dentro do pensamento grego - pensamento este, que influênciou o pensamento cristão de como seria o paraíso - a falta de movimento era sinal de perfeição, é por isso que sempre o santos apareciam em estado inerte.
atenciosamente,
obrigado pelas correções. Vou usar a mesma numeração que vc utilizou.
1) As quintas, ok.
2) A modulação ocorre sem a característica preparação de tônica com sétima (I7)ou quinta com sétima (v7; ou ainda IV/V) da tônica da nova tonalidade;
3) creio que o nº 3 (embora não indicado no seu ótimo comentário) se refere a ausência de tensão: a forma como os acordes foram distribuídos no arranjo, mesmo sendo de 6 sons, não criam grande tensividade. Aliás, se criassem tanta tensão, provavelmente o arranjador não o teria usado. Como o arranjo é ouvido, a tensão está dosada equilibradamente.
4) a harpa, apesar de pertencer ao imaginário celestial de tantos séculos (primitivo-medievo-renascença), hoje está mais associada aos sons new age, para uns, e minimalista na linha de philip glass e michael nyman, como vc parece conhecer.
Para quem ainda não conhece, esses compositores, eruditos que hoje tb fazem música para o cinema, utilizaram a reiteração melódica e rítmica - procure ouvir Einsten on the Beach (de P. Glass), o uso de acordes "dissonantes" mas sem provocar grandes tensões, e suavidade timbrística.
Voltando: de qualquer forma, não importa a era, trata-se de um estereótipo cultural e musical.
E não pretendo relacionar nessa música o termo "estereótipo" à falta de criatividade.
No mais,
obrigado.
Joêzer
o compositor é o arranjador
shalom
André