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O amor nos tempos da canção

Cada um tem a trilha sonora de seu amor. A donzela apaixonada, o mancebo arrebatado e os eternos-enquanto-dure namorados não resistem a uma canção romântica. Porque quando um homem ama uma mulher (ou when a man loves a woman, o amor é estranhamente poliglota) e vice-versa é possível inclusive gostar de canções que antes viviam sozinhas e desprezadas.

Pode ser como Julie Andrews como ex-noviça rebelde revelando seu amor com a belíssima Something Good, de Richard Rodgers, ou como os personagens cantando sua paixão em Todos dizem eu te amo. Pode ser que seus momentos sejam como o encontro em Notting Hill de Hugh Grant e Julia Roberts ao som de She, na voz de Elvis Costello (não me lembro de nenhum equivalente romântico no cinema nacional. E apelar pra Marina Elali aí já é forçar demais o romance).

A cena de Ewan McGregor e Nicole Kidman cantando o amor que sentem um pelo outro em Moulin Rouge dá o tom dos enamorados: os versos mais desabridos de paixão das canções mais desbragadas de amor é o que vem à cabeça. Não dá pra ser muito original quanto se está apaixonado, mesmo porque estar apaixonado não é nenhuma novidade debaixo do sol. Pensando bem, amar só é original pra quem acabou de descobrir que ama. Continuar amando é que está se tornando uma novidade.

Há uns meses recebi um e-mail que atravessou incólume as barreiras anti-spam. Em homenagem ao web-autor desconhecido e resistente, li a mensagem e, para o dia de hoje, fiz algumas modificações. A seguir, uma trajetória musical do amor através dos tempos em versão brasileira:

Nos anos 10 - Ele de terno, colete e cravo na lapela, embaixo da janela dela, canta:

"Tão longe, de mim distante, onde irá, onde irá teu pensamento? Quisera saber agora se esqueceste, se esqueceste o juramento. Quem sabe se és constante, se ainda é meu teu pensamento. E minh'alma toda de fora, da saudade, agro tormento!"

Na década de 20 - Ele de terno branco e chapéu de palha embaixo do sobrado em que ela mora, canta:

"Ó linda imagem, de mulher que me seduz! Ah, se eu pudesse tu estarias num altar! És a rainha dos meus sonhos és a luz. És malandrinha, não precisas trabalhar."

Nos anos 30 - Ele de terno cinza e chapéu panamá, em frente à vila onde ela mora, canta:

"Tu és divina e graciosa, estátua majestosa! Do amor por Deus esculturada. És formada com o ardor da alma da mais linda flor de mais ativo olor, que na vida és preferida pelo beija-flor."

Nos anos 40 - Ele ajeita o relógio Pateck Philip na algibeira, escreve para a Rádio Nacional e manda oferecer a ela uma linda música:

"A deusa da minha rua tem os olhos onde a lua costuma se embriagar. Nos seus olhos, eu suponho, que o sol num dourado sonho, vai claridade buscar."

No fim dos anos 50 - Ele pede ao cantor da boate que ofereça a ela a interpretação de uma bela bossa:

“Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar. Em cada despedida eu vou te amar, desesperadamente, eu sei que vou te amar. E cada verso meu será pra te dizer que eu sei que vou te amar por toda minha vida”.

Nos anos 60 - Ele aparece na casa dela com um compacto simples embaixo do braço, ajeita a calça Lee e coloca na vitrola uma música "papo firme":

"Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito não é maior que o meu amor nem mais bonito. Me desespero a procurar alguma forma de lhe falar como é grande o meu amor por você."

Nos anos 70 - Ele chega em seu fusca, com tala larga, sacode o cabelão, abre a porta e bota uma "melô jóia" no toca-fitas:

"Foi assim, como ver o mar. A primeira vez que os meus olhos se viram no teu olhar. Quando eu mergulhei no azul do mar, sabia que era amor e vinha pra ficar..."

Nos anos 80 - Ele telefona pra ela e deixa "rolar um som":

"No Abaeté, areias e estrelas não são mais belas do que você... Você é linda, mais que demais. Você é linda, sim. Onda do mar do amor que bateu em mim”.

Nos anos 90 - Ele liga pra ela e deixa gravada uma música na secretária eletrônica:

“Você é minha doce amada, minha alegria, meu conto de fada, minha fantasia, a paz que eu preciso pra sobreviver. É o amor, que veio como um tiro certo no meu coração, que derrubou a base forte da minha paixão, que fez eu entender que a vida é nada sem você”.

No ano 2000 - Ele captura na internet um "batidão legal" e põe um scrap na página dela no orkut:

"Tchutchuca! Vem aqui com o teu Tigrão. Vou te jogar na cama e te dar muita pressão!Eu vou passar cerol na mão, vou sim, vou sim! Eu vou te cortar na mão! Vou sim, vou sim! Vou aparar pela rabiola! Vou sim!"

Comentários

Oi! achei seu blog totalmente por acaso, e sabe de uma coisa? Gostei muito do que vi! começarei a frequentar! visite o meu quando tiver um tempo!
beijos
Anônimo disse…
a academia não gosta nem de ouvir falar em decadência musical. mas é só olhar para as décadas de 60 e 70 e ver o quanto as canções perderam em qualidade.
meu caro unespiano Joêzer - aprendi que é com cedilha, hehe - daqui a pouco as pessoas vão ter vergonha de gostar de mozart e pixinguinha.
Anônimo disse…
livia:
agradeço suas palavras e continue vindo. siga firme no "livre para pregar".

arthur:
você lembrou dessa história do "cedilha", hein?
por aqui pelo blog já mencionei músicos de hoje que resistem ao furacão da mediocridade que assola o país.
Michelle disse…
OI Joezer!
Passei por aqui, me diverti, me informei e te mando um grande abraço!

Michelle

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