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Indiana Jones e a religião

A série Indiana Jones, além de ser a mais cara e lucrativa brincadeira de caça ao tesouro, também estabelece a religião como ponto convergente dos quatro filmes. Em Os Caçadores da Arca Perdida (1981), a Arca da Aliança é o objeto disputado por mocinhos e vilões. Em O Templo da Perdição (1984), a religião hindu funciona como cenário para as peripécias do herói. Em ambos, as religiões são estereotipadas até o último fotograma. Mas considere que todo o cenário político e arqueológico da série também repete clichês e preconceitos (não vi o quarto filme da série para comentar aqui).

No terceiro filme, Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), o diretor Steven Spielberg e o roteirista Jeffrey Boam conseguem equilibrar os temas religiosos com o clima de ação e suspense. É onde também encontram tempo para o bom humor, graças ao ator Sean Connery, mas agora não vem ao caso.

No início do filme, o dublê de professor de arqueologia e caçador de raridades Indiana Jones, luta contra um inimigo dentro de um bote até que ambos se veem na iminência de ser trucidados pela hélice gigante de um navio. Indiana Jones o ameaça com o perigo de os dois morrerem ali, mas seu adversário reage com tranquilidade face à morte dizendo: "A minha alma está preparada para a morte. E a sua, Mr. Jones?"

O filme começa a transmitir, então, a ideia do conflito espiritual que Indiana Jones tem atravessado. Ele não está em paz nem com sua família - tem uma relação mal-resolvida com o pai - nem consigo mesmo - sabe que explora os bens culturais de outros povos. Enfim, Indiana não está preparado para a morte.

Somente no clímax do filmes, quando seu pai é feito refém, Indiana Jones não vai mais querer salvar o mundo nem adquirir um troféu. Seu motivo será menos espetacular. Só quer salvar seu pai. O herói mudará sua atitude que, mesmo com o pretexto de salvaguardar os tesouros da humanidade da mão de gente inescrupulosa, vinha sendo tão gananciosa quanto a de seus inimigos.

Obrigado pelos inimigos e pela situação do pai a arriscar a vida para buscar o famoso Santo Graal dentro de uma caverna cheia de armadilhas, o herói precisará transpor três obstáculos que podem nos dizer muito sobre a relação do homem com Deus.

O primeiro obstáculo é traduzido como "o sopro do Senhor": o herói precisará abaixar-se para escapar da morte: "só o homem penitente passará", ele diz. Em mais um dos maravilhosos paradoxos bíblicos, quando o ser humano busca a humildade, quando reconhece a soberania e a dependência de Deus, é que ele supera desafios. De joelhos, o homem se torna um gigante.

O segundo é relatado como "a palavra do Senhor". Indiana precisa seguir os passos certos que registram as letras do impronunciável nome de Deus. Essa palavra, que está no início das orações humanas, não volta vazia.

O terceiro obstáculo que Indiana Jones precisa superar está relacionado ao "caminho do Senhor": é um obstáculo de fé e Indiana precisa encontrar o grão de fé, mesmo na dúvida. Na caminhada cristã, aprendemos que sem fé é impossível agradar a Deus. Às vezes, apenas crer ou basta confiar parecem atitudes simples, porém nossa resistência em crer faz com que a fé se torne um passo mais difícil. O herói do filme dá o passo no vazio, o salto no escuro, e encontra uma ponte sobre o abismo. Ponte que se torna visível após a experiência da fé. Pode haver dúvidas e até negação no caminho da fé, mas o passo confiante leva Àquele que se tem procurado.

Por fim, Indiana Jones chega ao local em que está o cálice, o Santo Graal. Porém, ele acaba de notar que não sabe como é o Santo Graal: pequeno, grande, refinado, tosco? Ele só tem uma chance para pegar o cálice e sair dali. O guardião do tesouro lhe avisa: "Escolha sabiamente". A primeira opção de Indiana é apanhar a taça mais incrustada de pérolas, a mais bela para os seus olhos. Isso, pensa ele, representaria a majestade divina.

No entanto, aquilo que o homem escolhe como se fosse Deus, nada mais é do que sua própria vontade do que ele gostaria que Deus fosse: a aparência externa mais bonita e decorada. Na verdade, o cálice aparentemente rude é que teria sido usado por um Homem que ceava com pescadores. Isso revela que a aparência externa não diz nada sobre as pessoas, pois foi o próprio Cristo que disse que muitos homens eram como sepulcros caiados, cadáveres morais tingidos com a tintura da aparência de piedade.

A última ceia de Cristo com os discípulos não foi um banquete gastronômico nem uma festa de despedida extravagante. Só mais tarde, os discípulos compreenderiam o valor espiritual das palavras de Jesus. A última ceia representa também o momento em que o Deus feito homem torna-se servo e cumpre a missão maior: servir ao homem. Servir de cordeiro que tira o pecado do mundo, servir de loucura para quem não entende ou prefere não entender o ato da cruz, servir de esperança para quem O procura com humildade, mesmo que com dúvidas.

* * *
Alguém pode perguntar por que estou rascunhando pensamentos a partir de supostos gravetos como consideram as fábulas do cinema em vez de subir na árvore das parábolas bíblicas. Na verdade, subir, eu subo. Embora, cair, infelizmente eu também caia para um galho mais baixo. Mas garanto: não quero descer. Além disso, se eu sempre começar meus textos com referência bíblica, haverá uma boa gente que deixará de lado este blog já na segunda linha.

Comentários

Mário Wilson disse…
Oi Joêzer!
Gostei da conclusão.
joêzer disse…
que bom. tudo está bem quando termina bem!
Vanessa Meira disse…
Bela reflexão!
Sobre o uso dos versos bíblicos, tbm notei isso...e mais...Se a gente inicia o post com uma historia sensacionalista ou qq coisa secular (tipo "nx-zero vai abrir o show do Metallica") a galera comenta, indica e etc. tsc tsc... Lamentável msm!
joêzer disse…
vanessa,
bem notado e bem dito.

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