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a justiça nos tempos da cólera

Fiz de propósito. Recusei-me terminantemente, como se isso fizesse diferença, a ler qualquer notícia sobre o julgamento do casal Nardoni. Mas foi impossível ficar imune a tamanho bombardeio midiático. Aliás, foi uma retomada da cobertura do caso. O clamor do povo encolerizado, os repórteres sentimentais, os teleapresentadores raivosos espumando indignação, as teleapresentadoras comportadas fazendo carinha de santa compadecida, tudo igual posto que só existe retweet de notícia velha debaixo do sol.

Mas não escapei ileso. Vi uma repórter referindo-se ao momento em que a mãe da menina Isabela, Ana Carolina Oliveira, falou ao júri mais ou menos assim: “Foi um depoimento emocionado, a mãe chorou várias vezes e até uma jurada derramou uma lágrima”. E ainda é preciso ter diploma de jornalista pra falar uma pieguice deslavada como essa!

Não questiono o teor emocional do caso. Afinal, trata-se de uma mãe chorando a perda de uma filha, talvez a maior dor que possa existir.

Mas o que faziam aqueles desocupados em frente ao tribunal? Que imbecilidade foi aquela de levar cartazes (só faltou um dizendo “Galvão, filma nóis”), que sandice era aquilo de tentar bater no advogado de defesa (quero ver quando precisarem de um que os defenda diante da sanha do Estado)?

E ainda: qual é o sentido de comemorar uma sentença de prisão como se fosse um gol de placa da justiça brasileira?

Com todo respeito à memória da menina Isabella, quantas outras crianças são brutalizadas, violentadas, assassinadas diariamente e não se ouve essa “voz rouca das ruas”?

Ninguém queria realmente justiça. Desejava-se vingança. Posamos de pátria de toga e martelo do mesmo jeito que viramos uma pátria de chuteiras na Copa do Mundo. Assim como muitos se descontrolam nos estádios e diante da TV pelo time de paixão, muitos torciam no julgamento como se fosse uma decisão de campeonato. Foi o Gre-Nal da justiça, foi o Fla-Flu da vingança.

Sites de notícia lhe convidam a rever fotos do processo, a TV reprisa a condenação como um recorde olímpico. Ao invés de silêncio e reflexão, o que houve foi muito barulho num julgamento tratado como a festa da menina morta.

Não estou pedindo revisão do processo. O que ainda me espanta é o interesse de uma mídia que faz de um julgamento um show.

Declarado culpado ao fim do julgamento, o casal Nardoni passou por um linchamento público durante todo o processo. Atenção à capa da Veja (ao lado) há dois anos, quando a revista promulgava um veredito por sua conta – apesar da certeza das conclusões, a foto do casal Nardoni foi escolhida e trabalhada para dar aos acusados um rosto “criminoso”. Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.) estava certo quando dizia que “a razão quer decidir o que é justo; a cólera quer que se ache justo o que ela já decidiu”.


Comentários

Zierley Jardim disse…
pura verdade! bem lembrado.
Anônimo disse…
Esse texto me fez lembrar (e muito) d um outro texto q escrevi no meu blog há um tempo atrás!! Taí o link pra quem se interessar: http://d7th.blogspot.com/search/label/Eloha%3A%20Perdoa-nos
Daniel Freitas disse…
Como sempre EXCELEEEENTE, nobre amigo!
Saudades de você!
Abs e Boa Páscoa pra vc e pra family (coma chocolates com moderação!)

Ahh, e Parabéns pelo caminho para o Doutorado!
joêzer disse…
gracias a todos.
um abraço ao recém-papai dani freitas.
Kelly M. disse…
Compartilho a indignação...
O povo comemorou com a mesma intensidade o veredito do casal e a final do big brother!
Vergonhoso...
joêzer disse…
BBBoa comparação, kellinha!
Daniella disse…
PERFEITO! Concordo PLENAMENTE!!! Não tenho mais nada a dizer...

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