A proposta musical do grupo vocal adventista Novo Tom pegou a corrente do pragmatismo musical do cristianismo moderno? O grupo teria cedido ao "vale-tudo" a fim de falar do evangelho para a juventude atual? Com as mal-traçadas a seguir, argumento que esse tal pragmatismo é uma falácia sem tamanho, ao menos quando se trata do grupo Novo Tom.
Uma das correntes do pragmatismo religioso pós-moderno é a apresentação de mensagens de teor ético: os direitos humanos, a defesa do ecossistema, a paz no mundo. O grupo Novo Tom também aborda o tema da paz. Porém, não fala da paz como uma espécie de fraternidade demagógica.
O título do CD já introduz sua idéia de paz: Pode Cair o Mundo, Estou em Paz. Assim,a paz não é a unificação do pensamento global, mas um sentido de segurança exterior e placidez interior, só inteiramente adquirido pela confiança em Deus. Como exemplo, metade das doze canções do CD menciona a palavra “paz” relacionando-a a ações e atributos divinos: a frase-título (na canção "Estou em paz"),o autor da eterna paz (em "Nosso lar não é aqui"), na oração encontro paz e em seu perdão encontro paz(em "Falar com Deus"), só em Teus braços encontro paz (em "Descansar"), frutos de paz Ele quer nos doar (em "Deus tudo pode"), este nome traz a paz e Príncipe da Paz (em "Cristo").
Alguém vai argumentar que essas frases são quase obrigatórias nas canções cristãs. Mas talvez a palavra "paz" não seja casual nesse álbum do Novo Tom. Duas prováveis razões: 1) o letrista principal é Valdecir Lima, o que é uma certidão de propósito literário e teológico; 2) a “paz divina” é uma ideia recorrente ao longo das canções desse CD.
Nos anos 70, uma canção jocosa chamada “Pare o Mundo, Eu Quero Descer”, fez sucesso no Brasil. Mas a música “Estou em Paz” não pede para sair do mundo, nem por brincadeira. Certificada pela oração de Jesus (João 17:15), que pediu ao Pai que não nos tire do mundo, mas que nos livre do mal, a canção declara o “estar no mundo, mas em Deus confiar”. Seu refrão,
(...) Não temo o futuro, pois tenho Deus comigo / Pode cair o mundo, estou em paz
é cantado no final com bastante força em “(pode) cair o mundo”. Nesse trecho se faz um contraste sonoro: ofortissimo vocal e orquestral em “cair” é subitamente interrompido pelo pianissimo em “mundo”. O verso final “estou em paz” completa a frase e encerra a música de forma serena, com um vocal em uníssono.
Há outro tipo de contraste que pode ser visualizado nas fotos do CD antes mesmo de tirá-lo do invólucro - que como todas as demais embalagens de CDs do planeta, exige um conjunto de técnica e paciência para abrí-lo civilizadamente. Na capa frontal, há uma criança sentada numa escadaria com a típica placidez infantil de quem está entretida com um brinquedo. A parte de trás do CD traz a habitual ordem das músicas e também uma foto ao estilo do artista futurista Marinetti, que traduzia com traços velozes o movimento urbano. Os veículos passando velozmente no ruído caótico das cidades faz um significativo contraponto com a calma confiante de uma criança em paz.
O homem pode espalhar a paz no mundo, mas isso só é possível com a efetivação da paz de Deus em cada indivíduo. Na canção do Novo Tom, sai a narrativa grandiloquente de paz global, como se as diferenças pudessem ser resolvidas por discurso ou decreto, e entra em cena a vivência individual da comunhão com Deus como propiciadora de uma verdadeira fraternidade, endossando os versos daquele hino, “haja paz na Terra, a começar em mim”.
As canções “Nosso Lar Não é Aqui” (também de Lineu e Valdecir) e“Cenas” (Daniel Salles) também se valem da alternância entre potência e serenidade musicais. Na primeira, ouvimos um coro infantil breve em baixo volume seguido de introdução instrumental estrondosa com bateria, metais e guitarra. Essa introdução é contrastada subitamente pela leveza da voz de Joyce Carnassale acompanhada apenas de violão e alguma percussão. Durante a música, a simplicidade do coro infantil contrasta com os acordes sofisticados e a quebra de acentuação rítmica.
A música “Cenas”, que começa sobrepondo vozes recitando versos bíblicos, descreve as imagens da paixão de Cristo com a característica dramaticidade evangélica. O martírio é amplificado em versos (com Seu corpo a sangrar; não podia respirar; as feridas abertas; açoites tão cruéis) que visam a comoção. As imagens descritas detêm a força das palavras emocionalmente necessárias para o propósito espiritual da música, que alcança seu clímax com um vocal de grande potência.
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OBS: Esse é o texto revisado de uma postagem publicada em 2007, nos primeiros meses de vida desse blog. Se for o caso, volte e deixe seu comentário nesse texto atualizado e não no texto antigo, ok? Gracias.
Comentários
Rapaz...seria possível fazer uma análise sobre o novo cd dos Arautos, "O Dia Enfim Chegou" ? Este cd tem gerado opiniões bem divergentes - não necessariamente visões de conservadores e liberais, ou seja, não por conta de estar balançado demais ou não, mas sim pela nova roupagem e grandiosa inovação, o que torna este cd completamente diferente do trabalho anterior "Vale a Pena Esperar" e de tudo que já foi feito pelo quarteto.
Pessoas do público mais jovem têm gostado muito deste cd.
Agradeço a atenção.
Esse Cd do Grupo NTom me traz uma profunda contradição: embora eu seja teimosamente tradicionalista - no que tange à música - as letras desta obra me levam à profunda reflexão, ademais de não gostar, em absoluto, do estilo contemporâneo.
É agradável e contraditória a sensação que tenho ao ouvir, no mesmo CD, cançaõ calma como "Falar com Deus" e barulhenta como "Noso Lar não é Aqui"...